No segundo dia de viagem ao Iraque, o papa Francisco teve um dos compromissos mais aguardados de sua ambiciosa programação, marcado por forte simbolismo. Na cidade sagrada de Najaf, o pontífice foi recebido pelo grande aiatolá Ali al-Sistani, por quase uma hora, a portas fechadas. Na conversa, o influente clérigo muçulmano xiita — dentro e fora do Iraque — declarou ao líder da Igreja Católica compromisso com a paz, a segurança e todos os direitos constitucionais aos cristãos do Iraque.
O encontro entre Francisco e o grande aiatolá é um acontecimento para o país, e o primeiro-ministro Moustafa al-Kazimi declarou 6 de março o Dia Nacional da Tolerância e Coexistência. A comunidade cristã do país, uma das mais antigas do mundo, encolheu nas duas últimas décadas, passando de 1,5 milhão para cerca de 400 mil, em decorrência da violência e da pobreza endêmica.
No país onde mais de 95% da população é muçulmana, os cristãos queixam-se de falta de apoio do Estado perante milicianos e de políticos que, denunciam, tomam suas casas e terras. Também afirmam ter menos acesso ao emprego.
Após a passagem por Najaf, Francisco deu início ao ponto alto espiritual de sua jornada na inédita visita de um papa ao país: a peregrinação a Ur, cidade natal de Abraão, para rezar por “liberdade e unidade”, a fim de pôr fim às guerras e ao terrorismo. Era esse local, na planície desértica onde nasceu o pai do monoteísmo, que João Paulo II quis visitar em 2000, antes de ser impedido por Saddam Hussein.
O papa, de 84 anos, imprimiu seu toque à visita, insistindo em rezar com dignitários yazidis, uma pequena minoria do Iraque martirizada pelos extremistas do grupo Estado Islâmico (EI), mas também com sabeus e zoroastristas — comunidades milenares no país — e muçulmanos, tanto xiitas quanto sunitas. No evento inter-religioso, Francisco falou sobre o sofrimento pelo qual passa o povo iraquiano.
“Deste lugar, onde nasceu a fé, da terra de nosso pai Abraão, vamos afirmar que Deus é misericordioso e que a maior blasfêmia é profanar seu nome odiando nossos irmãos e irmãs”, enfatizou, acrescentando: “Hostilidade, extremismo e violência não nascem de um coração religioso: são traições da religião. Nós, fiéis, não podemos ficar calados quando o terrorismo abusa da religião.”
Missa
À noite, houve o tão esperado encontro com os católicos. Na Igreja de São José, no centro de Bagdá, o papa celebrou sua primeira missa em público, de longe, o exercício que ele prefere. Diante de um número pequeno de pessoas, devido ao coronavírus, o pontífice rezou sua primeira missa de rito oriental, iniciada sob ululações e traduzida para o árabe e o aramaico.
No bairro central de Karrada, onde está localizada a Igreja de São José, a segurança foi reforçada. Blocos de concreto bloquearam as ruas, tomadas por forças especiais.