"Minha mãe tem 80 anos e, como fomos convidadas para um casamento na Flórida, aproveitei a viagem para nós duas recebermos a vacina."
A história desta venezuelana que prefere não dar seu nome é cada vez mais comum: a de viajantes de países latino-americanos que estão sendo vacinados contra o coronavírus nos Estados Unidos.
"Foi tudo muito simples. Bastava mostrarmos nosso passaporte e eles nos vacinaram sem nem precisar sair do carro no Hard Rock Stadium de Miami", disse ela à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC).
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No norte dos EUA, na cidade de Boston, outra venezuelana de 62 anos também não teve grandes dificuldades. "Eu me registrei na página do Departamento de Saúde de Massachusetts e alguns dias depois eles me deram a vacina sem pedir nenhum documento". Ela recebeu a vacina da Pfizer no Hynes Convention Center.
"Meu marido insistiu que eu viesse tomar. Realmente, é uma questão de vida ou morte e não sei quando as vacinas chegarão ao meu país ou se vão administrar os imunizantes bem na Venezuela. E aqui foi tão fácil ... "
Mas não são apenas os venezuelanos. No México e na Colômbia, proliferam agências de viagens que promovem pacotes turísticos que têm como principal atrativo o acesso à vacina, ainda longe do alcance da maioria em muitos países latino-americanos devido à lentidão em sua distribuição na região.
Pacotes de viagens
Segundo a Associação Mexicana de Agências de Viagens, já existem cerca de 500 empresas que oferecem pacotes que incluem voo para os EUA, recepção no aeroporto, acomodação e traslado para um centro de vacinação — tudo por cerca de 20 mil pesos (cerca de US$ 1 mil ou mais de R$ 5 mil)
Nos principais aeroportos do sul dos EUA, como os de Miami, Orlando, Houston ou Los Angeles, o turismo de vacinas é um fenômeno já bem visível.
Isso é também consequência do avanço da campanha de vacinação nos EUA, onde mais de 53% da população já recebeu pelo menos uma dose da vacina, percentual só superado por Israel e Reino Unido.
Os dados contrastam com 6,1% na Colômbia, onde as autoridades foram obrigadas a decretar novos confinamentos para conter o avanço da epidemia. Em outros países, o percentual de pessoas vacinadas também é baixo: 9,5% no México e 1% na Venezuela.
Na região, poucos casos excepcionais, como Uruguai e Chile, se aproximam dos números americanos.
"A América Latina é a região que atualmente mais necessita de vacinas", diz a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa Etienne.
Isto é um problema?
Quando a crescente chegada de latino-americanos — incluindo pessoas famosas cuja vacinação causou polêmica — virou notícia na imprensa, alguns Estados anunciaram medidas para garantir que apenas residentes recebessem a vacina.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, anunciou que o Estado exigiria comprovante de residência para aplicar a vacina.
Mas a Secretaria de Saúde do Estado disse à BBC Mundo que há exceções.
Como a Flórida tem muitos residentes temporários, principalmente idosos, as autoridades dizem que "não podem limitar" a vacinação de pessoas que não moram lá durante todo o ano.
Na sexta-feira (30/04), o clínico geral do Estado, Scott Rivkees, emitiu uma instrução recomendando estender a vacinação a todos os não-residentes na Flórida que estejam lá "fornecendo bens e serviços".
Os turistas latino-americanos que foram vacinados na Flórida consultados pela BBC Mundo disseram que não é necessário comprovante de residência.
E até políticos locais parecem ter visto no novo "turismo de vacinas" uma oportunidade de compensar um pouco a queda de visitantes causada pela pandemia. É o caso do prefeito de North Miami Beach, Anthony F. DeFillipo, que chegou a sugerir que estrangeiros venham para a cidade em busca da vacina.
Três dias depois, a Prefeitura esclareceu em comunicado que cabe à Secretaria de Estado da Saúde definir os critérios para administrar a vacina.
Mary Jo Trepka, especialista em Epidemiologia da Florida International University, disse à BBC News Mundo que "nos EUA há um amplo estoque de vacinas e a pequena porcentagem de doses que os viajantes latino-americanos estão tomando não deve representar um problema [para os demais americanos]".
"Na verdade, é do interesse dos EUA que a população de nossos países vizinhos seja vacinada e, do ponto de vista da saúde pública, o problema é: por que não estão chegando vacinas suficientes a esses países", diz Trepka, que cobra do presidente dos EUA, Joe Biden, um maior envolvimento no programa Covax e em outras iniciativas de ajuda a países menos favorecidos.
A Casa Branca anunciou em 26 de abril que enviará 60 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca para países em dificuldade "assim que elas estiverem disponíveis". Mas ele não detalhou quem serão os favorecidos.
'E você? Qual você recebeu?'
Por Marcos González, correspondente da BBC no México
Estou embarcando em um voo da American Airlines de Miami para a Cidade do México. Embora seja de manhã cedo, há muitas conversas animadas. Três jovens mexicanos de no máximo 30 anos falam sobre sua viagem aos EUA. Eles cumprimentam outros conhecidos mexicanos que estão embarcando no avião.
"E você chegou ontem e vai embora hoje? Nossa, tá maluco. E qual você recebeu? Eu, a da Moderna", diz um deles, de terno e perfeitamente penteado, para uma das amigas que está andando pelo corredor procurando por seu assento.
Não é segredo para os passageiros ou tripulantes que, entre os inúmeros atrativos de se viajar para os EUA, agora existe também a possibilidade de se receber a vacina por lá. E não são poucos os que trocam dicas sobre como fazer isso de forma rápida e confortável.
Desigualdades
Para Trepka, a desvantagem do turismo de vacinas da América Latina é que ele "agrava as desigualdades nos países de origem", pois quem pode viajar para os EUA é quem pode pagar e tem autorização de entrada, o que exclui grande parte da população da região.
O fato de nem todos poderem pagar explica o alvoroço causado pelos casos conhecidos de celebridades que viajaram aos EUA para se vacinar, como o ex-candidato à presidência do Peru Hernando de Soto, que inicialmente negou ter recebido a vacina.
Trepka, no entanto, não culpa os turistas. "Eu acho que faria o mesmo se estivesse no lugar deles."
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