O mergulhador escocês Chris Lemons escapou da morte em 2012 pelo que muitos descreveram como milagre. Ele ficou sem ar a quase 100 metros no fundo do mar, perdeu os sentidos e foi resgatado com vida, 30 minutos após ter parado de respirar.
Sua incrível história foi contada no documentário, Last Breath, lançado em 2019, e é um dos dez episódios da nova temporada de Que História!, o podcast da BBC News Brasil apresentado por Thomas Pappon.
Lemons é mergulhador de saturação, uma profissão bem paga porque exige um preparo físico e mental semelhante ao de um astronauta.
"Basicamente a gente trabalha no leito do Mar do Norte, ou leito de qualquer outro mar ou oceano no mundo, fazendo consertos em componentes hidráulicos ou eletrônicos ligados à indústria de extração de petróleo", contou ele ao programa de rádio Outlook, da BBC.
"Às vezes trabalhamos numa plataforma, checando as colunas, se a estrutura está firme, às vezes trocamos um cano, outras vezes passo o dia todo só escavando lama."
Como ouvir o podcast
A segunda temporada de Que História!, produzida e apresentada por Thomas Pappon, contém dez episódios, disponibilizados semanalmente nas principais plataformas de podcast, como Apple, Spotify, Overcast e Castbox.
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Trabalho perigoso
O trabalho exige um grande cuidado com os efeitos no corpo do aumento da pressão atmosférica em altas profundidades - em particular com a chamada doença de descompressão. Um mergulhador que passa horas a 50 metros de profundidade, por exemplo, corre sério risco de morrer se voltar rapidamente à superfície.
O nitrogênio que respirarmos normalmente se dissolve no sangue em condições de alta pressão — como em um mergulho de profundidade. Quando um mergulhador retorna à superfície, esse nitrogênio no sangue forma bolhas que podem causar embolias e lesões no sistema nervoso.
Por isso, mergulhadores de saturação, antes de entrar no mar, são colocados, ainda no navio, em câmaras de compressão e descompressão, para que seu corpo seja acostumado, gradualmente, às pressões que enfrentarão no fundo do mar.
Depois de passar alguns dias nessas câmaras, os mergulhadores descem para o fundo do mar no chamado sino de mergulho, um compartimento em formato de sino em que cabem até três pessoas — e uma série de cabos, ligados ao navio.
Quando deixam o sino para realizar suas tarefas, os mergulhadores vestem um espaçoso traje de mergulho, através do qual é bombeada água quente do navio, que, segundo Lemons, "te dá a agradável sensação de estar numa banheira". Sobre a cabeça, eles usam um capacete de kevlar, equipado com um visor, uma câmera e luz, "para você ver o que está fazendo".
O ar que é bombeado do navio é uma mistura de oxigênio e hélio, em vez da combinação de oxigênio com nitrogênio que respiramos normalmente, dois gases que podem ter efeitos nocivos sob alta pressão, como a narcose de nitrogênio, que deixa as pessoas desorientadas — como se estivessem bastante bêbadas. O hélio, segundo Lemons, é leve e agradável, você não nota a diferença, a não ser pelo curioso efeito colateral de dar à voz um som de "pato".
"É engraçado no primeiro minuto, depois vira algo normal e até incômodo, pois dificulta a comunicação entre as pessoas", disse Lemons.
Umbilical
A comunicação com o navio, assim como todo o suprimento de ar, calor e luz, se dá através de um conjunto de cabos reunidos dentro de uma espécie de mangueira que os mergulhadores chamam de "umbilical".
"O umbilical faz exatamente o que o nome sugere, ele te mantém vivo", afirmou Lemons. "Ele não só fornece o gás para você respirar, como também a água quente ao traje para te manter aquecido, e a eletricidade para alimentar a câmera e a luz no capacete."
O mergulhador é ligado pelo umbilical ao sino de mergulho, que, por sua vez, é alimentado pelo navio através de um umbilical maior.
O acidente
No dia 18 de setembro de 2012, Lemons desceu, com mais dois colegas, Dave Youasa e Duncan Allcock, em um sino de mergulho a 91 metros de profundidade, para fazer consertos em uma estrutura metálica de válvulas e tubulações no leito do mar em um campo de extração de petróleo, na costa escocesa do Mar do Norte.
Enquanto desciam, as condições do tempo ao redor do navio eram ruins, com fortes ventos e ondas de até sete metros.
"O trabalho era tranquilo", relatou Lemons. "Dave e eu estávamos trocando alguns canos, basicamente movendo algumas alavancas e seguindo instruções de Craig, o supervisor de mergulho, que estava no navio e nos dizia o que fazer."
Sentado no navio em frente a um console com vários monitores, Craig Frederick, o supervisor, via ao mesmo tempo as imagens de várias câmaras mostrando o interior e exterior do sino de mergulho e o que cada mergulhador estava vendo e fazendo. E se comunicava por microfone com os mergulhadores.
"Recebi um alerta da ponte, do operador que controla a posição e a estabilidade da embarcação, dizendo que o navio estava enfrentando problemas", disse Frederick ao Outlook. "Pelo tom com que falou comigo, notei que o problema era sério. Minha única preocupação era com mergulhador 1 e mergulhador 2. Disse a eles para largarem as ferramentas e saírem da estrutura, sem saber ao certo o que poderia acontecer nos próximos minutos."
Mas enquanto os mergulhadores se dirigiam de volta ao sino, Frederick recebia o alerta de que o navio estava sendo arrastado pelo mau tempo e pelas ondas. Mais tarde, soube-se que houve uma falha no computador que zela pelas correções de posicionamento do navio.
O movimento da embarcação arrastou junto consigo o sino, que estava no fundo do mar preso ao navio pelos vários cabos dentro do umbilical. "Quando saímos da estrutura, vimos que o sino não estava mais onde deveria estar — tipo um pouco acima e a uns 20 metros de distância", contou Lemons. "Dava pra ver que o sino havia ido pra trás da gente, porque o umbilical, que deveria estar solto no chão à nossa frente, estava acima, atrás, preso no topo da estrutura em que estávamos trabalhando."
"Nós dois estávamos subindo a estrutura em direção ao sino, onde estava Duncan, ele conseguia puxar o umbilical de Dave. Mas não conseguiu puxar o meu, por que este estava preso, enganchado na estrutura metálica. Eu não podia fazer nada. Imagine sendo puxado por um barco de 8 mil toneladas. Foi aí que eu entendi que estava sob perigo de morrer."
O navio continuou sendo levado pelas ondas e arrastando o sino. Lemons, com o umbilical preso à estrutura metálica, estava agindo como uma espécie de âncora. A tensão entre os cabos começou a arrancar partes da parede do sino de mergulho.
De repente, Lemons, ficou sem o suprimento de gás. "A mangueira ficou tão esticada que não permitia a passagem de gás. Eu tive de acionar o cilindro de emergência que a gente leva nas costas. Eu consegui respirar, mas o rangido aumentava, de repente fiquei sem comunicação. E logo em seguida ouvi um barulho, parecia um tiro de escopeta."
O umbilical que ligava Lemons ao sino se partira. Ele foi jogado pra trás e caiu na direção do leito do mar, que ficava cerca de dez metros abaixo, um mundo de completa escuridão e silêncio.
"Quando me levantei, comecei a andar, completamente sem orientação. Eu poderia simplesmente ter ido em outra direção e me perdido. Mas por sorte, eu topei com a estrutura na qual a gente tinha trabalhado."
"Achei uma mangueira que a gente tinha usado, presa à estrutura, e, dois ou três minutos depois, eu escalei a estrutura e estava sobre a grade no topo dela. Olhei pra cima, só conseguia ver escuridão. E foi aí que me toquei, que, com somente pouco mais dois minutos de oxigênio que eu tinha, a situação não era nada boa. Eu não podia subir pra superfície, isso me mataria instantaneamente. Eu estava ali sozinho, na escuridão e, no frio do fundo do mar, só me restou refletir sobre a chegada da morte. Fiquei pensando no sofrimento das pessoas sendo avisadas da minha morte, minha noiva, minha mãe, meu pai..."
"Quando você vai chegando aos últimos restos de hélio no tanque, percebe o fim do gás porque fica mais difícil de aspirar. Eu lembro que esse momento demorou pra chegar, mais do que eu imaginava. Mas quando chegou eu só esperava que não fosse sentir dor. Na verdade, foi como quando você vai dormir. Você não se lembra exatamente do momento em que apaga. Não foi uma sensação desagradável. Mas não lembro do momento em que perdi a consciência."
Tensão e resgate
O navio continuava sendo arrastado pelas ondas. Craig Frederick, o supervisor, disse que levou cerca de 20 minutos para que a embarcação estivesse sob controle. Ela se distanciou cerca de 250 metros da posição original, e agora estava, finalmente, no caminho de volta. Foi quando puderam lançar um robô submarino, operado por controle remoto e equipado com uma câmera.
Frederick contou que "o piloto que operava o robô encontrou a estrutura e viu Chris deitado no topo dela. Ele estava deitado de costas, com os braços flutuando em um ângulo de 45 graus. Ele não se mexia, mas seu corpo dava uns espasmos."
Eles podiam ver o corpo de Lemons, mas o navio levaria mais dez minutos para chegar ao local, e para que Dave Youasa, ainda no sino de mergulho, pudesse resgatá-lo.
Youasa recolheu o que achava ser o corpo sem vida do colega. Assim que chegou ao sino, o outro mergulhador, Duncan Allcock, imediatamente retirou o capacete de Lemons e começou a fazer respiração boca a boca nele.
Frederick, que acompanhava tudo pela câmara no sino, disse ficar "todo arrepiado só de relembrar esse momento". "Duncan disse 'ele está vivo, está respirando'. 'Na verdade, ele já está falando'. E depois vi o Chris sentado, um pouco abatido, como se tivesse voltado de um turno de seis horas de trabalho."
"Eu disse, 'Hey Chris, como é que você tá? Tá tudo OK?'. Eu não queria criar muita comoção nessa situação que já tinha sido tão dramática. E ele respondeu: 'Sim, tô bem. Tô com frio!'"
O próprio Lemons relembra estar "exausto". "Vomitei algumas vezes", disse ele. "Tinha um machucado na perna, de quando fiquei preso na estrutura. Mas fora isso, estava bem. Na verdade isso me espanta mais do que ter sobrevivido. Como pude estar tão bem depois de passar 30 ou 35 minutos sem respirar?"
Lemons só se deu conta de que passou mais de meia hora sem respirar mais tarde. Quando saiu da câmara de descompressão no navio, quatro dias depois, ele pôde ver as imagens dele deitado desacordado no fundo do mar e depois voltando a respirar no sino de mergulho.
Não há uma explicação clara para o milagre da sobrevivência de Lemons, mas ele tem algumas teorias.
"Eu sempre achei que foi o frio que me salvou. Há várias histórias de crianças ou mesmo adultos que apagaram na água gelada e sobreviveram após um longo período, basicamente porque o corpo suspende várias de suas funções. Mas também pode ter a ver com o tanque de emergência, que tem uma concentração maior de oxigênio do que o gás que respiramos normalmente. Isso, juntamente com a alta pressão, saturou os meus tecidos e órgãos vitais com oxigênio, o suficiente para que eles não parassem de funcionar.
Assim que deixou a câmara de descompressão, com o navio ancorado na cidade de Aberdeen, ele pode abraçar sua noiva, Morag, com quem se casaria alguns meses depois.
E três semanas depois de escapar da morte, Lemons estava de volta ao trabalho, no fundo mar, na mesma estrutura, com os mesmo colegas que lhe salvaram a vida, Duncan Allcock e Dave Youasa.
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