Antes de assinar uma ordem executiva e um memorando, o presidente Joe Biden foi enfático: “Basicamente, a melhor forma de descrevê-las é desfazer o dano que (Donald) Trump fez”. Por meio do decreto, o presidente dos Estados Unidos restaurou o Affordable Care Act (ACA ou Lei de Assistência Acessível) ou Obamacare — que ajudou mais de 20 milhões de americanos a obterem um seguro-saúde — e o Medicaid (programa de saúde social para famílias e indívidus de baixa renda). Por meio de um memorando, o democrata revogou a chamada “lei da mordaça global” ou “política da Cidade do México”, uma norma que proibia o governo federal de financiar organizações não governamentais (ONGs) de outros países que oferecem serviços de aborto nos Estados Unidos. O documento sobre esta medida específica traz uma declaração considerada sem precedentes na Casa Branca. “É a política do meu governo apoiar os direitos e a saúde reprodutiva e sexual de mulheres e garotas nos Estados Unidos, assim como globalmente”, afirma o texto.
As agências do governo abrirão um período especial de inscrição para bolsas do ACA (ou Obamacare): de 15 de fevereiro a 15 de maio, em resposta à pandemia da covid-19. Biden também ordenou uma revisão das políticas impostas por Trump que restringiam o acesso aos cuidados médicos. As pessoas que ficaram desempregadas por conta da pandemia deverão ser as mais beneficiadas. “Acredito que todo americano merece a paz de espírito que venha com acesso a cuidados de saúde de qualidade e acessíveis. Por isso, hoje, tomarei medidas para fortalecer o acesso dos americanos aos cuidados de saúde”, declarou Biden em seu perfil no Twitter.
Para Lawrence Gostin, professor de medicina da Universidade Johns Hopkins e da Universidade Georgetown e especialista em direito de saúde pública, a ampliação do período de inscrição para o Obamacare “é um primeiro passo crucial para expandir o acesso aos cuidados de saúde no país”. “Biden quer dar às pessoas todas as chances de obterem um seguro-saúde acessível, sob o Obamacare. Esta é a primeira etapa do que acredito que serão muitas ordens executivas”, admitiu ao Correio.
“Mordaça global”
Serra Sippel, presidente da ONG Change (Centro pela Saúde e Igualdade de Gênero, em Washington), afirmou ao Correio que a recisão da “mordaça global” é importante porque as entidades de atenção à saúde perderam financiamento após a regra imposta por Trump e, agora, tornam-se elegíveis para receber financiamento do governo federal. “As organizações que já recebem assistência à saúde global, por parte dos EUA, não estão mais ‘amordaçadas’ e podem fornecer serviços de saúde abrangentes, incluindo aconselhamento e encaminhamento para o aborto”, disse ao Correio. “É notável que, durante o anúncio do memorando, a administração Biden-Harris enfatiza o apoio à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e garotas dos Estados Unidos. Isso envia um sinal importante para a comunidade internacional de que o mundo se reunirá aos esforços globais para promover o acesso universal à saúde e aos direitos reprodutivos.”
Segundo Sippel, a Casa Branca precisa deixar absolutamente claro que a “lei da mordaça global” perdeu o status quo. “Nós esperamos que o fim desta norma sinalize ao mundo que os EUA vão se tornar líderes na causa dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres”, comentou. O aborto é legal nos Estados Unidos desde uma decisão histórica da Suprema Corte em 1973, mas ainda divide muito a população americana, enfrentando oposição ainda muito forte, especialmente entre setores religiosos.
A decisão sobre a revogação da “política da Cidade do México” por Biden não surpreendeu o padre jesuíta norte-americano Thomas Reese, colunista do site Religion News Service. “A medida foi colocada pela primeira vez em vigor por um governo republicano (Reagan). Quando os democratas ganharam a Casa Branca, eles a rescindiram. Quando os republicanos a retomaram, reinstalaram a lei. Essa política tem sido quase que como uma partida de futebol”, disse à reportagem.
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“Nos últimos quatro anos, sob o governo de Donald Trump, os EUA renegaram seu compromisso global com a igualdade de gênero e com os direitos e a saúde sexual e reprodutiva. Outros países, felizmente, intensificaram e preencheram a lacuna de decência criada pela administração Trump. Esperamos que os EUA traduzam as declarações políticas de hoje em ação, e que cooperem com nações ao redor do mundo para expandir o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o aborto.” Serra Sippel, presidente da organização não governamental Change (Centro pela Saúde e Igualdade de Gênero, em Washington).