Hungria

Lei cerceia direitos dos gays

Parlamento dominado por aliados de Viktor Orban aprova pacote de propostas que, entre outras medidas, reconhece como gênero apenas o do nascimento e veda a possibilidade de adoção para homossexuais e bissexuais, que não podem se casar


Composto majoritariamente por aliados do primeiro-ministro Viktor Orban, o Parlamento da Hungria aprovou, ontem, um pacote contra homossexuais e bissexuais, incluindo uma lei que consagra a noção tradicional de gênero na Constituição e outra que proíbe de fato a adoção para os casais de mesmo sexo. Partido do premiê de ultradireita, o Fidesz tem uma maioria de dois terços no Legislativo.

“A mãe é uma mulher, o pai é um homem”, decreta uma emenda à Constituição, que obteve o respaldo da maioria dos deputados, segundo o site oficial da Assembleia. O dispositivo define o sexo como só o do nascimento e acrescenta: “A educação é fornecida de acordo com os valores baseados na identidade constitucional e na cultura cristã.”

O governo de Orban, autor da iniciativa, justificou a emenda pela necessidade de “proteger a criança de possíveis interferências ideológicas ou biológicas” do mundo ocidental moderno.

Parlamentares também aprovaram uma lei que só permite que casados adotem crianças, o que na prática exclui os homossexuais, que não podem contrair matrimônio na Hungria.

As medidas reconhecidas, ontem, são mais uma ofensiva deflagrada nos últimos meses contra a comunidade LGBTQIA+. Desde maio, está legalmente proibido registrar uma mudança de sexo no estado civil no país centro-europeu, membro da União Europeia (UE), onde Orban, há uma década sem interrupção no poder, promove o iliberalismo.

A Hungria já foi condenada pelos tribunais europeus por desrespeito à primazia do direito comunitário sobre a legislação nacional. Na semana passada, Viktor Orban anunciou a intenção de apresentar um recurso contra a introdução de um novo mecanismo que vincula o pagamento de fundos europeus a respeito do estado de direito

Orgia

A aprovação do pacote ocorreu dias após um ruidoso escândalo no governo húngaro. O eurodeputado Jozsef Szajer, aliado próximo de Viktor Orban, foi preso em uma orgia gay em pleno confinamento em Bruxelas. A revelação explodiu como uma bomba em Budapeste, onde a oposição e a imprensa denunciaram a hipocrisia do poder, que ataca a comunidade LGBTQIA+.

Acuado, Szajer, considerado um pilar do Fidesz, viu-se obrigado a renunciar, após admitir participação na noitada clandestina. “Jozsef Szajer tomou a única decisão pertinente”, reagiu a delegação do Fidesz no Parlamento Europeu, referindo-se ao pedido de desculpas e renúncia do deputado.

Após um longo silêncio, Viktor Orban também se manifestou sobre o episódio, que classificou de “um ato inaceitável e indefensável”, segundo um tuíte de seu porta-voz, Zoltan Kovacs. “O que nosso representante, Jozsef Szajer, fez, não tem justificativa para os valores de nossa família política”, acrescentou.

Pequenos avanços

Os direitos de lésbicas, gays e bissexuais tiveram um tímido avanço este ano, porém ainda há 69 países que criminalizam as relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo. Segundo informações da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais, essa lista tem um país a menos em relação a 2019: o Gabão revogou a penalização, meses após a aprovação. “É a lei de menor duração de seu tipo na história moderna”, disse o advogado argentino Lucas Ramón Mendos, coordenador de pesquisa da Ilga World e principal autor do relatório anual.

Segundo ele, até o fim do ano, o Butão também pode integrar essa relação — parlamentares aprovaram um projeto de lei para descriminalizar as relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo, que poderá ser promulgado em breve.

Segundo a associação, pelo menos 34 Estados-membros da das Nações Unidas, mais da metade dos que dispõem de leis criminalizadoras, aplicaram-nas nos últimos cinco anos.

“Onde quer que existam essas disposições, as pessoas podem ser denunciadas e detidas a qualquer momento, mesmo que sejam apenas suspeitas de ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo”, disse Mendos. “Os tribunais as perseguem ativamente e as condenam à prisão, açoitamento em público e até a morte.”