Quando escutou o juiz do tribunal antiterrorismo de Riad anunciar o veredicto, Loujain Al-Hathloul chorou. “Machuca-me muito o fato de eu ser condenada por uma Corte antiterrorismo”, desabafou a ativista de 31 anos, ao encontrar-se com os pais por uma hora após o julgamento, a fim de assinar os documentos e preparar a apelação. Conhecida por defender o direito das mulheres sauditas de dirigir, e crítica do sistema de tutela masculina, Loujain foi sentenciada, ontem, a cinco anos e oito meses de prisão, culpada por “diversas atividades proibidas pela lei antiterrorista”, segundo o jornal on-line Sabq. A decisão da Justiça ignorou o clamor internacional pela libertação da militante, confinada desde maio de 2018 e submetida a sessões de tortura. A 7.238km de Riad, em Xangai, a jornalista e advogada chinesa Zhang Zhan, 37, foi condenada a quatro anos de prisão. Seu crime: reportar nas redes sociais a situação caótica nos hospitais de Wuhan, em fevereiro, durante o início da pandemia da covid-19. Em greve de fome desde junho, Zhang alimenta-se por meio de sonda nasal.
“Nós estamos desapontados, mas esperávamos por isso. Estamos longe de alcançar a justiça. Vamos apelar, não por acreditarmos no sistema judicial saudita, mas para mostrar que fizemos o dever de casa. Esta é a melhor maneira de expor um julgamento falso”, desabafou Walid Al-Hathloul, 32 anos, um dos cinco irmãos de Loujain, em declaração de Toronto (Canadá) — onde trabalha como gerente de incorporação imobiliária — ao Correio.
Por sua vez, a irmã Alia Al-Hathloul (leia Duas perguntas), que vive em Bruxelas, contou à reportagem que Loujain sempre mostrou interesse pelos direitos e pelas condições humanas. “Em 2012, ela começou a usar as mídias sociais para expor suas ideias. Loujain fez greve de fome em duas ocasiões por ter sido impedida de encontrar os nossos pais. Apesar do moral forte, a saúde não está da mesma forma”, disse. A imprensa saudita divulgou que a pena pode ser suspensa com dois anos e 10 meses, “sob a condição de que ela não cometa novo delito nos próximos três anos”.
Alia crê que a irmã foi presa e condenada para servir de exemplo à população. “Graças a Loujain e a outras mulheres, a Arábia Saudita tem aprimorado os direitos femininos. Não podemos nos esquecer que esses direitos estão aqui porque mulheres clamaram por eles. Eles prenderam Loujain para enviar uma mensagem: ‘Vocês conseguiram alguns avanços, mas vejam o que ocorre com quem luta por eles’”, comentou. Segundo Alia, as autoridades sauditas subestimam a força dos cidadãos. Em 2014, Loujain havia sido detida após cruzar a fronteira conduzindo um carro vindo dos Emirados Árabes Unidos.
Alaa Al-Siddiq, diretora-executiva da organização não governamental ALQST, em Londres, explicou ao Correio que o ativismo de Loujain sempre foi pacífico. “Ela demandava apenas o fim da tutela masculina e a concessão de direitos às mulheres”, observou. “Loujain não cometeu nenhum crime. Por seu ativismo, foi acusada de mudar o sistema e de ajudar países estrangeiros. O veredicto foi injusto, pois o julgamento foi marcado por violações legais desde o início.” A Anistia Internacional afirmou que a sentença, “embora parcialmente suspensa, mostra a crueldade das autoridades sauditas para com uma das mulheres mais corajosas que se atreveu a erguer a voz sobre seus sonhos de uma Arábia Saudita melhor”.
Preocupação
A jornalista chinesa Zhang Zhan “parecia muito abatida quando a sentença foi anunciada”, disse à agência France-Presse um de seus advogados, Ren Quanniu, que admitiu “muita preocupação” com a situação psicológico da cliente. Jornalistas e diplomatas estrangeiros foram impedidos de entrar na sala de audiências para acompanhar o desfecho do julgamento. Zhang foi presa em maio, sob a acusação de “causar distúrbios” — um crime associado a opositores do presidente Xi Jinping. Outro advogado de defesa, Zhang Keke contou que o tribunal entendeu que ela divulgou notícias falsas pela internet. “Quando a vi, na semana passada, ela afirmou: ‘Se receber uma sentença pesada, vou recusar qualquer alimento até o fim’. Ela acredita que vai morrer na prisão”, disse Keke.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos demonstrou incômodo com a situação da jornalista. “Mencionamos o caso às autoridades ao longo de 2020 para ilustrar a repressão excessiva da liberdade de imprensa vinculada à covid-19 e continuamos pedindo sua libertação”, afirmou o organismo, por meio da internet. Além de Zhang Zhan, três jornalistas — Chen Qiushi, Fang Bin e Li Zehua — foram detidos por cobrirem a pandemia.