Dezenas de milhares de franceses aderiram a uma campanha nas redes sociais destinada a lançar luz sobre o problema do abuso sexual dentro das famílias.
A campanha, com a hashtag #MeTooInceste, foi iniciada no fim de semana pela NousToutes, uma organização que luta contra a violência sexual na França. O termo incesto em francês é usado para significar abuso sexual praticado por familiares, incluindo aqueles que não são parentes de sangue.
Nesta semana, o Senado francês aprovou por unanimidade um projeto de lei que proíbe a atividade sexual de adultos com crianças menores de 13 anos, eliminando a ideia de que tais atos poderiam ser consensuais. A lei também visa aumentar a pena máxima por agressão sexual incestual de um menor e estender o prazo de prescrição por não denúncia de abuso sexual infantil.
A mudança, que ainda precisará ser votada na Assembleia Nacional antes de se tornar lei, ganhou força depois que a campanha na internet teve início com as acusações contra um proeminente comentarista político no rádio e na TV, Olivier Duhamel, que foi acusado por sua enteada de abusar de seu irmão gêmeo há 30 anos.
Duhamel descreveu as acusações como "ataques pessoais". Ele renunciou a todos os seus cargos, mas não se manifestou mais sobre o assunto. A Procuradoria da França abriu uma investigação contra ele.
A campanha no Twitter começou no final da semana passada com uma mensagem de uma ativista do NousToutes de 67 anos conhecida como Marie Chenevance.
"É agora ou nunca quebrar a omertà [código de silêncio] em torno desta questão", disse Marie. Nos primeiros anos, segundo ela, os ativistas encontraram um "muro de silêncio" quando compartilharam suas histórias de abuso familiar.
Mais de 80 mil pessoas responderam à campanha desde sábado, de acordo com a organização.
Mié Kohiyama foi uma das que compartilhou sua história, ao lado de um desenho que ela fez aos cinco anos.
A imagem mostra uma criança sem boca, ao lado das palavras "Help Me" ("au secours", que ela soletrou "o scour"). Naquela época, era sua maneira de falar sobre o abuso, disse ela, mas ninguém ouviu sua mensagem.
"No sábado, quando postei este tuíte, é estranho dizer, mas eu estava orgulhosa da menina que fez esse desenho", diz Kohiyama.
"Digo a mim mesmo que agora as pessoas podem entender esse tipo de desenho. Quarenta anos atrás, isso não era possível."
Cultura do silêncio
Parte da razão pela qual as acusações contra Duhamel tiveram tanto impacto, dizem os ativistas, é que o relato de sua enteada Camille Kouchner em seu livro La Familia Grande descreve não apenas o suposto comportamento em si, mas a cultura de silêncio na família.
Muriel Salmona, uma importante psicóloga especializada em violência sexual, diz que as questões levantadas pela enteada de Duhamel junto com o lançamento da nova hashtag abriram um "espaço seguro" para as vítimas se manifestarem.
Historicamente, segundo ela, tem havido "impunidade quase total na França" para agressores familiares: menos de 1% das denúncias de estupro contra menores de idade são julgadas pela Justiça.
"Os números sobre a violência contra as crianças são ruins na maior parte da Europa", explicou Salmona. "Mas na França existe uma corrente que tolera a violência sexual contra crianças."
A lei em torno dessa questão é complexa. Sexo com menores de idade é ilegal, mas para provar as acusações mais graves de estupro ou agressão sexual — inclusive de uma criança — é necessário provar que foram utilizadas violência, ameaça, surpresa ou coerção.
Se o abusador for muito mais velho que a vítima ou estiver em uma posição de autoridade, isso pode ser visto como coerção, mas Salmona diz que isso não ocorre de maneira automática.
Isso significa que, legalmente falando, uma criança de 11 anos pode ser considerada como tendo consentido fazer sexo com um adulto.
Os ativistas há muito vinham pedindo uma mudança na legislação. E a nova lei aprovada pelo Senado nesta semana criminaliza qualquer ato sexual de um adulto com um menor de 13 anos.
Uma pesquisa no final do ano passado estimou que 1 em cada 10 pessoas na França havia sofrido abuso sexual na família na infância.
Marie Chenevance disse que sabia que haveria um grande número de pessoas afetadas pela nova campanha, mas ficou surpresa com a abundância de depoimentos.
"Por um lado, as histórias são tristes", disse ela, "mas, por outro lado, é bom que elas apareçam, é libertador."
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