Coronavírus

Ao tomar vacina, papa e rainha passam mensagem de apoio à ciência

Rainha Elizabeth II e o marido, príncipe Philip, recebem a primeira dose da proteção contra a covid-19. Papa Francisco anuncia que será vacinado durante a semana, denuncia "negacionismo suicida" e defende imunização em massa

Ela tem 94 anos. Ele, 99. O casal quase nunca divulga temas relacionados à própria saúde. O tabu foi quebrado, ontem, um dia depois de o Reino Unido registrar 1.325 mortes provocadas pela covid-19 em 24 horas — ao todo, são mais de 3 milhões de infectados pelo Sars-CoV-2 e 81 mil óbitos. A rainha Elizabeth II e o marido, o príncipe Philip, receberam, ontem, a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus, somando-se a 1,5 milhão de britânicos que começaram a ser imunizados. Por sua vez, o papa Francisco anunciou ao jornalista e vaticanista Fabio Marchese Ragona (leia entrevista ao Correio), da empresa de comunicação italiana Mediaset, que tomará a vacina nesta semana e denunciou o “negacionismo suicida” daquelas pessoas que se opõem ao imunizante. O fato de duas das mais proeminentes e influentes figuras do planeta aderirem à vacinação representa uma forte mensagem de apoio à ciência.

Uma fonte da família real informou à agência de notícias PA Media que um médico particular inoculou a vacina em Elizabeth II e em Philip, no Castelo de Windsor, onde o casal cumpre confinamento. “A rainha decidiu tomar essas informações públicas para evitar imprecisões e possíveis rumores”, observou. Matt Hancock, secretário de Saúde do Reino Unido, comemorou a notícia sobre a administração do imunizante na rainha. “Estou contente que Sua Majestade, a Rainha, e Sua Alteza Real, o Duque de Edimburgo, tenham recebido sua vacina contra a covid-19. Estamos derrotando esse vírus injeção por injeção”, escreveu no Twitter.

Especialista em saúde global pela Faculdade de Medicina da Universidade de Southampton (Reino Unido), Michael Head disse que a aceitação da vacina por Elizabeth II e seu marido é algo “excelente”. “Se vacina é boa o suficiente para a nossa família real, então estou certo de que é boa o bastante para todos”, afirmou ao Correio. “A pandemia não terminará se muitas pessoas deixarem de ser imunizadas, e o retorno à normalidade certamente é um bom incentivo para receber a vacina.”

O casal real adere à vacinação em um momento crítico para os súditos e em meio à proliferação de nova cepa do Sars-CoV-2, até 70% mais infecciosa. Na manhã de ontem, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, publicou uma advertência em seu perfil no Twitter. “Nossos hospitais estão sob mais pressão do que em qualquer outro momento desde o início da pandemia, e as taxas de infecção continuam a disparar, em taxas alarmantes. O desenrolar da vacinação deu-nos esperança renovada, mas é fundamental, por enquanto, ficarmos em casa, protegermos o NHS (sistema de saúde) e salvarmos vidas.”

Para Christopher Warwick — historiador britânico especialista na família real e biógrafo da princesa Margaret, irmã mais nova da rainha Elizabeth II —, a vacinação da monarca e do marido ocorreu não apenas pelo fato de o casal fazer parte da categoria de alto risco para a doença. “É uma confirmação da necessidade de pessoas de todas as idades aceitarem a imunização, assim que ela for oferecida. Direta ou indiretamente, os exemplos da rainha Elizabeth II, do príncipe Philip e do papa Francisco enviam uma mensagem de confiança e da necessidade em aceitar a responsabilidade pessoal na luta contra esta doença assassina”, afirmou à reportagem.

Pontífice

Em entrevista, na tarde de sexta-feira, ao vaticanista Fabio Marchese Ragona, divulgada pelo jornal Tg5 da emissora Mediaset, o papa Francisco defendeu a imunização de toda a população mundial. “Acredito que, do ponto de vista ético, todos devem ser vacinados, porque você não só põe em risco a sua saúde, a sua vida, mas também a dos outros”, opinou. O pontífice sublinhou que tomará a vacina “na próxima semana”. “Vamos começar a fazê-lo, aqui, no Vaticano. Já agendei, tem de ser feito”, respondeu.

“Quando eu era criança, lembro-me que havia a crise de poliomielite e muitas crianças ficaram paralíticas por isso. Existia um desespero para se obter a vacina”, lembra Francisco. “Quando a vacina chegou, davam com açúcar. Aí a gente cresceu à sombra das vacinas. Para sarampo, para isso, para aquilo... Não sei por que alguns dizem ‘não, a vacina é perigosa’. Mas, se os médicos a apresentam como algo que pode ser bom, que não apresenta riscos particulares, por que não fazê-lo?”, questiona.

Três perguntas para

Fabio Marchese Ragona, vaticanista e jornalista da emissora italiana Mediaset

Qual o simbolismo do anúncio do papa de que será vacinado nos próximos dias?
Na entrevista que fiz com o papa, ele disse claramente que se colocou na lista para ser vacinado durante a semana. Penso que o Santo Padre quis dizer publicamente que tomará a vacina para deixar claro que ela não é inimiga e que os médicos afirmam ser algo seguro, que a imunização tem que ser feita, por tratar-se de um dever ético. Certamente, sua voz a favor da vacina ajudará aqueles que ainda não têm certeza sobre se desejam tomá-la. Também porque o Santo Padre disse, claramente: “O negacionismo é suicida”.

Durante a entrevista com Francisco, o que mais lhe surpreendeu?
Fiquei muito impressionado com sua bondade, com sua espontaneidade e com a confiança que ele queria nos dar. Ele me presenteou com o seu último livro, o Mensageiro da paz, publicado em 1º de janeiro, e com um rosário. Também lhe dei alguns presentes, como um desenho de duas crianças segurando-lhe a mão, observadas do alto pela juíza Rosário Livatino, minha concidadã, assassinada pela máfia. Fiquei muito emocionado em conhecê-lo.

Como analisa a crítica feita pelo pontífice aos negacionistas?
Acho que o papa tentou abrir os olhos de ainda continua a negar não somente o novo coronavírus, mas também os tratamentos e as vacinas que estão chegando, implementados pela comunidade internacional. Em sua mensagem Urbi et orbi, no Natal, ele havia pedido a vacina para todos, especialmente para as pessoas em dificuldades. O Santo Padre respondeu, de modo claro, que essas duas formas de negação representam não apenas um risco à vida de quem as adota, mas também às vidas de terceiros. (RC)