A Uber concederá aos seus motoristas no Reino Unido o status de trabalhadores, com salário mínimo e férias remuneradas, algo inédito no mundo para a empresa e uma guinada de 180º no modelo das plataformas digitais britânicas.
A gigante americana de reservas de carros com motoristas anunciou nesta terça-feira (16/3), em um comunicado que, devido a uma decisão judicial, a partir da quarta-feira, "mais de 70 mil motoristas no Reino Unido serão tratados como trabalhadores, recebendo ao menos o salário mínimo nacional quando dirigirem para a Uber".
A decisão encerra uma prolongada batalha legal entre motoristas no Reino Unido e a empresa do Vale do Silício.
Trata-se de uma mudança profunda de postura da Uber, cujos motoristas eram até então autônomos.
A plataforma agiu rapidamente após lançar uma ampla consulta com seus motoristas e apenas um mês após uma derrota retumbante perante a Suprema Corte britânica, que decidiu em 19 de fevereiro que os motoristas podem ser considerados "trabalhadores" e, portanto, receber os benefícios sociais correspondentes.
O tribunal decidiu a favor de um grupo de cerca de 20 motoristas que reivindicaram essa condição pelo tempo que passam conectados ao aplicativo e pelo controle que a empresa exerce sobre eles, por exemplo, por meio de avaliações.
A lei britânica distingue o estatuto de "trabalhadores", que podem receber um salário mínimo e outros benefícios, do estatuto de "funcionários" em sentido estrito, que têm um contrato de trabalho adequado.
A partir de agora, os motoristas de Uber no Reino Unido receberão pelo menos o salário mínimo, terão direito a férias remuneradas e a um plano de pensões para o qual a empresa contribuirá.
O salário mínimo é de 8,72 libras (US$ 12,12) por hora no Reino Unido e deve subir para 8,91 libras em abril.
Um motorista de Uber ganha, em média, mais do que isso, 17 libras por hora em Londres e 14 libras por hora no resto do país.
No tribunal, a empresa se defendeu afirmando que todos os seus motoristas desejam usufruir dessas vantagens, mas também querem manter a flexibilidade das condições de trabalho.
Esses benefícios se somam aos já existentes, como acesso gratuito a seguro de saúde e indenização por licença parental.
"Este é um dia importante para os motoristas do Reino Unido", disse Jamie Heywood, chefe do Uber para o Norte e Leste da Europa.
“A Uber é apenas uma parte do setor de reserva de veículos e esperamos que outras empresas se juntem a nós na melhoria das condições de trabalho desses trabalhadores, que são essenciais para o nosso dia a dia”, acrescentou.
Aumento das tarifas
"Isso põe fim a quase uma década de táticas de intimidação de empresas de transporte compartilhado como a Uber e mostra claramente que a Uber pode escolher sempre cadastrar adequadamente seus motoristas e pagar a eles um salário decente com boas vantagens", afirmou Mary Kay Henry, presidente do Sindicato Internacional dos Trabalhadores em Serviços, questionada pela AFP.
A Uber não especificou o custo da implementação dessas medidas, mas estes valores, que devem ser consideráveis, pesarão um pouco mais nas frágeis finanças de uma empresa que ainda não é lucrativa e atravessa um momento ruim devido às restrições contra a pandemia.
A empresa terá que absorver parte dos custos, pois dificilmente poderá se permitir um aumento gritante de suas tarifas, principalmente em Londres, onde a concorrência é acirrada.
Mas, ao conceder status de trabalhador aos motoristas, a empresa evita longos processos nos tribunais britânicos, pois a decisão da Suprema Corte permitiria que os motoristas acionassem a justiça para obter os direitos que a Uber acaba de conceder-lhes.
Por enquanto, a Uber está dando esse passo somente no Reino Unido e vai estudar mercado a mercado como pode fazer evoluir seu modelo.
O CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, apresentou em fevereiro uma série de propostas a governos e sindicatos na Europa com o objetivo de garantir uma remuneração transparente e justa para os motoristas.
A abordagem da Uber "evoluiu" com o tempo, observou Khosrowshahi no jornal Evening Standard nesta terça-feira. A empresa aceitou que a operação de suas plataformas pode "variar de um país para outro".
O ideal para a Uber seria poder replicar na Europa o que propõe na Califórnia, ou seja, motoristas autônomos, mas que recebem compensações.
Resta saber se o anúncio da Uber pode ter consequências para outras plataformas digitais no Reino Unido que são símbolos da economia "gig", ou seja, de empregos precários e mal pagos.
Os entregadores do Deliveroo aguardam a decisão do Tribunal de Apelação de Londres para saber se podem se beneficiar de um acordo coletivo para ter melhores condições de trabalho.
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