No dia seguinte à conversa telefônica entre o presidente Joe Biden e o rei Salman, da Arábia Saudita, os Estados Unidos suspenderam, ontem, o sigilo de um relatório explosivo sobre o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, morto em 2018. Resultado de investigações realizadas pela Inteligência norte-americana, o documento sustenta que o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman aprovou uma operação para “capturar ou matar” Khashoggi, ferrenho crítico do reino.
O relatório, de dois anos atrás, foi divulgado de forma parcial pelo governo do presidente Joe Biden. De acordo com o informe, dada a influência do príncipe-herdeiro, governante de fato da Arábia Saudita, é “altamente improvável” que o assassinato do jornalista acontecesse sem que ele desse sinal verde. “O príncipe-herdeiro vê Khashoggi como uma ameaça para o reino e, em termos gerais, apoiou o uso de medidas violentas para silenciá-lo”, destacou o documento.
O governo saudita repudiou o desfecho das investigações norte-americanas, classificando as conclusões de “incorretas”. Por meio de uma nota, que reconhece o assassinato de Khashoggi como um “crime hediondo”, o reino enfatizou que o relatório não pode ser admitido “de forma alguma”. O comunicado enfatiza, de todo o modo, que o reino mantém uma “forte e sólida” parceria com os EUA, que deve ser aquecida para a “estabilidade na região e no mundo”.
Sanções
Após a suspensão do sigilo do documento, os Estados Unidos anunciaram sanções contra 76 sauditas relacionados com a morte de Khashoggi e anunciou que proibirá a entrada ao país de pessoas que ameaçarem dissidentes em seus países de origem. Segundo o jornal The New York Times Biden decidiu não impor qualquer sanção diretamente ao príncipe herdeiro.
“Deixamos claro que as ameaças extraterritoriais e os ataques da Arábia Saudita contra ativistas, dissidentes e jornalistas têm que terminar. Não serão tolerados pelos Estados Unidos”, advertiu o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, em um comunicado.
Apesar das medidas, o secretário de Estado enfatizou que Washington almeja uma mudança, mas não busca um rompimento das relações com a Arábia Saudita. “O que fizemos, mediante as ações que tomamos, não é uma ruptura da relação, procuramos recalibrá-la para que esteja mais alinhada aos nossos interesses e nossos valores”, disse Blinken, em uma coletiva de imprensa.
Khashoggi se radicou nos Estados Unidos, onde era colaborador do jornal The Washington Post, após cair em desgraça com o príncipe saudita. Em outubro de 2018, ele foi visto, pela última vez, ao entrar no consulado saudita em Istambul com o objetivo de solicitar uma certidão para se casar com sua noiva.
Segundo as autoridades turcas, ele foi assassinado na própria sede diplomática em 2 de outubro por um esquadrão de 15 sauditas que primeiro o estrangularam e depois esquartejaram seu corpo. Os restos mortais do jornalista nunca foram encontrados.
O crime indignou a comunidade internacional e Riad apontou 26 suspeitos de envolvimento na execução de Khashoggi. Onze foram levados ao banco dos réus, dos quais cinco receberam sentenças de morte e três tiveram condenações a penas de prisão que chegavam a 24 anos. Outros três foram absolvidos, entre eles Saud al Qahtani, conselheiro do príncipe herdeiro, e o número dois do serviço de inteligência, o general Ahmed al Assiri — os principais acusados.
Em setembro do ano passado, um tribunal saudita converteu as cinco penas de morte em penas de até 20 anos de prisão. As condenações dos outros três réus caíram para o máximo de 10 anos de reclusão. Em maio, os filhos de Khashoggi foram recebidos por bin Salman. Na época, eles afirmam que “perdoavam” os assassinos do pai. Eles já haviam sido recebidos no palácio real pelo rei e pelo príncipe herdeiro três semanas após o assassinato do pai.
Direitos humanos
Na conversa de quinta-feira, Biden reforçou o compromisso em “ajudar a Arábia Saudita a defender seu território dos ataques de grupos aliados ao Irã”, mas também destacou a “importância que os Estados Unidos dão aos direitos humanos e ao Estado de Direito”, segundo informações da Casa Branca.
“O presidente destacou positivamente a libertação recente de vários ativistas saudita-americanos e de Loujain al Hathloul”, detalhou o comunicado, em referência à militante feminista, que passou três anos na prisão.
Biden e o rei também discutiram os esforços dos Estados Unidos para “pôr fim à guerra no Iêmen”, depois de Biden suspender o apoio que Washington deu à coalizão militar encabeçada por Riade.
A expectativa é que o democrata revise “por completo” a relação com Riad para se assegurar que os sauditas “promovam os interesses do povo americano e para se assegurar que reflitam seus valores”. Antes mesmo da divulgação do relatório, o novo governo havia antecipado que vai “recalibrar” oe entendimentos com os sauditas e que seu interlocutor será o rei Salman e não o herdeiro.