Sessenta anos depois de Fidel Castro proclamar o caráter socialista da revolução cubana, seu irmão, Raúl, preside nesta sexta-feira (16/4), a portas fechadas, seu último congresso do Partido Comunista.
Ao anunciar que vai deixar o cargo de primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba (PCC), o posto de maior poder na ilha, Raúl Castro propôs um diálogo respeitoso com os Estados Unidos.
"Ratifico deste congresso do Partido a vontade de desenvolver um diálogo respeitoso e edificar um novo tipo de relação com os Estados Unidos" sem renunciar "aos princípios da revolução e do socialismo", disse no primeiro dia do oitavo congresso do PCC.
A reunião histórica, que durará quatro dias, marca a saída deste líder revolucionário e a ascensão de uma nova geração.
Ao contrário das edições anteriores, no início deste encontro não foi divulgada qualquer imagem na televisão, só algumas fotos e vídeos foram compartilhados nas contas de veículos estatais em suas redes sociais.
Em uma destas imagens aparecem 300 delegados do Partido Comunista de Cuba (PCC), que chegaram das províncias do país, em um longo aplauso no momento em que Raúl Castro, de 89 anos, entrava com seu uniforme militar, seguido de seu sucessor designado, o presidente Miguel Díaz-Canel, de 60 anos.
Este último, que substituiu Raúl na Presidência em 2018, será o primeiro dirigente também do partido, no qual fez toda a sua carreira. Está previsto que Díaz-Canel seja nomeado primeiro secretário, o mais alto cargo do país, na próxima segunda-feira (20/4), no último dia do congresso.
É "o congresso da continuidade", disse no Twitter, destacando que as diretrizes do país, uma das últimas cinco nações comunistas do mundo, não vão mudar.
Embora sejam necessárias reformas econômicas urgentes, com o país mergulhado em uma profunda crise, o princípio do partido único será mantido.
- "Fiéis ao legado" -
"O Partido constitui garantia de unidade nacional e síntese dos ideais de dignidade, justiça social e independência das gerações de patriotas que nos antecederam e as que nos defenderam em todos estes anos de luta e vitória", disse José Ramón Machado Ventura, de 90 anos, número dois do partido que também deve se aposentar.
Ao inaugurar o congresso, com "a convicção de que continuaremos sendo fiéis ao legado dos nossos mártires e o exemplo de Fidel e Raúl", segundo declarações reproduzidas pela mídia estatal, autorizada a estar no Palácio das Convenções, onde se realiza a reunião.
Depois da morte de Fidel Castro em 2016, a saída de Raúl vira uma página histórica na ilha, onde a maioria dos moradores não conheceram outra família dirigente que não fosse a dos conhecidos revolucionários.
"Raúl não vai estar à frente do Partido, mas Raúl está aí (para) qualquer problema, Raúl não morreu", reflete Ramón Blande, militante comunista de 84 anos, usando uma máscara para se proteger do coronavírus.
De acordo com veículos oficiais, após uma homenagem a Fidel, Raúl apresentou na manhã desta sexta-feira (16/4) aos delegados o relatório central do Congresso, no qual investiu contra a "guerra econômica" empreendida pelos Estados Unidos após quatro anos de governo Trump, que endureceu o embargo vigente desde 1962.
Os partidos comunistas de China, Vietã, Laos e Coreia do Norte enviaram mensagens de parabéns a Cuba, segundo o jornal Granma.
- O efeito da internet -
Nas ruas de Havana, sem turistas devido à pandemia, os cubanos parecem mais preocupados com a escassez de alimentos, as longas filas em frente aos supermercados e a espiral inflacionária desatada pela recente unificação das duas moedas que circulavam no país.
"Tenho esperança de que isto melhore com o congresso porque os preços estão muito altos, os salários subiram (...), mas (...) definitivamente [o dinheiro] não dá", lamenta María Martínez, aposentada de 68 anos.
Para Norman McKay, analista da Unidade de Inteligência da The Economist, "a saída de (Raúl) Castro é um acontecimento histórico não só porque marca o fim de uma dinastia que durou mais de 50 anos, mas também porque ocorre em meio a um período de importantes dificuldades e perturbações econômicas".
"Isto não significa necessariamente que vá haver uma mudança brusca no estilo do partido comunista", mas "a internet vai facilitar uma demanda maior de responsabilidade e de liberdades, apresentando ao governo desafios que serão difíceis de ignorar pelo Partido Comunista", acrescenta.
Nos últimos meses, Cuba experimentou uma inédita agitação social, impulsionada pela recente chegada da internet móvel, com manifestações de artistas, protestos de dissidentes e mobilizações de outros setores da sociedade civil como os defensores dos animais.
Além das complicações que as sanções de Donald Trump trouxeram para a vida diária dos cubanos, o aumento de mercados que operam em dólares, moeda à qual a maioria deles não tem acesso, aumentou a frustração da população.