Ao fim de exercícios militares na península da Crimeia, Moscou anunciou, ontem, que vai iniciar o processo de retirada de suas tropas das proximidades da fronteira com a Ucrânia, numa demonstração de aparente distensão. Em outro aceno, o presidente russo, Vladimir Putin, disse estar disposto a receber “a qualquer momento” seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, para abordar as relações bilaterais. A situação vem provocando grande preocupação da comunidade internacional.
O líder russo sinalizou que, se quiser falar sobre o conflito entre as forças ucranianas e os separatistas pró-russos no leste da Ucrânia, deverá procurar os líderes das duas repúblicas autoproclamadas pelos rebeldes (Donetsk e Lugansk). A presença de dezenas de milhares de soldados perto da fronteira com a Ucrânia — que luta contra separatistas pró-russos no leste — alimentou as tensões e as críticas recíprocas entre Moscou, de um lado, e o Ocidente e a própria Ucrânia, de outro.
Em resposta à Rússia, os Estados Unidos externaram ceticismo, dizendo esperar “ações” e não “palavras”. O porta-voz da diplomacia americana, Ned Price, assinalou que Washington continuará “vigiando a situação de perto”, em coordenação estreita com as autoridades ucranianas e outros aliados dos Estados Unidos. “Vamos nos assegurar de que a Rússia vai até o fim do seu compromisso”, acrescentou Price.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi notificada do anúncio da retirada dos soldados russos, mas, a exemplo de Washington, assumiu que permanecerá vigilante.
Elogio
Horas antes do anúncio, o presidente ucraniano elogiou a retirada das tropas russas reunidas perto de seu país, assinalando que a iniciativa leva a uma redução proporcional da tensão. “A Ucrânia continua vigilante, mas fica feliz com qualquer medida que possa reduzir a presença militar”, tuitou Volodymyr Zelensky.
Kiev expressou o medo de uma invasão russa. Moscou afirma que não ameaça ninguém e denuncia provocações ucranianas e as atividades “ameaçadoras” da Otan em suas fronteiras.
“As tropas demonstraram sua capacidade de garantir uma defesa confiável”, afirmou o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, em um comunicado. Shoigu supervisionou pessoalmente as manobras na Crimeia, anexada à Rússia em 2014. O exercício contou com a participação de aproximadamente 10 mil soldados, 40 navios, defesa antiaérea e tropas aerotransportadas, que simularam suporte a uma operação de invasão anfíbia.
A nota divulgada por Shoigu destaca que, após três semanas de manobras, as tropas devem começar a retornar às suas bases permanentes a partir de hoje. O processo será concluído até 1º de maio.
Nos últimos dias, Moscou intensificou os exercícios no Mar Negro e na Crimeia, depois de mobilizar dezenas de milhares de militares na fronteira com a Ucrânia, país com o qual mantém relações tensas há sete anos.
O governo de Vladimir Putin também limitou por seis meses a navegação dos navios miliares e oficiais estrangeiros em três regiões na costa da Crimeia, especialmente em torno da Península de Kerch. A região é considerada muito problemática pela sua proximidade com o Estreito de Kerch, que une o Mar Negro ao Mar de Azov, de importância crucial para as exportações de cereais e de aço produzidos na Ucrânia. Essas restrições foram classificadas como uma “escalada” por Washington.
Na quarta-feira, em seu discurso anual sobre o estado da nação, Vladimir Putin fez um alerta ao Ocidente. “Os organizadores de provocações que ameaçarem nossa segurança lamentarão como nunca tiveram que lamentar qualquer coisa”, afirmou o líder russo. “Espero que ninguém tenha a ideia de ultrapassar a linha vermelha com a Rússia”, insistiu, antes de prometer uma resposta “assimétrica, rápida e dura”.
Conflito
Apesar da redução das tensões na retirada das tropas russas perto da fronteira com a Ucrânia, o conflito entre Kiev e os separatistas pró-russos no leste do país continua, deixando dezenas de mortos desde janeiro.
Pouco antes do anúncio do fim das manobras russas, militares ucranianos perto da cidade de Pisky, na periferia de Donetsk, um dos feudos dos separatistas pró-russos, expressaram suas dúvidas de que o conflito pudesse ser resolvido com o diálogo.
“É um beco sem saída, ninguém quer resolver o conflito pela via diplomática, mas também ninguém quer a guerra”, disse o militar Kirilo, de 35 anos, ouvido pela agência de notícias France-Presse. Ele expressou o desejo de que seu país, a Ucrânia, una-se à Aliança Atlântica. “Se nos juntarmos à Otan, a Rússia estará cercada pela aliança em todos os lados e não poderá fazer nada”, acrescentou outro soldado, que responde ao nome de Joker, 24 anos. Desde 2014, o conflito no leste da Ucrânia deixou mais de 13 mil mortos.
“A Ucrânia continua vigilante, mas fica feliz com qualquer medida que
possa reduzir a presença militar”
Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano