O presidente Recep Tayyip Erdogan retirou, neste sábado (20/3), a Turquia de um tratado internacional emblemático que tenta combater a violência contra as mulheres, uma decisão que indignou e decepcionou dentro e fora do país, onde a violência sexista está aumentando.
A retirada da Turquia da Convenção de Istambul é uma "notícia devastadora" e "põe em causa a proteção das mulheres" neste país, lamentou o Conselho da Europa, instituição da qual Ancara é membro e no âmbito da qual assinou este tratado em 2011.
A decisão de abandonar este tratado, o primeiro instrumento supranacional que estabelece normas obrigatórias para prevenir a violência contra as mulheres em trinta países, foi anunciada em um decreto presidencial publicado durante a madrugada.
Assim que foi divulgado, organizações de defesa dos direitos das mulheres convocaram manifestações para este sábado no país, onde o feminicídio vem crescendo há uma década.
Com este decreto, Erdogan cede às pressões de grupos conservadores e islâmicos, que alegam que os termos da Convenção violam os valores familiares "tradicionais", ao defender a igualdade entre os sexos, e favorecem a comunidade LGTB, uma vez que pede que as pessoas não sejam discriminadas por sua orientação sexual.
O presidente turco já havia mencionado a possibilidade de se retirar desse tratado no ano passado, na tentativa de conquistar o apoio de eleitores mais conservadores em um momento de crescentes dificuldades econômicas.
Desde então, as mulheres têm protestado em Istambul e outras cidades, pedindo ao governo que aplique este tratado vinculativo.
Os críticos do presidente turco condenaram imediatamente a retirada da Turquia.
"Anunciar, no meio da noite, a retirada da Turquia da Convenção de Istambul, quando violência é cometida contra mulheres todos os dias, nos enche de amargura", disse o prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, um dos principais rivais do chefe de Estado.
É uma decisão que "atropela a luta que as mulheres travam há anos", acrescentou.
Gokce Gokcen, vice-presidente do partido social-democrata CHP (oposição), encarregada dos direitos humanos, tuitou que abandonar essa convenção significa "deixar as mulheres serem mortas".
"Apesar de vocês e de sua maldade, continuaremos vivas e ressuscitaremos o acordo", escreveu no Twitter.
A Convenção de Istambul obriga os governos a adotarem leis que punem a violência doméstica e abusos semelhantes, incluindo estupro conjugal e mutilação genital feminina.
Diante da avalanche de críticas, o governo tentou assegurar seu compromisso com a luta contra a violência de gênero.
"Vamos avançar na luta contra a violência, com um princípio: 'tolerância zero'", disse a ministra responsável pela Família, Zehra Zumrut Selcuk, citada pela agência de notícias estatal Anadolu.
Os assassinatos de mulheres e a violência sexista são um mal crônico na Turquia.
Em 2020, 300 mulheres morreram nas mãos de seus companheiros ou ex-companheiros, segundo a associação "Vamos acabar com o feminicídio".
Esta organização é uma das que organizaram manifestações em Istambul neste sábado.
"Abandonem esta decisão, apliquem a Convenção", pediu no Twitter Fidan Ataselim, secretária-geral desta associação.
No início de março, houve uma comoção no país devido à publicação de um vídeo que mostrava um homem espancando sua ex-mulher no meio da rua, na presença da filha.
O agressor foi preso e Erdogan anunciou a criação de uma comissão parlamentar para analisar a legislação em vigor e os meios de combate a esse tipo de violência.
Mas as associações de defesa dos direitos das mulheres acusam o governo de não aplicar a lei com firmeza e consideram que o sentimento de impunidade que prevalece protege os crimes.