EUA

A decisiva Geórgia

Segundo turno das eleições em estado tradicionalmente republicano pode decidir o controle do Senado e os primeiros anos da gestão de John Biden. Se romper com a linha de administração de Trump, o democrata assumirá a Presidência com vantagem nas duas Casas

Dois meses depois das eleições presidenciais norte-americanas, eleitores da Geórgia voltaram às urnas ontem, em um pleito determinante para o Senado dos Estados Unidos, com profundo impacto na futura administração do presidente eleito, John Biden. Caso os dois candidatos democratas derrotem os atuais senadores republicanos, o partido de Biden assumirá o controle da Casa. E, ao tomar posse, no próximo dia 20, Biden terá maioria no Congresso — já que, no domingo, a democrata Nancy Pelosi foi reeleita para a presidência da Câmara — para aplicar seu programa, que pretende romper com a linha de governo de Donald Trump. A disputa é acirrada, e os resultados podem demorar a sair.

Trump ainda não desistiu de permanecer na Casa Branca: ontem, voltou a falar em fraude nas eleições e pressionou publicamente o vice-presidente, Mike Pence, a não reconhecer a vitória de Biden na sessão conjunta de hoje, quando deputados e senadores devem certificar o resultado do pleito, em uma mera formalidade. Como presidente do Senado, Pence, teoricamente, poderia declarar a votação inválida — coisa que ele já disse que não fará. “Espero que nosso grande vice-presidente nos apoie”, disse Trump a apoiadores da Geórgia. “Se ele não fizer isso, não gostarei tanto dele”, completou.

Tanto na Câmara de Representantes quanto no Senado, os congressistas fiéis a Trump prometeram expressar acusações de fraude. Uma grande manifestação de solidariedade ao magnata foi convocada para hoje, na capital norte-americana. Porém, a tese não encontra apoio entre grande parte dos republicanos, que já declararam publicamente que vão certificar a vitória de Biden. O democrata venceu as eleições de novembro com 306 votos no Colégio Eleitoral, contra 232.

Voto antecipado

A importância das eleições no estado do sul do país é refletida nos gastos de campanha: US$ 832 milhões, segundo o Center for Responsive Politics, um organismo independente que analisa os valores investidos pelos partidos políticos. Mais de 3 milhões dos 7 milhões de eleitores registrados, cerca de 45%, votaram de maneira antecipada, um recorde para eleições parciais do Senado na Geórgia.

A mobilização está à altura do que está em jogo, pois tanto o presidente eleito Biden quanto Trump viajaram na segunda-feira para a Geórgia para fazer campanha por seus candidatos. “O estado pode mudar o rumo não apenas dos próximos quatro anos, mas, também, para a próxima geração”, declarou o presidente eleito, durante um comício em Atlanta. Essa perspectiva preocupa os republicanos, que voltaram a mencionar o fantasma de um governo “radical” e “socialista” até o fim da campanha.

“O futuro do nosso país está em jogo, é a última linha de defesa para nosso modo de vida”, afirmou David Perdue, republicano que busca a reeleição ao lado de Kelly Loeffler, em declarações ao canal Fox News. As eleições parciais podem ser a “última oportunidade de salvar os Estados Unidos que amamos”, declarou a seus simpatizantes o presidente Trump, que se nega a admitir a derrota dois meses depois das eleições.

Disputa acirrada


Os dois candidatos republicanos são considerados favoritos na conservadora Geórgia. Perdue ficou perto de 50% na disputa com o democrata Jon Ossoff na primeira votação. E, ainda que o também democrata Raphael Warnock tenha superado Loeffler em novembro, ela, agora, pode se beneficiar do apoio de um rival republicano eliminado.

Os democratas acreditam, no entanto, que conseguirão vencer as disputas para o Senado, estimulados pelo triunfo apertado de Biden na Geórgia, em 3 de novembro, o primeiro do partido no estado desde 1992. Para isso, eles precisam de uma grande mobilização dos eleitores afro-americanos, fundamentais para a legenda, e esperam que alguns republicanos moderados não compareçam às urnas, desalentados por todas as acusações de fraude.

Uma previsão de resultado é muito difícil. As poucas pesquisas realizadas mostram uma disputa muito acirrada e, talvez, seja necessário aguardar vários dias para conhecer os resultados definitivos.

Pouco conhecidos

Kelly Loeffler contra Raphael Warnock e Jon Ossoff versus David Perdue: candidatos praticamente desconhecidos há alguns meses fora do estado sulista da Geórgia, esses nomes, agora, não saem da imprensa norte-americana. Isso porque, no segundo turno dessa eleição, será decidido não só o controle do Senado, até agora nas mãos dos republicanos, mas, também, o poder em Washington durante a futura Presidência do democrata Joe Biden.

Com 33 anos, o democrata Jon Ossoff ainda tem um currículo modesto, mas nenhuma dúvida sobre tudo o que está em jogo após sua candidatura. “Vamos marcar a história nessa terça (ontem)”, disse, no fim de semana, a um grupo pequeno de eleitores reunidos em Eatonton, município rural de casas simples. O produtor de documentários investigativos e ex-colaborador parlamentar concorre ao Senado ao lado de Raphael Warnock, um pastor afro-americano, em um estado ainda marcado pelas feridas da escravidão e da segregação. Décimo primeiro de uma família de 12 filhos, o religioso diz ter nascido na pobreza, filho de uma mãe que trabalhava nos campos de algodão.

Aos 50 anos e incluída entre os integrantes mais ricos do Congresso, a empresária Kelly Loeffler percorre a Geórgia em seu jato privado para fazer campanha. Ela gosta de lembrar da infância humilde em uma fazenda, antes de fazer carreira nos serviços financeiros. E se apresenta seguindo a linha de Donald Trump. “David Perdue e eu somos pessoas de negócios, somos ‘outsiders’, não devemos nada a ninguém”, disse em Cartersville. “E, juntos, vamos salvar os Estados Unidos.”

David Perdue, 71 anos e rival de Ossoff no segundo turno, foi acusado pelo democrata de ter usado informações confidenciais sobre a pandemia da covid-19, recebidas no Senado, para enriquecer. O empresário rejeita as denúncias, enquanto sua equipe acusa Ossoff de “nunca ter tido um trabalho de verdade na vida”, em alusão ao dinheiro herdado da sua família. David Perdue ficou a um passo de alcançar os 50% necessários no primeiro turno das eleições — 49,7%, contra 47,9% para Jon Ossoff.