Durante 1.236 dias, Leopoldo López — fundador do partido Voluntad Popular e um dos principais líderes da oposição na Venezuela — permaneceu trancafiado na prisão militar de Ramo Verde, acusado de incitação à violência durante uma onda de protestos que deixaram 43 mortos, em 2014. Em 8 de julho de 2017, passou à prisão domiciliar, depois que o Tribunal Supremo de Justiça afirmou que a “concessão” foi dada por problemas de saúde. Em 24 de outubro passado, depois de 18 meses refugiado na Embaixada da Espanha, em Caracas, López partiu rumo ao exílio, em Madri, acompanhado da mulher, Lilian Tintori, e dos filhos, Manuela Rafaela, 11 anos, e Leopoldo Santiago, 7.
Em entrevista exclusiva ao Correio, o político venezuelano de 49 anos, formado em economia pela Universidade de Harvard, classificou as eleições legislativas do último domingo como “fraude” e “fracasso retumbante”. Também desqualificou a declaração de vitória por parte do presidente Nicolás Maduro. “É difícil falar em uma vitória esmagadora quando houve 70% de abstenção”, ironizou. Para López, a “ditadura (de Maduro)” é dotada de força bruta, mas não de legitimidade. Ele reconheceu que a luta da oposição tem sido marcada por “altos e baixos”, mas enalteceu o papel do presidente autoproclamado Juan Guaidó como “líder das forças democráticas que lutam pela liberdade”. Leia os principais trechos da entrevista.
Maduro declarou vitória esmagadora nas eleições e o controle da Assembleia Nacional. O que tem a dizer sobre isso?
É preciso esclarecer que o que ocorreu no domingo não foi uma eleição. Foi uma fraude. Uma eleição é, por exemplo, o que vocês têm no Brasil, periodicamente, para escolher as autoridades; um processo livre, com a participação de todas as forças políticas, sem presos nem perseguidos políticos, com liberdade de expressão, sem partidos ilegais ou sequestrados. Na Venezuela, não existem as mínimas condições que garantam a realização de uma eleição. Devemos ser muito cuidadosos e não chamar de “eleição” algo que é o contrário, a negação da via eleitoral, a antieleição. Em relação à fraude ocorrida, foi um fracasso retumbante. É difícil falar em uma vitória esmagadora quando houve 70% de abstenção. Além disso, votaram 40% menos eleitores do que em 2015, ano em que foi eleita a legítima Assembleia Nacional, presidida por Juan Guaidó. Se na fraude de domingo 70% dos venezuelanos se abstiveram, em 2015, mais de 70% dos venezuelanos votaram. Isso fala da ilegitimidade da fraude de 2020 e da legitimidade da eleição de 2015.
Como o senhor vê a reação de governos estrangeiros a essa suposta fraude?
Todos os aliados internacionais manifestaram repúdio à fraude. É uma posição que devem tomar todos os democratas do mundo, sem distinção de ideologias ou de partidos. Nossa luta é para conseguir que em nosso país ocorra uma eleição presidencial verdadeiramente livre, verificável e transparente. Que seja o povo aquele a decidir seu próprio destino. Nós levantamos a bandeira eleitoral. A ditadura e seus cúmplices levantam a bandeira da fraude.
Como ficará a luta da oposição, agora, que Maduro sustenta ter reconquistado a Assembleia Nacional?
A Assembleia Nacional não foi perdida. Insisto que ontem (domingo) não houve eleição. Houve uma fraude que não é reconhecida nem pelos venezuelanos nem pela comunidade internacional. A única forma universalmente aceita nos países democráticos para substituir qualquer corpo de representação popular é por meio de eleições livres. Isso não ocorreu. Por essa mesma razão, a Assembleia Constituinte de 2017 não é legítima, nem Maduro o é. Quanto à nossa luta, a partir de hoje começa a Consulta Popular, que tem o objetivo de mobilizar o povo venezuelano, dentro e fora do país, ante a fraude eleitoral, rechaçando-a e exigindo a realização de eleições livres. A comunidade internacional leva em conta que nós, venezuelanos, passamos vários anos lutando por nossa liberdade contra a ditadura mais cruel, corrupta e assassina que se viu em toda a história de nossa região. Seguimos de pé na luta pela liberdade. A consulta é uma excelente oportunidade para manifestar este espírito inabalável.
Quais serão as principais demandas das forças opositoras da Venezuela?
O líder das forças democráticas que lutam pela liberdade da Venezuela segue sendo Juan Guaidó. Ele é o presidente reconhecido pelos venezuelanos e por mais de 60 países. Nesse sentido, continuaremos com o compromisso de impulsionar três ações ou bandeiras: a realização de eleições livres; justiça internacional para os violadores de direitos humanos; e alívio e ajuda humanitária para o nosso povo.
Teoricamente, Maduro controlará toda a Venezuela. O senhor teme radicalização por parte de forças da oposição ou ruptura, com violência?
Temos de diferenciar repressão de controle. Maduro não controla nada na Venezuela. Falemos sobre a inflação, por exemplo: absolutamente descontrolada, uma hiperinflação. Falemos sobre a segurança: a lei é imposta pelas facções criminosas. Falemos sobre soberania: Maduro não controla o território e, hoje, na Venezuela, operam cartéis de narcotráfico e terroristas. A ditadura não tem, nem terá, legitimidade. Tem força bruta, mas legitimidade, não. Tampouco direito ou justiça. Todo mundo sabe que Maduro é um ditador, que usurpa, pela força, a Presidência da Venezuela, causando morte e dor a milhões. A ditadura está assinalada pela ilegitimidade. A legitimidade reside nas autoridades, cujo mandato emana da vontade livre e soberana do povo venezuelano. As forças democráticas terão firmeza de não desviar do caminho.
Analistas acusam a oposição de estar fragilizada e dizem que Guaidó apenas se mantém como figura simbólica...
Os altos e baixos são próprios de uma luta ampla e sacrificada. Milhões de pessoas sofrem, diariamente, com a fome, a pobreza, doenças, repressão e torturas. Milhões se encontram no exílio. Milhões de jovens profissionais, de estudantes universitários tiveram de deixar tudo e sair do país empurrados pela crise provocada pela ditadura. Todos pensamos e queremos uma mudança urgente. Mas todos sabemos que não podemos nos render, que devemos seguir lutando até a vitória. Eu sei que esta luta travada por nós tem muitos altos e baixos, mas estou convencido de que o importante, o que marcará o resultado final, será nossa capacidade de superar todas as adversidades e seguir até vencer. Lembro-me muito de (Simón) Bolívar: “Deus concede a vitória à constância”.
Por que o senhor deixou a Venezuela?
Quando tomei a difícil e dolorosa decisão de sair da Venezuela, o fiz porque me convenci de que, nesta circunstância, posso ser mais útil para a luta pela liberdade estando fora do país. Nunca quis sair de minha nação, nem mesmo quando uma prisão injusta e um julgamento infame se levantaram contra mim. Preferi o cárcere ao exílio. Passei vários anos confinado em uma prisão militar. O cárcere foi um tempo duro, não apenas para mim, mas para toda a minha família. No entanto, eu o suportei com a convicção de que o sacrifício era muito valioso e necessário para a luta pela liberdade. Onde quer que eu esteja, na minha casa em Caracas, na prisão, refugiado em uma embaixada ou no exílio, levanto-me e luto todos os dias, onde e como for, até alcançar a mudança que a Venezuela tanto necessita. Sair da Venezuela produz dor e nostalgia. É uma dor profunda que não só afeta a mim, mas a todos os 5 milhões de venezuelanos que foram obrigados a deixar o país devido a pior crise humanitária e política provocada pela ditadura de Maduro.