Diante da juíza Natalia Repnikova e atrás de uma cela de vidro, Alexei Navalny enviou um recado ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. “É fácil me trancafiar. O principal objetivo deste processo é intimidar um número imenso de pessoas. É assim que funciona. Estão colocando uma pessoa atrás das grades para amedrontar milhões”, declarou o líder opositor, pouco antes de o tribunal determinar o cumprimento da pena de 3 anos e meio de prisão por violação das condições de um controle judicial em um julgamento por peculato, em 2014. Navalny foi transferido, ontem mesmo, para uma colônia penal, onde ficará preso por 2 anos e 8 meses, após serem descontados os sete meses em prisão domiciliar. Ao escutar o veredicto, ele fez um gesto de coração para a esposa, Yulia Navalnaya. Logo após a decisão da Corte da Cidade de Moscou, a Fundação Anticorrupção (FBK), de Navalny, convocou protestos instantâneos na capital. “Nos encontramos no centro de Moscou imediatamente”, afirmou a entidade, por meio do Twitter. “Um por todos e todos por um!”, gritava a multidão, ao caminhar pelas ruas da capital russa. Os protestos também ecoaram além das fronteiras da Rússia. Segundo a agência de notícias France-Presse, mais de 1 mil manifestantes foram detidos ontem — no domingo, foram 5.300.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reiterou o “apelo ao governo russo para libertar imediatamente e sem condições o senhor Navalny, assim como as centenas de cidadãos russos detidos injustamente nas últimas semanas por exercer seus direitos, inclusive os direitos à livre expressão e à manifestação pacífica”.
O presidente da França, Emmanuel Macron, publicou um comunicado, em russo, no próprio perfil do Twitter. “O veredicto de Alexei Navalny é inaceitável. Diferenças políticas não são, em hipótese alguma, um crime. Pedimos sua libertação imediata. O respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades democráticas não pode ser objeto de discussão”, comentou.
Por sua vez, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, classificou como “verdadeiramente corajoso e altruísta” o gesto de Navalny retornar à Rússia, depois de ser evenenado com o agente nervoso Novichok — um espião russo é suspeito de colocar o veneno nas cuecas do opositor, que esteve à beira da morte e se recuperou na Alemanha. “Em contraste, a decisão de hoje foi pura covardia e não cumpre os padrões mais básicos de justiça”, disse o premiê.
Ingerência
A Rússia qualificou de “ingerência” e de “desconexão com a realidade” o clamor internacional pela soltura de Navalny. “Não há necessidade de interferir nos assuntos internos de um Estado soberano. Recomendamos que cada um se ocupe de seus próprios problemas”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova.
Durante a audiência no tribunal, Navalny zombou de Putin e manteve a postura desafiadora. “Ele (Putin) pode fingir que é um grande político, o líder mundial, mas meu principal ataque a ele é que ele descerá para a história como ‘Putin, o envenenador’. Houve ‘Alexandre, o libertador’, e ‘Yaroslav, o sábio’. E haverá ‘Vladimir, o envenenador de cuecas’”, ironizou.
Para Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), a sentença imposta a Navalny nada tema ver com justiça. “É a vingança do Kremlin ante a postura desafiadora de Navalny e por seu confronto aberto com Putin”, afirmou ao Correio. Ela acredita que a tentativa de envenamento e a prisão de Navalny despertaram a ira em parte de uma minoria russa. “As pessoas tomaram as ruas de mais de 120 cidades, e cerca de 10 mil manifestantes foram presos em 48 horas. O Kremlin intensificará a escala das repressões. O Kremlin está tornando Navalny uma espécie de ‘Mandela russo’”, advertiu, ao comparar o líder opositor com o ex-presidente sul-africano e ícone da luta contra o regime do apartheid.
Markelov Daniil, 28 anos, investigador do quartel-general de Navalny na cidade de Novosibirsk (na Sibéria, a 3.500km de Moscou), conhece pessoalmente o líder opositor. “Trabalhamos juntos, antes das eleições de Novosibirsk, no ano passado. Eu considero uma das pessoas mais corajosas e inteligentes. O modo como ele trata a esposa e a forma como ela o apoia deveriam ser um exemplo para todos nós”, disse ao Correio. Ele prevê uma resposta coordenada da sociedade, com protestos em massa e reuniões pacíficas. “Esta punição é um indicador de que Putin está terrivelmente temeroso de qualquer competição na esfera política. Nas duas últimas semanas, muitas pessoas participaram de grandes protestos em cidades distintas, de Vladivostok a Kaliningrado”, acrescentou. Daniil denuncia que a maioria dos chefes de gabinete de Navalny foi presa durante os atos das duas últimas semanas. “Eu mesmo deixei a cadeia ontem (segunda-feira), depois de dez dias de detenção.”
» Povo fala
Markelov Daniil, 28 anos, investigador do quartel-general de Navalny na cidade de Novosibirsk:
“Vladimir Putin é um velho avô que se apega ao poder de todos os modos possíveis e é incapaz de compreender, sobriamente, as necessidades da sociedade russa. A comunidade internacional precisa impor sanções às autoridades que investigam a Fundação Anticorrupção (FBK), de Alexei Navalny. Considero a sentença imposta a Navalny como absolutamente ilegal.”
Kaloy Akhilgov, advogado em Moscou:
“Não acho que Putin se importe com a crescente pressão internacional. Ele chama todas as sanções de ‘ações contrárias à Rússia’ e modifica as leis da forma que desejar. As autoridades russas detêm o controle de um contingente policial suficiente para combater o povo. Existe o risco de os protestos contra a prisão de Navalny se tornarem cada vez maiores e frequentes.”
Lilia Shevtsova, analista do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou):
“O Ocidente exige a libertação de Navalny, mas o Kremlin jamais fará isso. As potências ocidentais serão forçadas a negociar com Putin. Isso porque elas não estão prontas para o confronto com o Kremlin por causa de Navalny.”