Hoje em dia, aos 73 anos, o artista plástico goiano Siron Franco pode rir de algo sempre ouvido pelos outros: pela escolha profissional, morreria de fome; ao passo em que ele sempre respondia — “Eu como pouco”. A declaração do artista, que confessa lembrar mais do que pintou do que daquilo vivenciado, está num dos momentos descontraídos de uma trajetória entre o lúdico — ele protagoniza coreografias em frente a telas, apagando e riscando as imagens criadas — e o trágico, com relatos de pesadelos recorrentes e pesada culpa experimentada, em casa, dadas as crenças fundidas por parentes católicos, evangélicos e espíritas. Inquieto, o espírito liberto de Siron é o que move a narrativa dos cineastas estreantes André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos, à frente do longa Siron. Tempo sobre tela.
No filme, recém-chegado às plataformas de streaming (Now, Belas Artes à la Carte e Looke), Siron, que é elogiado por Ferreira Gullar, por ser “fiel à gente dele”, sem adotar a rota de fuga dos artistas reconhecidos no exterior, conta o processo renovado do fazer artístico, desde a opção por deixar os esboços seriados prévios às telas. Ele revela, ainda, a simplicidade do homem que viu a mãe respeitar tradição do século 17 da caminhada em fogueiras, e o pai, literalmente, ficar cego, pela recusa em testemunhar a violência crescente no mundo. Siron se revela em humor discreto, como o ensinamento paterno para lidar com o relógio: “Quando não tiver a sua sombra, é meio-dia”.
Ambientes sofisticados tocados pela arte de Siron, com peças leiloadas a R$ 60 mil, aparecem no filme, e ele, que espalhou obras por São Paulo (Masp), Nova York (The Met) e Monterrey (no México), admite que, por vezes, não tem dinheiro para reaver obras de sua autoria, por terem ficado muito caras. Por vezes, feita para a comunidade, a arte de Siron, como revela o documentário, enfrenta a intolerância, como no caso dos escombros que restaram do Monumento das Nações Indígenas (em Aparecida de Goiânia). Quase 500 totens dispostos em 10 mil metros quadrados foram dizimados a marretadas no país, em que Siron ressalta: “Até hoje matam índios”.
Descaso
A falta de zelo pela arte de elaborada carpintaria do goiano não desestimulou obras como a instalação Salvai Nossas Almas, em que, há muitos anos, ele expunha a violência contra as mulheres e a valorização de objetos e esculturas — criados entre transes com terra de Goiânia e demais matérias-primas — atreladas ao imaginário do famoso acidente radiológico do césio 137.
Vale ressaltar que, na confecção do longa-metragem, são vitais as imagens do próprio Siron que, desde os 15 anos, lida com registros de câmeras caseiras. Com gestos inesperados, às vezes, Siron sublinha a qualidade de uma “memória atávica”, com impulsos como o de morder a câmera, ignorar valores sociais (“e fazer o que o coração pede”) e se dizer movido, nas criações, por uma espécie de energia “da exaustão”.