Encontro marcado para o aniversário
Terá sido mera coincidência, mas está agendado inicialmente para 22 de abril, data em que o Brasil marca a chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral, o encontro de cúpula organizado por Joe Biden para discutir com seus pares as mudanças climáticas. Assim, bem no Dia do Descobrimento — como foi batizada a efeméride —, o presidente Jair Bolsonaro poderá ter a primeira oportunidade de contracenar com o colega americano, com quem se comunicou pela primeira vez, oficialmente, no dia em que Biden tomou posse na Casa Branca.
O convite não causa surpresa e foi formalizado na semana que se encerra, em telefonema entre o chanceler Ernesto Araújo e o secretário de Estado Antony Blinken. Foi o primeiro contato direto entre os dois nas três semanas passadas desde a transição nos EUA. A conversa, descrita por ambas as partes na linguagem clássica dos comunicados diplomáticos, foi resposta de Washington ao movimento assumido pelo Planalto e pelo Itamaraty diante da realidade incontornável da despedida de Donald Trump — a cuja administração o governo brasileiro atrelou a relação bilateral com os EUA, definida como preferencial na política externa de Bolsonaro e Araújo.
Rola clima?
Com a organização da cúpula de abril, a Casa Branca dá expressão concreta a uma das primeiras decisões oficializadas pelo novo presidente: o retorno dos EUA ao Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, firmado por Barack Obama, mas denunciado por Trump. No centro da pauta do encontro devem estar os compromissos que cada governo assumiu na redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, entre outros elementos do tratado.
O governo Bolsonaro não chegou a retirar o Brasil do acordo, mas mudou visivelmente o tratamento de uma das questões mais agudas na agenda ambiental do país. A disparada dos registros de desmatamentos, queimadas e incêndios, em particular na Amazônia, não passou despercebida. Mereceu a única menção de Biden ao Brasil durante a campanha, em debate com Trump — uma declaração rebatida em tom ácido pelo Planalto.
À francesa
O novo colega americano não será o único com quem Bolsonaro terá de buscar entendimentos no terreno das mudanças climáticas. No primeiro ano de mandato, o presidente brasileiro protagonizou um incidente rumoroso ao postar nas redes sociais declarações ofensivas à primeira-dama francesa. Emmanuel Macron, patrono do Acordo de Paris, não escondeu o contragosto. Hoje, em dobradinha com a chanceler (chefe de governo) da Alemanha, Angela Merkel, ele encabeça na União Europeia a posição que condiciona a ratificação do acordo comercial com o Mercosul a medidas concretas e verificáveis para a preservação da Amazônia.
Pela janela
A vizinhança imediata na América do Sul, por sinal, se desenha como outro foco obrigatório de atenção para o governo brasileiro. A segunda metade do mandato começa com indícios de um realinhamento político de substância. Depois de ter retornado ao poder na Bolívia, com Lucho Arce, a esquerda nacionalista entra com grande vantagem no segundo turno da disputa presidencial no Equador.
O Chile, onde o direitista Sebastián Piñera balançou com uma quase insurreição popular, no fim de 2019, terá em abril a eleição de uma assembleia com mandato exclusivo para redigir uma nova Constituição — e enterrar, de vez, a Carta legada pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Em novembro, os eleitores voltarão às urnas para escolher o sucessor de Piñera. O cenário é ainda incerto, mas pesquisas iniciais destacam entre os candidatos o comunista Daniel Jadue.
Com a Argentina governada pelo peronista Alberto Fernández, cuja vice é a ex-presidente Cristina Kirchner, a balança política do subcontinente volta a se equilibrar, depois de ter pendido acentuadamente para a direita no período que cercou a vitória de Bolsonaro no Brasil.
Roque
Na onda da popularidade reconquistada pelo xadrez, graças ao sucesso da série O gambito da rainha, o presidente indica que poderá usar o roque para defender uma das peças que, até aqui, trata como estratégica do seu lado do tabuleiro político. Assim como enxadrista que coloca o rei sob a proteção da torre, Bolsonaro trata de blindar o titular do Itamaraty.
Afinado com a dita “ala ideológica” do governo, associada ao ideário do “guru” Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo está sob ataque desde os primeiros dias à frente da diplomacia. Agora, aos opositores de sempre, somam-se os congressistas do Centrão, que saíram fortalecidos da eleição das novas mesas da Câmara e do Senado. As dificuldades do país na corrida mundial pelas vacinas contra a covid-19 se ofereceram como flanco aberto para o bombardeio. Mas Bolsonaro, embora deixe entreaberta a possibilidade de mudanças na equipe, mantém o chanceler na condição de intocável.