A 20 dias do fim do mandato, cada vez mais isolado e enfraquecido, Donald Trump levou dois duros golpes, desferidos por aliados. Ontem, o Senado, de maioria republicana, votou a favor da eliminação do veto presidencial sobre o orçamento de Defesa — na primeira vez em que os legisladores revogam um ato do tipo na administração do atual mandatário. Ao mesmo tempo, o vice, Mike Pence, decidiu romper com o magnata, pedindo à Justiça a rejeição de um processo que daria ao político, também presidente do Senado, o poder de invalidar o resultado das eleições presidenciais.
Na decisão do Senado, os congressistas aprovaram, com mais de dois terços dos votos exigidos, a lei orçamentária da Defesa, de US$ 740,5 bilhões, para o ano fiscal de 2021. Foram 81 senadores favoráveis à remoção do veto, contra 13. A Câmara dos Representantes, de maioria democrata, já havia votado pela reversão do veto na segunda-feira, com 322 votos a favor e 87 contra. Ambas as casas haviam aprovado o orçamento no início de dezembro e com grande maioria, mas Trump — citando uma série de objeções — o vetou no último dia 23.
O voto pela eliminação, uma reprimenda a Trump, aconteceu durante uma sessão extraordinária de ano-novo, convocada após o veto presidencial, e deve ser o ato final do atual Congresso. Os novos membros prestarão juramento amanhã, a 17 dias de Joe Biden assumir a Presidência do país.
“É hora de aprovarmos essa lei”, disse o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, no início da sessão de ontem. “Essa é nossa chance de lembrar aos bravos militares e a suas famílias que estamos com eles.” O senador Jack Reed, democrata de posto mais importante na Comissão das Forças Armadas, disse aos colegas que o projeto de lei é essencial para reforçar a segurança cibernética do país contra ataques generalizados, como os que afetaram recentemente governo e empresas privadas. Sobre a opinião de Trump de que Pequim e Moscou também aprovariam a lei, Reed respondeu que a mesma é “completamente infundada”.
Ao vetar o orçamento da Defesa, Donald Trump criticou o projeto de lei em vários aspectos. Entre outros, chamou isso de um “presente” para a China e a Rússia e disse que restringiria sua capacidade de reduzir a presença de tropas americanas no Afeganistão, na Coreia do Sul e em outros países. Pelo Twitter, Trump classificou a decisão do Senado de “patética”. Ele já havia criticado, na mesma rede social, a liderança republicana, chamando-a de “fraca e cansada”, e dizendo que os colegas de partido permitiriam “a aprovação da péssima lei do orçamento de Defesa”.
Decepção com o vice
Trump não comentou o que a imprensa norte-americana considera um rompimento do vice-presidente, Mike Pence. Na noite de quinta-feira, Pence, que preside o Senado, pediu à Justiça que rejeitasse um processo que visa expandir seu poder para, assim, derrubar o resultado da eleição presidencial.
A ação decepcionou os apoiadores de Donald Trump, que tinham esperança de que o vice rejeitasse alguns votos do colégio eleitoral destinados ao presidente eleito Joe Biden na próxima semana, quando o Congresso se reúne para certificar o pleito de novembro. Eles amparavam-se em uma lei de 1887, que dá ao vice, na função de presidente do Senado, o poder exclusivo de determinar se os votos indicados pelos estados são válidos. Como Pence não deu sinais de que faria isso, o deputado Louie Gohmert e um grupo de republicanos do Arizona entraram com um processo no qual o vice-presidente é réu.
Os apoiadores de Trump — que continua insistindo na tese de fraude eleitoral — pediram que a Justiça Federal determine que Pence tem o direito de decidir que os votos do colégio eleitoral em favor de Biden, computados no início de dezembro, são inválidos. Nas eleições, 81 milhões de eleitores apoiaram Biden, que recebeu 306 votos do colégio eleitoral, contra 232 de Trump.
Porém, por meio do Departamento de Justiça, Pence argumentou que não poderia ser réu nessa questão, já que os interesses de Gohmert não são suficientemente opostos ao dele — considerando que os republicanos visam, na prática, expandir seu poder como vice —para justificar um processo.
“O vice-presidente, o único réu nesse caso, é ironicamente a mesma pessoa cujo poder eles procuram promover”, escreveu o procurador-geral adjunto John V. Coghlan, em nome de Pence. “Um processo para estabelecer que o vice-presidente tem arbítrio sobre a contagem, movido contra o vice-presidente, é uma contradição jurídica ambulante.” Coghlan argumentou que, caso insistissem na tese, os republicanos deveriam escolher o Congresso como réu.