Principal opositor de Vladimir Putin, Alexei Navalny, 44 anos, amargou ontem duas derrotas judiciais e, devido às condenações, pode passar os próximos anos em um campo de trabalho forçado no interior da Rússia. O ativista teve negado o pedido de recurso contra a sua prisão — realizada, em 17 de janeiro, quando voltava da Alemanha após ser tratado de um envenenamento que quase lhe custou a vida e cuja mentoria atribui ao governo russo. Na segunda audiência, Navalny foi penalizado por ter divulgado um vídeo considerado difamatório. As decisões da Justiça foram tomadas em meio a uma pressão internacional para a libertação do opositor, sob a alegação de que ele corre risco de morte no país.
Navalny foi detido no mês passado, assim que desembarcou em um aeroporto de Moscou, e, no último dia 2, foi condenado a dois anos e oito meses de prisão. Sua defesa entrou com um recurso contra a decisão da Justiça, mas, ontem, não obteve o sucesso esperado. O juiz, porém, reduziu a pena em um mês e meio, argumentando que levou em consideração o tempo que o líder opositor ficou em prisão domiciliar. Com isso, o adversário do governo russo terá que cumprir pena de cerca de dois anos e meio.
A Justiça transformou uma sentença por fraude, que remonta a 2014 e que Navalny poderia cumprir em liberdade, em uma sentença com cumprimento de pena na prisão. A alegação é de que o ativista violou o controle judicial durante seu período de recuperação na Alemanha. A viagem ao país europeu se deu logo após o envenenamento pelo agente químico novichok, uma substância neurotóxica muito usada pelo Kremlin contra dissidentes.
Ao juiz Navalny rejeitou a condenação e assegurou que sua intenção ao ir para a Alemanha não era se livrar das autoridades russas, às quais, inclusive, advertiu sobre o seu retorno ao país. “Comprei uma passagem e disse a todo mundo que voltaria para casa. Isso é um absurdo”, disse. O promotor respondeu que o réu infringiu a lei “abertamente” e que se comportava como se estivesse acima das normas. “Nosso país se apoia na injustiça”, declarou Navalny, após ouvir a sentença. Antes, citou um trecho da Bíblia: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão satisfeitos”.
O ativista também mencionou uma passagem de Harry Potter sobre a “importância de não se sentir sozinho”, porque, segundo ele, é isso que Voldemort, o inimigo do famoso bruxo, gostaria. Navalny manteve o tom provocador na segunda audiência. “Por que estão tão tristes?”, perguntou, dizendo que havia tentado fazer sorvete no centro de detenção e também que havia preparado picles. Nesse processo, ele foi condenado a pagar uma multa de 850 mil rublos (cerca de US$ 11.500) por ter “difamado” um veterano da Segunda Guerra Mundial em um vídeo. Em audiências anteriores, Navalny denunciou que os tribunais estavam manipulando o homem de 94 anos para reprimir um adversário.
Pressão
As duas audiências aconteceram depois que a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) exigiu, na semana passada, a libertação do militante, alegando que há risco para a vida dele. Moscou rejeitou o pedido, como já havia feito em relação aos da União Europeia (UE), apesar da ameaça de novas sanções. O governo russo vê a situação como uma
“interferência” em seus assuntos domésticos e alertou que pode retaliar os europeus. Ontem, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que as sentenças não mudarão o cenário político “rico e plural” da Rússia. Um advogado do opositor, por sua vez, indicou que recorrerá das decisões.
Há a possibilidade de que Navalny seja transferido para um campo de trabalho forçado no interior do país. A informação foi confirmada por Uliana Solopova, porta-voz do tribunal de Moscou, na sexta-feira, à agência France-Presse de notícias (AFP). Uma herança da extinta União Soviética, esses campos prisionais estão localizados, em muitos casos, em regiões remotas. Os detentos cumprem obrigatoriamente um regime de trabalho obrigatório em oficinas de costura ou de fabricação de móveis. As condições de detenção costumam ser alvo de denúncias frequentes de defensores dos direitos humanos.