OBITUÁRIO

Príncipe Philip, 99 anos

A 62 dias do 100º aniversário, o duque de Edimburgo, marido da rainha Elizabeth II, morre no Castelo de Windsor, a oeste de Londres. Pandemia da covid-19 impede funeral público com honras de Estado. Reino Unido prepara homenagens ao consorte

Há uma década, em rara demonstração de afeto em público, a rainha Elizabeth II fez a seguinte afirmação sobre o marido, Philip: “É minha rocha. Tem sido minha força e minha âncora”. Na manhã de ontem, a monarca de 94 anos perdeu sua âncora. O anúncio foi feito pelo Palácio de Buckingham, ao meio-dia (8h em Brasília): “É com profunda tristeza que Sua Majestade, a Rainha, anuncia a morte do amado marido, Sua Alteza Real, o príncipe Philip, Duque de Edimburgo. Sua Alteza Real faleceu pacificamente, esta manhã, no Castelo de Windsor. (…) A Família Real une-se a pessoas de todo o mundo no luto por sua perda”, afirma o comunicado, publicado nas redes sociais e afixado nos portões do Palácio de Buckingham, onde os súditos britânicos depositaram flores em memória do marido de Elizabeth. Todas as bandeiras no Reino Unido foram baixadas a meio mastro. A causa da morte de Philip, que completaria 100 anos em 10 de junho, não foi divulgada. Recentemente, ele tinha se submetido a uma cirurgia cardíaca.
Às 18h de ontem (hora local), os sinos da Abadia de Westminster começaram a tocar 99 vezes — uma alusão aos anos vividos por Philip. Detalhes sobre os funerais do duque de Edimburgo deverão ser anunciados hoje. O Colégio de Armas, responsável pelos protocolos da família real, antecipou que o sepultamento ocorrerá na Capela de São Jorge do Castelo de Windsor, em cerimônia privada e sem honras de Estado. Por conta da pandemia da covid-19, autoridades pediram aos cidadãos que não participem das solenidades. Um livro de condolências foi publicado na internet.
Hoje, o Exército disparará 41 salvas de canhão em locais distintos do Reino Unido e do Gibraltar, e a partir de navios de guerra britânicos. Um tributo ao duque, conhecido por atos de heroísmo durante a Segunda Guerra Mundial. “O príncipe Philip conquistou o afeto de gerações aqui no Reino Unido, em toda a Comunidade de Nações e em todo o mundo”, declarou o primeiro-ministro, Boris Johnson. “Ele foi o mais longevo consorte da história e um dos últimos sobreviventes que serviu ao seu país durante a Segunda Guerra Mundial. (…) Agradecemos, como nação e como reino, pela vida e pelo trabalho extraordinário do príncipe Philip, duque de Edimburgo.”
Em entrevista à emissora BBC, o príncipe Charles — filho de Philip e herdeiro do trono — destacou a “energia surpreendente do pai, ao apoiar a rainha”. O príncipe Harry agradeceu os “serviços” do avô. “Sua ausência será muito sentida”, afirmou, em comunicado assinado com a esposa, Meghan Markle. O casal não revelou se irá ao funeral. Seria o primeiro retorno de Harry ao Reino Unido desde uma entrevista bombástica à estrela da TV americana Oprah Winfrey, no mês passado.
Chefes de Estado e de governo de vários países prestaram condolências. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que o duque de Edimburgo “era um grande homem” e o definiu como um “campeão do meio ambiente”. Os reis Felipe VI e Letizia da Espaha mandaram um telegrama à sua “querida tia Lilibet”, apelido familiar de Elizabeth, enviando as “mais sentidas condolências em nome do governo e do povo espanhol”.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou que o governo e o povo do Brasil “solidarizam-se com a rainha Elizabeth II, sua família e o povo do Reino Unido neste momento de luto dos britânicos”. “O presidente Jair Bolsonaro enviou mensagem de condolências a Sua Majestade.”

Especialistas

Historiadora e autora de Elizabeth: The Queen and the Crown (“Elizabeth: A Rainha e a Coroa”), a britânica Sarah Gristwood admitiu ao Correio que a morte de Philip é uma perda enorme para a rainha, não apenas no âmbito pessoal, mas pelo imenso papel do marido na formação de sua monarquia. “Nos primeiros anos do reinado de Elizabeth II, Philip foi extremamente instrumental em modernizar a família real, colocando-a em uma forma com a qual seria capaz de sobreviver e de prosperar no século 21”, observou. “De certa forma, o seu legado é o sucesso da soberania de sua mulher.”
Bob Morris, diretor da Unidade de Constituição da University College London e coeditor de The role of monarchy in modern democracy (“O papel da monarquia na democracia moderna”), disse à reportagem que Philip esteve no ápice da vida britânica por mais de sete décadas. “Ele foi um consorte leal e sempre solidário da rainha Elizabeth II, enquanto estabelece um espaço importante e pessoalmente original para si na vida pública, muitas vezes fazendo uso de uma linguagem desconfortavelmente direta. Philip mostrou-se crucial ao perceber que a monarquia era sensível às mudanças econômicas e sociais de sua época”, comentou o estudioso londrino.
Ainda segundo Morris, Philip foi um dos pioneiros no ativismo ambiental, e seu legado envolve a modernização da monarquia. “O caráter do apoio de Philip à rainha foi de grande auxílio para a transformação do Império Britânico em uma Comunidade de Nações colegiada. Em 73 anos de casamento, ele conseguiu ser inabalavelmente leal à esposa, mas também mostrou-se capaz de forjar uma posição em que era, sem dúvida, dono de si mesmo.”
O estudioso da University College London explicou que Philip retirou-se da vida pública em 2018. Até então, segundo Morris, o marido de Elizabeth II havia feito 22 mil aparições públicas em apoio à Coroa desde junho de 1953, quando a rainha ascendeu ao trono.
Para Carolina Pavese, professora de relações internacionais da ESPM-SP e doutora pela London School of Economics (LSE), a morte de Philip devolve à tona o debate sobre o futuro da Coroa britânica. “Em 21 de abril, a rainha completará 95 anos, embora esteja bastante ativa. Comenta-se que ela não abdicará do trono e permanecerá no cargo enquanto se mantiver lúcida e disposta. O que se coloca, agora, é a credibilidade da monarquia e o apreço da sociedade britânica pela Coroa”, explicou ao Correio.
Carolina reforça que, enquanto a rainha Elizabeth é bastante carismática, o príncipe Charles não detém as mesmas qualidades da mãe. “Além disso, por ter 72 anos, o reinado de Charles não será tão longevo quanto o de Elizabeth II. Em médio e longo prazos, existe o desafio para a monarquia se manter.”

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Nobre sem papas na língua

De ascendência alemã, Philip nasceu príncipe da Grécia e da Dinamarca, em 10 de junho de 1921, na ilha grega de Corfu. Foi o quinto filho de Alice de Battenberg e Andrew da Grécia. A família fugiu quando ele tinha 18 meses, após a proclamação da república grega, e buscou refúgio em Paris.
O pai era frequentador dos cassinos de Monte Carlo. A mãe, depressiva, entrou para o convento. Philip tinha 10 anos. Deixado com parentes distantes, estudou em colégios na França, Alemanha e Grã-Bretanha até ser enviado a um internato escocês. Ingressou na Marinha Real britânica e participou nos combates durante a Segunda Guerra Mundial no Oceano Índico e no Atlântico. Era um jovem de 18 anos quando conheceu Elizabeth.
Lilibeth, como a chamava a mãe, tinha 13 anos e se apaixonou. Os dois casaram oito anos depois, em 20 de novembro de 1947. Nomeado duque de Edimburgo, ele teve que renunciar aos títulos de nobreza anteriores e à sua religião ortodoxa, convertendo-se à Igreja Anglicana. O temperamento vulcânico levou-o a acumular gafes. “Você conseguiu que não o comesse?”, perguntou a um jovem britânico que viajara a Papua-Nova Guiné em 1998.