O Irã iniciou nesta segunda-feira (4/01) o processo para produzir urânio enriquecido a 20% na central subterrânea de Fordo, sua principal medida para desvincular-se do acordo internacional de 2015 que limita seu programa nuclear.
A partir de maio de 2019, um ano após a saída unilateral dos Estados Unidos do acordo e da retomada das sanções contra o Irã, Teerã começou a se liberar dos principais compromissos adotados no acordo de Viena, incluindo o limite do nível de enriquecimento de urânio.
Acusado por vários países ocidentais e Israel, seu grande inimigo, o Irã sempre negou a tentativa de desenvolver armamento atômico.
"O processo para produzir urânio enriquecido a 20% começou no complexo de Shahid Alimohammadi (Fordo)", situado 180 quilômetros ao sul de Teerã, afirmou o porta-voz do governo, Ali Rabiei, citado no site da televisão estatal.
O presidente iraniano Hassan Rohani deu a ordem nos "últimos dias e o processo de injeção de gás começou há algumas horas", completou.
"Obrigado" a implementar a lei
Em uma carta com data de 31 de dezembro, o Irã informou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre sua vontade de produzir urânio enriquecido a 20%, o nível anterior à assinatura do acordo internacional assinado em Viena em 2015, longe do 90% necessário para um uso militar.
Nesta segunda-feira, a AIEA confirmou o anúncio de Teerã. "O diretor-geral, Rafael Mariano Grossi, informou aos Estados-membros da AIEA que o Irã começou a alimentar de urânio já enriquecido a 4,1% seis cascatas de centríguas (...) com o objetivo de aumentar para 20%", disse o órgão da ONU em uma declaração transmitida à AFP.
De acordo com o último relatório disponível da agência da ONU, publicado em novembro, Teerã enriquecia urânio a um grau de pureza superior ao limite previsto pelo acordo internacional de 2015 sobre seu programa nuclear (3,67%), mas não superava a barreira de 4,5%, e continuava cumprindo o regime estrito de inspeções do organismo.
Mas após o assassinato no fim de novembro do físico nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh, um ataque que o Irã atribui a Israel, o Parlamento iraniano aprovou uma polêmica lei que defende a produção e o armazenamento de ao menos "120 kg ao ano de urânio enriquecido a 20%" e "acabar" com as inspeções da AIEA sobre as atividades nucleares iranianas.
O governo do presidente Rohani se declarou contrário à iniciativa. Nesta segunda-feira, Rabii explicou que a posição do governo sobre a lei não mudou, "mas se vê obrigado a implementá-la".
O pacto de 2015 foi alcançado após anos de duras negociações entro o Irã e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Reino Unido, China, França, Rússia, Estados Unidos), além da Alemanha.
"Sérias consequências"
A União Europeia (UE) advertiu que o início do enriquecimento de urânio a 20% constituiria um "desvio considerável" dos compromissos assumidos por Teerã no acordo de 2015.
"Não é preciso dramatizar. O programa nuclear continua sendo totalmente transparente e verificável. Devemos nos concentrar na maneira de restabelecer a aplicação global do acordo", afirmou por sua vez o embaixador russo na AIEA, Mijaíl Ulyanov.
Peter Stano, um porta-voz da UE, disse que as autoridades europeias esperam uma posição formal da AIEA antes de definir eventuais medidas.
Stano afirmou que, se o enriquecimento a 20% for confirmado, o gesto terá "sérias implicações para a não proliferação nuclear".
Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que a decisão do Irã demonstra que o país está tentando construir armas nucleares, apesar de negar.
Netanyahu declarou, em um comunicado, que a medida "não pode ser explicada de nenhuma outra maneira, exceto como a realização contínua de sua intenção de desenvolver um programa nuclear militar".
"Israel não permitirá que o Irã fabrique armas nucleares", completou.
Considerado o único país com armas nucleares no Oriente Médio, Israel acusa o Irã de tentar criar o próprio arsenal nuclear e de querer destruir o Estado hebreu.
Além disso, o Guarda Revolucionária do Irã anunciou nesta segunda-feira que capturou um petroleiro de bandeira sul-coreana nas águas do Golfo, onde navios americanos estão mobilizados. A Coreia do Sul exigiu a liberação do navio.
Diante do que apresentou como "ameaças" iranianas, o Pentágono afirmou que decidiu finalmente deixar o porta-aviões "USS Nimitz" no Golfo.
Os eventos acontecem a duas semanas do fim do mandato de Donald Trump, que exerceu uma campanha de "pressão máxima contra o Irã", aumentando as tensões entre ambas as partes com sabotagens, ataques e capturas de navios e drones no Golfo.
Com a posse do presidente eleito Joe Biden, muitos apostam em uma situação que permita o resgate do acordo nuclear.