MUNDO

EUA enfrentam pandemia fora de controle, com disparada de casos e mortes

Com mais de 100 mil pessoas hospitalizadas e 2.804 mortos pela covid-19 em 24 horas, país enfrenta descontrole da doença e se prepara para os três meses mais difíceis da história da saúde pública. Joe Biden convida Fauci a integrar o novo governo

Neste momento, 100.226 pessoas estão hospitalizadas nos Estados Unidos depois de contraírem o Sars-CoV-2. Entre a manhã de quarta-feira e a manhã de ontem, 200.070 norte-americanos testaram positivo para o novo coronavírus e 2.804 morreram, vitimados pela covid-19. É o maior número de óbitos em um intervalo de 24 horas desde o início da pandemia. Como base de comparação, o Brasil registrou, ontem, 50.434 casos da doença e 755 mortes. Com o sistema de saúde sobrecarregado e com menos de 15% das unidades de terapia intensiva disponíveis, a Califórnia impôs novas medidas de restrição social em alguns dos condados. Pelos próximos 21 dias, algumas cidades ficarão obrigadas a fechar salões de beleza, playgrounds e centros de entretenimento familiar. Os restaurantes terão permissão para funcionar apenas para o serviço de entrega. Os estabelecimentos comerciais de varejo, por sua vez, somente poderão operar com 20% da capacidade. O estado mais populoso dos EUA registrou, entre quarta-feira e ontem, 19.140 infecções. Até o fechamento desta edição, os Estados Unidos contabilizavam 14.086.016 casos da covid-19 e 275.550 óbitos. O mundo, por sua vez, atingiu ontem as marcas de 1.502.728 mortos e 65.016.336 infecções.

Robert Redfield, diretor do Centro de Controle de Doenças (CDC), adverte que os próximos três meses “serão os mais difíceis” da história da saúde pública norte-americana. “Infelizmente, estamos assistindo a uma onda de contágios pelo país. Cerca de 90% dos nossos hospitais estão situados naquilo que chamamos de ‘zonas quentes’, em áreas de alta transmissão do coronavírus. O aumento de internações vai impactar negativamente na capacidade dos hospitais. Estamos em um período muito crítico para conseguirmos manter a resiliência do nosso sistema de saúde”, afirmou. O CDC estima que, apenas na semana do Natal, os EUA contabilizem entre 9.500 e 19.500 mortes. Na noite de ontem, o presidente eleito Joe Biden pediu ao infectologista Anthony Fauci, chefe da força-tarefa da Casa Branca para o combate à covid-19, que faça parte da equipe do novo governo.

Exaustão

Na unidade de terapia intensiva (UTI) para covid-19 do United Memorial Medical Center, em Houston (Texas), 88 dos 117 leitos estão ocupados. Joseph Varon, médico intensivista e diretor-geral do hospital, sente na pele a pressão. “Estou exausto. Tenho trabalhado por 259 dias consecutivos, sem um único dia de folga”, afirmou ao Correio, por telefone, o mexicano que foi protagonista de uma foto que ganhou o mundo. “Ser médico em uma UTI nos EUA é frustrante. Vejo pacientes com covid-19 todo o santo dia. Minhas enfermeiras se põem a chorar, no meio do expediente, à medida que mais doentes chegam em nosso hospital”, desabafou.

Varon lamenta que, cada vez mais, os cidadãos saem às ruas, ignoram o distanciamento social, abandonam o uso da máscara e se aglomeram em festas. “Somos nós que lidamos com as consequências”, desabafa. “Estamos nessa situação por conta das liberdades que temos nos Estados Unidos. Nasci no México, mas vivo nos EUA há 33 anos. Por aqui, podemos dizer ‘Não vou colocar a máscara’ e ninguém pode nos obrigar a fazê-lo”, disse. O médico relatou que, em mais de oito meses de pandemia, teve contato com histórias comovedoras de pacientes. “Desde aqueles que eram jovens e faleceram por conta da covid-19 até aqueles bem velhinhos, que se recuperaram sem problema. As UTIs de covid-19 são muito frias.”

Em meio a esse cenário crítico, as autoridades de Washington esperam começar a imunizar a população norte-americana ainda neste mês. A FDA, agência reguladora de drogas e medicamentos, recebeu pedidos de autorização para as vacinas Pfizer/BioNTech e Moderna. A expectativa do governo Donald Trump é de que, com essas duas vacinas, 100 milhões de pessoas sejam inoculadas até o fim de fevereiro. “Uma vez que a vacina esteja pronta e aprovada, Kamala Harris (vice) e eu vamos garantir que ela seja distribuída de forma equitativa, eficiente e gratuita para todos os americanos”, tuitou Joe Biden.

Depoimento

A história por trás da imagem que viralizou

“Sou chefe do comitê executivo e diretor-geral do hospital United Memorial Medical Center, em Houston (Texas). Tenho seis especialidades, incluindo as de médico intensiva, pneumologista, médico de urgências e pediatra. Sou muito aberto aos meios de comunicação, pois quero que as pessoas saibam o que se passa nas unidades de terapia intensiva para covid-19. Em 26 de novembro passado, no Dia de Ação de Graças, estava acompanhado pelo fotógrafo Go Nakamura. Quando caminhávamos dentro da unidade, um de meus pacientes, de 78 anos, estava parado e orando muito. Inconsolável, ele chorava como criança. Sem lembrar-me que Nakamura estava atrás de mim, eu me aproximei dele e lhe perguntei: ‘O que se passa?’ A resposta dele foi: ‘Eu quero estar com minha esposa’. Nesse momento, me deu muita tristeza e eu o abracei, sem saber que Nakamura tirava as fotos. Tudo o que eu queria fazer era conversar com o paciente e tranquilizá-lo. Esse senhor recebeu alta ontem (quarta-feira).”  Joseph Varon, médico da Unidade de Terapia Intensiva para covid-19 do United Memorial Medical Center, em Houston (Texas). Em depoimento ao Correio, por telefone.

 

Curtas

Obama, Bush e Clinton prontos para tomar vacina
Os ex-presidentes dos EUA Barack Obama (C), George W. Bush (E) e Bill Clinton (D) declararam-se dispostos a serem vacinados publicamente contra a covid-19. “Se Anthony Fauci me disser que esta vacina é segura e pode imunizar contra a covid, eu definitivamente vou tomá-la”, afirmou Obama, 59 anos, ao citar o infectologista que comanda a força-tarefa da Casa Branca. “Prometo que quando (a vacinação) for feita para pessoas com menos risco, vou tomar. Posso acabar fazendo isso na televisão, ou filmando, para que as pessoas saibam que confio nesta ciência.” Um assessor de Bush disse à emissora CNN que o republicano, de 74 anos, está disposto a ministrar sua dose “diante das câmeras”. O porta-voz de Bill Clinton, Ángel Ureña, disse que o democrata, de 74 anos, será vacinado publicamente, “se isso também encorajar os americanos”.

Itália tem recorde de 993 mortes em um dia
A Itália registrou 993 mortes por coronavírus entre quarta-feira e ontem, um número que supera o recorde anterior de 969 óbitos de 27 de março. Paralelamente foi registrado um aumento dos casos positivos, com 23.200 — 2.500 a mais do que na véspera. A região industrial da Lombardia, no norte, foi a mais afetada, com 347 mortes. “Tratam-se de números que nos fazem tremer”, confessou à imprensa Domenico Arcuri, comissário extraordinário para a covid-19. “O vírus é forte, mas sabemos contê-lo”, afirmou, após explicar que não podem ser relaxadas as medidas vigentes neste momento. “As medidas estão funcionando, mas reconheço que é difícil aceitá-las. Nosso sacrifício tem sido útil”, garantiu. Primeiro país afetado pelo coronavírus na Europa, a Itália registrou 58 mil mortes e o governo teme uma terceira onda depois das férias, se não forem tomadas ações restritivas.

Aos 99 anos, anciã vence covid-19 na Croácia
Muito pequena, aninhada em sua cama e com o polegar para cima, ela confirma que está tudo bem: uma croata de 99 anos sobreviveu à covid-19 depois de passar três semanas no hospital. Margareta Kranjcec, que vive em um lar para idosos em Karlovac, no centro da Croácia, foi internada no fim de outubro depois de testar positivo para o coronavírus. Stefica Ljubic Mlinac, diretora do estabelecimento, explicou à agência France-Presse que foram realizados testes nos hóspedes devido a vários casos de febre. Entre as pessoas infectadas, a quase centenária não apresentava sintomas. Mesmo assim, foi transferida para um hospital como medida de precaução. “É realmente surpreendente que o coronavírus não a tenha afetado”, afirmou Ljubic Mlinac.

Chile decide ampliar o estado de exceção
O Chile voltou a renovar por três meses o “estado de exceção constitucional por catástrofe” devido à pandemia. Com isso, a ordem pública continua nas mãos dos militares. O país completará um ano sob toque de recolher noturno. Trata-se de quarta prorrogação do estado de catástrofe, decretado pela primeira vez em 19 de março, quando o Chile registrou os primeiros casos da covid-19. Até o fechamento desta edição, o país tinha contabilizado 550 mil infectados e 15 mil mortos. Segundo o presidente Sebastián Piñera, o estado de catástrofe “permite, de modo excepcional, restringir as liberdades e os movimentos das pessoas e tomar medidas como quarentena e toque recolher, as quais estimamos serem necessárias e temos que dispor delas, caso sejam mais necessárias no futuro”. A medida deverá vigorar até 13 de março.