CRISE NA REALEZA

Um 'bombardeio' sobre Buckingham

Analistas e especialistas na monarquia britânica classificam o teor da entrevista concedida pelos duques de Sussex como devastador para a Coroa, acusada de racismo contra o filho do casal e de indiferença ante a tendência suicida de Meghan

Como era esperado, o Palácio de Buckingham silenciou diante da explosiva entrevista concedida pelo príncipe Harry e sua mulher, Meghan Markle, veiculada domingo à noite nos Estados Unidos e ontem no Reino Unido. Especialistas na monarquia britânica, entretanto, classificaram como devastador o teor das declarações dos duques de Sussex, da mesma forma que parte da imprensa londrina estimou danos potenciais à Coroa, fortemente cobrada a apresentar uma manifestação.

Ao repercutir a conversa de Harry e Meghan com a apresentadora americana Oprah Winfrey, o canal ITV, que retransmitiu o programa para os britânicos, utilizou uma metáfora militar: “O casal, efetivamente, carregou um bombardeiro B-52, voou sobre o Palácio de Buckingham e depois descarregou seu arsenal bem acima dele.”

O jornal conservador Daily Telegraph se valeu da mesma linguagem figurada, assinalando que a família real precisa de um “colete à prova de balas” diante de uma entrevista que contém “bombas suficientes para afundar uma flotilha”. E enfatizou: “É justo dizer que essa entrevista de duas horas sem concessões é o pior cenário para aqueles que o casal não deixou de se referir como “a empresa” (The Firm, como a monarquia é chamada ).”

O casal, que deixou a Inglaterra em março do ano passado, após renunciar à monarquia, falou com Winfrey por quase duas horas. Meghan afirmou ter sido alvo de uma “campanha de desprestígio” por parte da família real, que a levou a pensar em suicídio. Harry, por sua vez, declarou estar “realmente decepcionado” com a falta de apoio do pai, o príncipe Charles.

A cor da pele

Num dos momentos mais relevantes da entrevista, Meghan, 39 anos, afro-americana, disse que a família do marido estava apreensiva com o “quão escura” seria a pele de seu filho, Archie, nascido em 6 de maio de 2019. “Nos meses em que estava grávida (...) tivemos uma série de conversas sobre que ele não receberia segurança, ele não teria um título e também preocupações e conversas sobre o quão escura seria sua pele quando nascesse”, disse a ex-atriz de Hollywood.

Apesar das fortes declarações, Meghan não apontou nominalmente membros da monarquia. Harry, de 36 anos, quis deixar claro que a “preocupação” em relação a Archie não partiu de sua avó, a rainha Elizabeth II, de 94 anos, ou seu avô, o príncipe Philip, 99, atualmente hospitalizado após uma cirurgia no coração, segundo explicou, ontem, Oprah Winfrey.

Essa questão desencadeou uma chuva de reações, incluindo o porta-voz do primeiro-ministro Boris Johnson, para quem “não há lugar para o racismo na sociedade”. Depois, o próprio premiê se limitou a dizer que “sempre sentiu a maior admiração pela rainha”, recusando-se a fazer comentários sobre a entrevista. “Passei muito tempo sem comentar sobre assuntos da família real e não pretendo mudar isso hoje”, esquivou-se.

Em outro momento, Meghan destacou que o Palácio de Buckingham se negou a conceder proteção à criança, apesar da tradição, e revelou que teve pensamentos suicidas na época. “Eu não queria mais estar viva”, declarou. Ela assinalou que, quando informou à família real que precisava de ajuda profissional, recebeu como resposta que “não poderia, que não seria bom para a instituição”.

O duque de Sussex disse ter ficado “realmente decepcionado” com a falta de apoio do pai diante de toda a situação, sobretudo porque Charles, o primeiro na linha sucessória ao trono, passou por algo similar. “Ele sabe como se sente a dor”, desabafou. “Minha maior preocupação era que a história se repetisse”, frisou o príncipe, em referência à separação de seus pais e ao trágico destino da mãe, a princesa Diana, que morreu em 1997 em um acidente de trânsito em Paris, quando tentava escapar dos paparazzi.

Harry disse, de qualquer forma, que sempre amará o pai e o irmão, o príncipe William, que, enfatizou, estão “presos” às convenções da monarquia. “Não podem sair. E tenho grande compaixão por isso”, observou. Disse ainda que ele e Meghan fizeram “todo o possível” para permanecer na família real. “Fico triste com o que aconteceu, mas me sinto confortável sabendo que fizemos tudo o que podíamos para que funcionasse”, admitiu.

Menina

Em outros momentos de destaque da entrevista, Meghan revelou ter se casado com Harry três dias antes da cerimônia oficial e que o segundo filho que o casal espera é uma menina. Ela disse ainda que, ao contrário do que informou a imprensa britânica, não foi ela que fez Kate, duquesa da Cambridge, chorar, e sim o contrário durante um incidente antes de seu casamento. A mulher de William pediu-lhe desculpas pouco depois.

A duquesa encerrou a entrevista com um olhar de esperança para o futuro. Ao ser perguntada se a sua história tem um final feliz, respondeu: “Tem, melhor que o de qualquer conto de fadas que vocês já leram.”

Ainda no domingo, horas antes da exibição do programa nos EUA, a monarquia tentou passar a imagem de uma família unida durante as comemorações anuais da Commonwealth. Em um discurso pré-gravado, a rainha destacou a importância da “dedicação desinteressada e o senso de dever” demonstrado pelos profissionais da saúde durante a pandemia, algo que muitos interpretaram como uma crítica ao casal Harry e Meghan.

De acordo com uma fonte próxima à monarca, citada pelo jornal Sunday Times, Elizaheth II não assistiria a entrevista e deve estar mais presente na imprensa na próxima semana para demonstrar que a monarquia “concentra-se em temas importantes”.

Depois de confirmar à rainha a saída definitiva da família real, no mês passado, os duques de Sussex perderam seus últimos títulos oficiais e repasses financeiros. Longe de Londres, Meghan e Harry criaram a fundação Archewell e assinaram contratos para a produção de programas para a Netflix por US$ 100 milhões, segundo a imprensa americana, assim como podcasts para o Spotify.

Além disso, o casal tem uma parceria com a plataforma Apple TV + em colaboração com Oprah Winfrey, que, segundo o The Wall Street Journal, vendeu a entrevista por entre US$ 7 milhões e US$ 9 milhões para a CBS, mantendo os direitos internacionais.

 

"Nos meses em que estava grávida (...) tivemos uma série de conversas sobre que ele (Archie) não receberia segurança, ele não teria um título e também preocupações e conversas sobre o quão escura seria sua pele quando nascesse”

Meghan Markle, duquesa de Sussex