ORIENTE MÉDIO

ONG Human Rights Watch acusa Israel de 'apartheid' e perseguição

Relatório denuncia dominação deliberada de judeus sobre palestinos, além de perseguição e de opressão sistemática. Diretor-executivo explica que o documento é fruto de dois anos de investigações. Embaixadores repercutem o texto

A organização não governamental Human Righs Watch (HRW) advertiu que Israel comete crimes contra a humanidade de apartheid e de perseguição, ao “manter a dominação dos israelenses judeus sobre os palestinos” e pelos “graves abusos contra árabes que vivem no território ocupado, incluindo Jerusalém Oriental”. É a primeira vez que uma grande ONG internacional adota o termo alusivo ao regime de segregação racial que imperou na África do Sul entre 1948 e 1994. “Com base em investigações, a Human Rights Watch conclui que o governo israelense mantém uma dominação deliberada da população judaica sobre os palestinos em todo Israel e nos territórios ocupados (Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental)”, destaca um relatório de 213 páginas intitulado Um limite ultrapassado: autoridades israelenses e os crimes de apartheid e perseguição. “Quando esta dominação deliberada se soma a uma opressão sistemática e a atos desumanos, trata-se de um crime de apartheid”, atestou a HRW.

Enquanto os palestinos elogiaram o teor do relatório, Israel tratou de acusar a HRW de impulsionar uma agenda anti-israelense de longa data e de buscar boicotes contra Israel por anos. O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu denunciou uma manobra para “prejudicar o direito de Israel de existir como Estado-nação do povo judeu”.

Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília, disse que não há outra maneira de descrever a situação de seu povo que não implique crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição. “Se aos palestinos, em seu território, é destinado menos água que a um colono israelense que vive em um assentamento ilegal, é mais do que claro que estamos diante de apartheid. O mesmo vale para os agricultores palestinos, que enfrentam dificuldades para irrigar, enquanto nos assentamentos israelenses há até piscinas. Um palestino não pode construir na Palestina sem autorização de Israel, um israelense edifica onde quiser, inclusive em terra que não é sua”, observou o diplomata. “Quando um palestino não pode sequer ir à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, para orar, enquanto os israelenses invadem o espaço quando bem entendem, não há como definir isso de outra maneira: é apartheid.”

Críticas

Encarregado de negócios da Embaixada de Israel em Brasília, o embaixador Shmulik Bass classificou as “afirmações fictícias que a Human Rights Watch inventou” como “absurdas e falsas”. “Existem árabe-israelenses que se afirmam palestinos trabalhando na Suprema Corte de Israel como juízes, membros do Knesset (parlamento) e representantes dentro das organizações de governo”, disse. “Nós respeitamos nossos parceiros de negociação do lado palestino, pois muitos trabalham em Israel. Temos mais de 40 acordos com as lideranças de autoridades palestinas. Além disso, muitos estudantes e professores das universidades de Israel provêm de comunidades árabe-israelenses. Eles têm os mesmos direitos e obrigações, como qualquer cidadão”, assegurou. Bass acredita que “a decisão da HRW de não compartilhar o relatório com nenhum órgão oficial israelense é uma indicação clara de que se trata de panfleto publicitário, que carece de qualquer credibilidade.”

Kenneth Roth, diretor-executivo da HRW, afirmou ao Correio que a organização não governamental passou os dois últimos anos documentando como o governo de Israel trata os palestinos. “Nós concluímos que as declarações e a conduta do governo israelense, particularmente seus esforços para manipular a demografia e restringir o acesso à terra, demonstram a intenção de manter o domínio sobre os palestinos. Nos territórios ocupados, tal intenção está associada a uma série de práticas que equivalem à opressão sistemática e a atos desumanos necessários para demonstrar o apartheid”, explicou.

Segundo Roth, isso vai além das “legítimas preocupações de segurança de Israel” e inclui a apreensão de terras, a recusa em permitir que a maioria dos palestinos construa casas, severas restrições a viagens, revogação do direito de residência a palestinos e sistemas jurídicos discriminatórios. Ao ser questionado sobre a reação de Israel, o diretor da HRW afirmou que a resposta tem consistido em insultos, em vez da abordagem do relatório. “Eles dizem que o relatório é falso, mas não citam um único fato errado nas 213 páginas. Eles afirmam que somos tendenciosos, embora apliquemos a Israel os mesmos padrões utilizados para todos os outros governos do mundo.”

Presidente do Instituto para Estratégia e Segurança de Jerusalém, Efraim Inbar referiu-se ao relatório como “calunioso” e admitiu que a ONG tem “longa obsessão com Israel”. “Os palestinos têm autogovernança, a Autoridade Palestina. Eles não possuem uma democracia, mas um regime autoritário corrupto. Não são cidadãos de Israel e, por essa definição, não podem se encaixar em uma situação de apartheid. Em Israel, os árabes gozam de todos os direitos legais”, disse.

Para Richard Falk, ex-relator especial da ONU para a Palestina Ocupada (2008-2014), o fato de uma ONG respeitada como a HRW fazer tais acusações, apoiada por extensa documentação, “é um grande desdobramento, algo quase impensável há alguns anos”. “É notável que isso ocorra meses depois de a principal ONG israelense de direitos humanos, B’Tselem, emitir relatório bombástico similar, o qual concluiu que Israel foi culpado do crime de apartheid”, lembrou.

» Ponto crítico

Este relatório é parte da campanha contínua da organização, liderada por um conhecido apoiador do movimento BDS (boicote, desinvestimento e sanções), sem nenhuma ligação com os fatos ou a realidade local. O objetivo deste relatório espúrio não está de forma alguma ligado aos direitos humanos, mas a uma tentativa contínua da HRW de minar o direito do Estado de Israel de existir. Muitos dos exemplos do relatório foram tirados do contexto. Embaixador Shmulik Bass, encarregado de negócios da Embaixada de Israel em Brasília.

O relatório prova que está em construção um consenso internacional, envolvendo governos, organizações internacionais e a sociedade civil quanto à existência de um apartheid na Palestina promovido por um Estado agressivo, cujo regime, na prática e juridicamente, é segregacionista. A humanidade venceu o apartheid na África do Sul quando tomou consciência dele e lutou para que fosse abolido. O mesmo acontecerá no caso palestino.” Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília.

» Duas perguntas para / Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch (HRW)

Como o senhor vê o uso do termo “apartheid” para designar a situação nos territórios palestinos?
O termo “apartheid” originou-se na África do Sul, mas foi incorporado aos tratados internacionais, com aplicação global. A Convenção sobre o Apartheid, de 1973, e o Estatuto de Roma, de 1988, o qual estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), definiram o apartheid não como uma alusão histórica, mas como um crime contra a humanidade, que inclui a intenção de um grupo racial de dominar outro, juntamente com opressão sistemática e atos desumanos. Essa é a definição que aplicamos em nosso relatório. Nós encontramos esses três elementos de crime, reunidos, nos territórios ocupados.

O relatório recomenda que a promotoria do Tribunal Penal Internacional abra investigação contra o Estado de Israel. O senhor acredita que isso,de fato, ocorrerá?
Uma investigação formal do TPI sobre a situação na Palestina foi aprovada e está em andamento. A promotora afirmou que se concentraria nos assentamentos ilegais — uma violação da proibição imposta pelas Convenções de Genebra de transferir a população do ocupante para o território ocupado — e na condução da guerra na Faixa de Gaza. Não existe nada que impeça o promotor de incluir outros crimes na investigação. Nós entregaremos, formalmente, o relatório ao promotor com a recomendação de que o crime contra a humanidade de apartheid seja investigado também.