O Congresso argentino reabriu nesta terça-feira (1) o debate muito polarizado sobre a legalização do aborto, ao avaliar o projeto encaminhado pelo governo de Alberto Fernández, cujo governo espera que seja aprovado antes do final do ano.
A Câmara dos Deputados começou a debater o projeto em comissão e quer ter um parecer pronto para ser votado no dia 10 de dezembro. Se aprovado, seguirá imediatamente para o Senado, que o debaterá em comissão e no campus em sessões extraordinárias em dezembro, conforme previsto.
Segundo as posições antecipadas, o projeto conta com os votos necessários na Câmara dos Deputados, enquanto no Senado - tradicionalmente mais conservador - seu destino ainda é incerto.
Pioneira na promulgação de leis sobre casamento homossexual e identidade de gênero na América Latina, caso aprove a legalização, a Argentina poderá se juntar a Cuba, Uruguai, Guiana e Cidade do México, os únicos que têm aborto legal sem condições na região.
"Espero que desta vez seja aprovado. Há uma mudança muito forte, porque em 2018 não tínhamos o apoio do Executivo. Estou muito esperançosa. Na Câmara, não haverá problemas. Veremos no Senado", disse a advogada feminista Nelly Minjersky, de 91 anos, uma das fundadoras da Campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito (A Campanha), que apresentou oito projetos em seus 15 anos de existência.
Esta é a nona vez que um projeto de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol) chega ao Congresso, mas é o primeiro enviado pelo Executivo. Apenas uma vez, em 2018, o debate chegou a ir à votação. Foi aprovado na Câmara, mas rejeitado no Senado.
Nelly, advogada feminista, está entre os dez 10 expositores que falarão perante os deputados a favor do "voto verde" (pró-aborto), enquanto outros dez nomes defenderão o voto "celeste" (antiaborto). Serão válidas também as inúmeras intervenções de 2018.
O debate por videoconferência de cinco comissões é transmitida direto pelo canal da Câmara, DiputadosTV.
- Verdes vs celestes
"Não queremos mais mortas, nem meninas forçadas a sustentar a gravidez", clamam as ativistas a favor da IVE.
Em 2018, o movimento mobilizou centenas de milhares de mulheres, mas este ano, devido à pandemia de coronavírus, tiveram de limitar as manifestações a atos menores nas ruas e a ações nas redes sociais.
"Hoje começa outra história. Acompanhe-nos com AbortoLegalÉVida", tuitou La Campaña, convocando um "tuitaço" a favor da iniciativa que espera fazer reconhecer "um direito que garanta uma vida digna, respeite os direitos humanos, a saúde e a educação integral".
Ao enviar o projeto para o Parlamento em 17 de novembro para cumprir uma promessa eleitoral, Fernández disse que busca garantir "que todas as mulheres tenham acesso ao direito à saúde integral".
"O Executivo tomou uma decisão que é para tornar visível o enorme problema que temos com os abortos clandestinos", declarou aos deputados a chefe da Secretaria Jurídica e Técnica da Presidência da República, Vilma Ibarra, uma das promotoras do texto.
Ela alertou que "a política de criminalização ao aborto fracassou, a de ameaçar à prisão as mulheres diante da decisão de interromper a gravidez".
O texto oficial autoriza a IVE "até a 14ª semana de gestação". Outro ponto crucial é que pode haver "objeção de consciência" de profissionais da saúde, mas isso não deve impedir que a paciente seja atendida, "tanto no sistema público, quanto no privado".
Ao mesmo tempo, promove outro projeto que começou a ser tratado ontem, o qual cria um "seguro dos 1.000 dias", para fortalecer a atenção da mulher durante a gravidez e a dos filhos e filhas nos primeiros anos de vida, de modo a evitar um aborto motivado por causas econômicas.
Até agora, o aborto é permitido na Argentina em caso de estupro, ou de risco de vida para a mulher, uma legislação em vigor desde a década de 1920.
Estimativas apontam a realização de entre 370 mil e 520 mil abortos clandestinos por ano na Argentina, disse Ibarra.