Os nove deputados democratas transformados em promotores no julgamento político de Donald Trump encerraram, ontem, sua participação com um alerta aos 100 senadores: se o ex-presidente dos Estados Unidos for absolvido, tornará a incitar mais violência. Durante sua argumentação, eles classificaram o magnata republicano como um perigo à democacia norte-americana e o acusaram de ter “acendido o pavio” — uma alusão ao papel de Trump na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro, quando cinco pessoas morreram. “Nós humildemente pedimos a vocês que condenem o presidente Trump pelo crime pelo qual ele é esmagadoramente culpado. Porque, se não o fizerem, se fingirem que isso não ocorreu, ou pior, se deixarem isso sem resposta, quem vai dizer que não acontecerá novamente?”, indagou o deputado democrata Joe Neguse, um dos promotores. Hoje, será a vez de os advogados de Trump exporem suas alegações e tentarem convencer os senadores sobre a inocência de seu cliente. Eles esperam finalizar o trabalho ainda nesta sexta-feira.
Horas depois de chamar Trump de “incitador chefe” do ataque ao Congresso, o também promotor Jamie Raskin fez um apelo aos colegas congressistas da Câmara Alta. “Senadores, América, nós precisamos exercitar nosso senso comum sobre o que ocorreu. Não nos deixemos envolver por teorias bizarras de advogados. Exercitem o bom senso sobre o que acabou de acontecer em nosso país”, declarou. “Esta insurreição pró-Trump não surgiu do nada. (…) Se ele voltar ao cargo e isso acontecer novamente, não teremos ninguém para culpar a não ser a nós mesmos.”
Para os promotores, Trump foi egoísta e colocou teorias conspiratórias acima do bem-estar dos norte-americanos. Novas gravações das câmeras de segurança foram exibidas no plenário do Senado, na tentativa de comprovar o envolvimento direto do ex-presidente na insurreição.
O atual presidente dos EUA, Joe Biden, declarou que as “angustiantes” evidências em vídeo apresentadas ao Senado podem “mudar algumas mentes” — referência aos simpatizantes do antecessor. Uma condenação é considerada pouco provável, pois exigiria que 17 senadores republicanos se alinhassem aos democratas e votassem contra Trump. É preciso uma maioria de dois terços para a condenação, ou 67 votos. Os democrata mantêm o controle de 50 cadeiras na Câmara Alta.
Clareza
Em entrevista ao Correio, James Naylor Green, historiador político da Brown University (em Rhode Island), admitiu que os promotores provaram seus argumentos com clareza. “Por quatro anos, desde o início da campanha eleitoral de 2016, Trump incitou seus simpatizantes à violência, seja contra pessoas que protestaram contra a candidatura do ex-presidente, seja por sua declaração de que pró-nazistas e pró-fascistas eram ‘gente boa’. Ele chamou seus apoiadores a Washington, em 6 de janeiro, para impedir a oficialização dos resultados do Colégio Eleitoral, mas não conseguiu impedir-lhes de invadirem o Capitólio, de ameaçarem linchar o vice-presidente (Mike Pence) e matar democratas importantes.”
Green acredita que um ou dois senadores republicanos se unam aos cinco ou seis inclinados a votar pela condenação. “Parece improvável que 17 senadores repulicanos se juntem aos 50 democratas. Se Trump não fora condenado, isso abrirá um precedente muito perigoso para a democracia nos EUA e capacitará outros republicanos conservadores a incitarem a violência de extrema-direita. Também dará poder a Trump para continuar a influenciar o Partido Republicano e a política, e a mobilizar supremacistas brancos para mais violência.”
Jonathan Turley, professor de direito de interesse público pela Universidade George Washington, disse ao Correio que a maioria dos norte-americanos crê que Trump seja responsável pelo motim. “A questão é se isso significa ‘incitamento à insurreição’. A Câmara dos Deputados escolheu a acusação mais extrema e tornou difícil a alguns senadores apoiarem a condenação. Também falhou em convocar testemunhas antes ou depois do impeachment, a fim de apoiar a acusação. A evidência foi mais emotiva do que probatória”, comentou.
» Antony Blinken e Ernesto Araújo dialogam por telefone
Em comunicado à imprensa, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, anunciou que o secretário de Estado, Antony J. Blinken (E), conversou, ontem, com o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo (D). “O secretário (Blinken) e o ministro (Araújo) reafirmaram a importância de uma parceria produtiva entre os Estados Unidos e o Brasil. Eles expressaram seu compromisso de combater a pandemia da covid-19 e as mudanças climáticas, bem como aumentar a cooperação regional, apoiar a conservação ambiental e promover os direitos humanos”, explicou Price. “Os dois líderes discutiram a importância de trabalhar juntos para promover a prosperidade, a segurança e os valores democráticos em todo o nosso hemisfério compartilhado”, acrescentou o comunicado. Foi a primeira aproximação em alto nível entre Washington e Brasília nos respectivos governos de Joe Biden e de Jair Bolsonaro.
» Curtas
Longa conversa com Xi Jinping teve tom de enfrentamento
Na noite de quarta-feira, o presidente norte-americano, Joe Biden, conversou pela primeira vez com o colega chinês, Xi Jinping (foto), desde a posse, em 20 de janeiro. O democrata parabenizou a China pelo Ano-Novo Lunar e afirmou que as prioridades de seu governo incluem a proteção da segurança dos norte-americanos, a prosperidade e a saúde, além da preservação de um Indo-Pacífico livre e aberto. No entanto, o telefonema de duas horas também teve um tom de confrontação. De acordo com a Casa Branca, Biden destacou suas “preocupações fundamentais sobre as práticas econômicas injustas e coercitivas de Pequim, a repressão em Hong Kong, os abusos de direitos humanos na província de Xinjiang e as ações cada vez mais assertivas da China na região”, ao citar Taiwan. Os dois líderes também compartilharam suas visões sobre desafios em segurança sanitária global, mudanças climáticas e armas de destruição em massa. “Na noite passada falei por telefone durante duas horas seguidas com Xi Jinping. (…) Se não fizermos nada, vão nos esmagar”, afirmou Trump a jornalistas, ontem.
Estado de saúde do ex-líder republicano foi omitido
O então presidente Donald Trump (foto) esteve mais doente do que foi divulgado, em outubro, depois de ser infectado com a covid-19 e hospitalizado em Maryland. Segundo o jornal The New York Times, o republicano teve níveis extremamente baixos de oxigênio no sangue e um problema pulmonar associado à pneumonia provocada pelo coronavírus. A publicação cita quatro pessoas familiarizadas com a doença de Trump. O prognóstico do republicano foi tão preocupante que autoridades acreditavam que seria necessário intubá-lo. Os níveis de saturação baixaram a 80, enquanto os números abaixo de 90 sugerem um quadro grave da covid-19.
Fim de financiamento do muro na fronteira com o México
O presidente Joe Biden enviou, ontem, carta à líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, por meio da qual afirma que a declaração de emergência nacional na fronteira sul (com o México) foi “injustificada”. “Eu também anunciei que será política de meu governo que não haja mais desvios de dólares de contribuintes americanos para a construção de um muro na fronteira, e que estou ordenando uma revisão cuidadosa de todos os recursos apropriados ou redirecionados para esse fim”, acrescenta. O ex-presidente Donald Trump declarou emergência nacional na fronteira sul, no início de 2019, ao não conseguir que o Congresso aprovasse verbas para a construção da barreira de contenção de imigrantes ilegais.