Depois de uma viagem de seis meses, nos quais percorreu mais de 460 milhões de quilômetros, o robô Perseverance inaugurou, ontem, uma nova era da exploração espacial. Após passar ileso pelos chamados “sete minutos de terror” — momento mais tenso do ponto de vista da mecânica do pouso (Leia Para saber mais) —, o laboratório móvel da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) tocou o solo marciano às 17h55 (hora de Brasília). “Estou segura em Marte. Perseverance te levará para toda parte”, tuitou o perfil do rover criado pela Nasa.
Perseverance não é o primeiro robô a entrar em Marte. A primeira missão bem-sucedida ao Planeta Vermelho ocorreu no distante ano de 1971, com a missão Viking 1. Depois disso, muitas naves falharam no momento da descida e só em 1997, com a Sourjorner, se voltaria, com segurança, à superficie marciana. Ao todo, foram cinco visitas bem-sucedidas, todas dos EUA. O rover, por sinal, nem está sozinho. Há duas sondas por lá — uma chinesa e outra dos Emirados Árabes. Porém, ambas encontram-se na atmosfera e não desceram até o solo.
O trabalho do rover começou antes mesmo do pouso, quando enviou uma imagem do Planeta Vermelho. Assim que confirmada a descida bem-sucedida, os funcionários da Nasa que acompanhavam, ansiosos, a chegada de Perseverance desde o Laboratório de Propulsão a Jato, na Califórnia, bateram palmas, comemorando a missão, que está apenas começando.
O que há de tão especial sobre Perseverance é que o rover é um laboratório sobre rodas extremamente sofisticado, que poderá explorar Marte como nunca se fez. Além de caracterizar a geologia e o clima do planeta e abrir caminho para a exploração humana além da Lua, o equipamento tem uma missão impossível de ser cumprida pelos antecessores: estudar a vida no Universo. Uma de suas principais tarefas é procurar sinais de que a vida microbiana já habitou o planeta, bilhões de anos atrás. Para tanto, coletará amostras do núcleo de rochas que, de volta à Terra, permitirão um estudo inédito da astrobiologia.
“Ser capaz de usar outro planeta como um laboratório para pesquisar como a vida poderia ter começado em outro lugar realmente nos ensinará muito sobre o que é a vida”, diz Mattieu Lapotre, geólogo da Universidade de Stanford. “Perseverance coletará as primeiras amostras de uma formação que o grupo de pesquisa do qual participo identificou como uma rocha marciana e, depois, a trará para a Terra. Isso é muito emocionante.”
Lar das evidências
O rover pousou na cratera Jezero, que, segundo os cientistas da missão Mars 2020, pode ser o lar das evidências sobre a existência de vida no passado marciano. Já se sabe que, há 3,5 bilhões de anos, esse era o local de um grande lago, com seu delta. Eles acreditam que, embora a água possa ter desaparecido há muito tempo, em algum lugar dentro da cratera de 45km de largura, ou talvez ao longo de sua borda de 610m de altura, bioassinaturas — evidência de que a vida uma vez existiu no planeta — podem estar esperando por Perseverance.
“Esperamos que os melhores lugares para procurar bioassinaturas sejam no leito de Jezero ou em sedimentos costeiros que podem estar incrustados com minerais carbonáticos, que são especialmente bons na preservação de certos tipos de vida fossilizada na Terra”, disse Ken Williford, cientista-assistente do projeto para a missão Mars 2020, em nota. “O questionamento se há vida fora da Terra é um dos mais fundamentais e essenciais que podemos fazer”, disse, após a confirmação do pouso, a geóloga da Nasa Katie Stack Morgan. “Nossa capacidade de fazer essa pergunta e desenvolver pesquisas científicas e tecnologia para respondê-la é uma das coisas que nos torna uma espécie tão única.”
Para cumprir sua missão, o rover é equipado como nenhum outro instrumento que foi para o espaço. Um dos destaques é a câmera com lente de aumento Mastcam-Z, localizada no mastro da sonda, e o disparador SuperCamp, capaz de lançar um laser no alvo promissor. Isso gera uma pequena nuvem de plasma, que Perseverance usará para analisar a composição química do objeto. Caso a equipe de cientistas da Terra ache as descobertas interessantes, poderá comandar o braço robótico do rover para que ele veja mais de perto.
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Para saber mais
Manobra perigosa
Os engenheiros da Nasa costumam chamar de “sete minutos de terror” a perigosa manobra que precede o pouso de um rover. No caso da missão atual, o local escolhido, a cratera de Jezero, foi a área de aterrissagem mais perigosa já tentada. Em sete minutos, o veículo passou de uma velocidade de 20.000km/h para 0. Dez minutos antes de entrar na atmosfera de Marte, separou-se da parte de cruzeiro, que o abasteceu de combustível ao longo da viagem.
A cerca de 130km da superfície de Marte, a missão entrou na atmosfera — o atrito aumentou a temperatura para 1.300°C. A cerca de 11 km de altitude, foi liberado um paraquedas de 21 metros de diâmetro, localizado no escudo superior. Isso reduziu a velocidade do dispositivo para cerca de 300 km/h. A uma altitude de cerca de 2km, ele se desprendeu do escudo traseiro e do paraquedas e, com seus oito motores, pousou em solo marciano.