ENTREVISTA

"Nós queremos muito o acordo com o Mercosul", diz embaixadora da Suécia

Embaixadora da Suécia no Brasil admite preocupação com Amazônia, elogia pacto com América do Sul e cita erros no controle da covid-19

Rodrigo Craveiro
Vicente Nunes
Sarah Teófilo
postado em 03/12/2020 06:00
 (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)
(crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)

A relação entre Brasil e Suécia é sólida e histórica. Mais de 200 empresas daquele país estão instaladas em território brasileiro, responsáveis pela geração de 70 mil empregos. Com foco na inovação, os suecos pretendem aprofundar ainda mais essa cooperação bilateral, principalmente na produção de biogás e no setor de transportes sustentáveis. A parceria estratégica entre Brasília e Estocolmo tem como exemplo mais importante a aquisição de 36 caças Gripen pelo governo brasileiro. “É o maior acordo comercial firmado pela Suécia com outra nação. Podemos ver muitas coisas fluindo isso”, diz a embaixadora da Suécia no Brasil, Johanna Brismar Skoog.

O país da Escandinávia não esconde a preocupação com o desmatamento da Amazônia e defende o acordo entre União Europeia e Mercosul. “Trata-se de um acordo sobre diálogos em relação a direitos humanos, energia e meio ambiente. Não somente comércio. Por isso, é muito importante tê-lo”, afirma a diplomata. Ela conta que visitou a Amazônia entre 4 e 6 de novembro, acompanhada do vice-presidente Hamilton Mourão. “Vimos que as autoridades brasileiras têm a tecnologia apropriada para monitorar o que está acontecendo. Acho que a parte difícil é combater todas as atividades ilegais”, explica.

Johanna ressalta que todos estão “muito preocupados com o desmatamento de florestas tropicais” e acrescenta que sua nação deseja se tornar independente do carbono até 2035. “Todos os países amazônicos têm responsabilidade em trabalhar em conjunto. Se eles quiserem apoio, nós deveremos fazê-lo. É uma via de mão dupla”, diz. A embaixadora aborda a pandemia da covid-19 e admite que a Suécia cometeu “erros fundamentais”, especialmente em relação aos cuidados com os idosos. “Temos recebido críticas por não adotarmos um lockdown formal. Os suecos seguem recomendações das autoridades e tratam o assunto de modo muito sério. Nós respeitamos (o vírus)”, frisa. Leia os principais trechos da entrevista ao Correio.

Como foi a sua percepção em relação ao desmatamento quando a senhora visitou a Amazônia na companhia do vice-presidente, Hamilton Mourão?

Nós visitamos uma área não tão afetada pelo desmatamento. O governo nos mostrou que tem instituições para realizar o monitoramento e a vigilância. Visitamos o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a Polícia Federal, e vimos todos os sistemas de monitoramento. Pelo fato de a Amazônia ser uma região enorme, torna-se difícil combater atividades ilegais. Cabem 12 Suécias na Amazônia.

A senhora percebeu que os locais visitados eram os menos afetados pelo desmatamento ou o governo lhe informou isso?

Essa foi a minha quarta vez na Amazônia. Estivemos, agora, a uns 30km da fronteira com a Colômbia e a Venezuela, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O vice-presidente Mourão nos disse que, da próxima vez, nos levará à parte mais afetada, no oeste do Pará.

Na mais recente viagem à Amazônia,o que a senhora constatou?

Como eles tinham muitas coisas para nos mostrar, nós vimos as instituições de monitoramento e o que elas têm feito. É claro que esta foi a única fonte de informação que tivemos. Foi bem interessante, a viagem teve uma agenda lotada. Vimos que eles têm a tecnologia apropriada para monitorar o que está acontecendo. Mas, como mencionei, acho que a parte difícil é combater todas as atividades ilegais.

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, prometeu um consórcio internacional de US$ 20 bilhões para proteger a Floresta Amazônica. Como vê isso?

Se os EUA quiserem fazer isso, é uma escolha deles. Acho que o meu governo está distante disso, no momento. Já vimos em ocasiões anteriores que o governo brasileiro pode reduzir o desmatamento. O Brasil pode se sair bem. Eu confio plenamente em que isso possa ser feito. Vocês têm todas as instituições trabalhando juntas.

O desmatamento no Brasil é uma preocupação para a Suécia?

A Suécia deseja se tornar um dos primeiros países que não dependam de carbono até 2035. Este é um grande desafio pelo qual temos trabalhado de modo consistente, tanto domesticamente quanto no âmbito internacional. É claro que o Acordo de Paris é uma base muito importante para isto. Estamos preocupados com o desmatamento de florestas tropicais. E isso não ocorre apenas aqui, mas em todos os lugares. As florestas tropicais são uma pré-condição para o clima. Todos os países amazônicos têm responsabilidade em trabalhar em conjunto. Se eles quiserem apoio, nós deveremos fazê-lo. É uma via de mão dupla.

O fato de o presidente eleito dos EUA se posicionar a favor da Amazônia e, mais do que isso, sinalizar a volta ao Acordo de Paris não é importante?

Sim, é uma sinalização importante. Nós precisamos dos Estados Unidos ao nosso lado, dentro do Acordo de Paris, para lutarmos por um clima melhor e determos o aquecimento global. Nós vemos as consequências, os furacões no Caribe... Precisamos fazer algo com urgência sobre o clima. Quanto mais países lutarem por isso, melhor.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a prometer a divulgação de uma lista de nações que compram madeira brasileira. A Suécia está nessa lista?

Isso foi algo que discutimos na viagem à Amazônia. A Polícia Federal mostrou-nos o seu trabalho, algo impressionante. Não se trata do DNA, mas você pode ver exatamente onde as árvores cresceram. Nós estivemos com pessoas que realmente se engajam na luta contra o desmatamento ilegal. Nós conversamos sobre os países desta lista. A Suécia não estava entre essas nações. É claro que não queremos a entrada, em nosso território, de nenhum produto ilegal. Estamos muito felizes em trabalhar com as autoridades brasileiras para assegurar que tenhamos um bom sistema.

Os investidores suecos têm cobrado muito, junto ao governo da Suécia, por uma posição mais firme em relação ao desmatamento no Brasil?

São companhias privadas, que têm uma visão particular, baseada nos desejos dos clientes. Isso não ocorre apenas na Suécia, mas em todo o mundo. São clientes de bancos e compradores de ativos, cada vez mais preocupados com a sustentabilidade. Querem investir em sustentabilidade. Isso é algo que os investidores decidem fazer por conta própria. É claro que eles têm uma parceria com o governo. Eles têm um diálogo com o vice-presidente e desejam continuar mantendo investimentos no Brasil, pois acreditam que é um país importante. Há muitas coisas boas para se investir aqui.

Qual é a posição da Suécia sobre o acordo Mercosul-União Europeia (UE)?

Nós somos um país de livre comércio. Acreditamos que o livre comércio é a chave para o desenvolvimento. Nós queremos muito o acordo, por motivos estratégicos e políticos. Trata-se de um importante instrumento pelo qual trabalhamos. Ao mesmo tempo, é um documento que precisa passar pelo Parlamento Europeu e pelos Legislativos dos países. A pressão da população, em relação à sustentabilidade, é algo que realmente influencia a habilidade dos países de ratificarem o acordo. Esperamos encontrar uma solução em breve.

Um dos pontos que atrapalha o acordo envolve os problemas enfrentados pelo Brasil com o desmatamento e as queimadas. É o principal entrave para um acordo entre Mercosul e UE?

Para nós, acreditamos que a forma do texto, um tipo de acordo abrangente, é bem forte. É muito importante encontramos uma maneira para que todos o assinem, para que todos ratifiquem seus princípios. Nós poderemos ratificar o acordo. Nós gostaríamos de encontrar uma solução que satisfaça as populações europeias e os brasileiros.

Na sua avaliação, um acordo entre União Europeia e Mercosul é importante para a Europa?

Sim. É importante para as duas partes. Depois de uma negociação de 20 anos, conseguimos fazer um acordo. É muito importante, pois abriria os mercados de ambos os lados. No entanto, o acordo é muito mais amplo do que isso. Trata-se de um acordo sobre diálogos em relação a direitos humanos, energia e meio ambiente. Não somente comércio. Por isso, é muito importante tê-lo.

No início da pandemia da covid-19,a Suécia não adotou medidas quase draconianas tomadas por várias nações europeias. O seu país enfrenta um aumento nos casos de infecção. Foi uma aposta errada?

Cada país adota estratégias que se ajustem melhor à população. Entre 60% e 70% dos suecos ficaram muito satisfeitos com as medidas que adotamos. Eu creio que cometemos alguns erros fundamentais, principalmente no que diz respeito ao cuidado aos idosos em asilos. Eles são mais frágeis e muitos têm vários problemas, não apenas a idade, mas demência e outras doenças. O meu governo está investigando isso para termos certeza de que não ocorrerá de novo. A média de idade das pessoas falecidas devido à covid-19 na Suécia foi de 82 anos. É uma população muito idosa, que apresentou a maior mortalidade. Estamos criando estratégias com base nas condições apresentadas agora. Nós temos visto um aumento (de casos) e temos passado do estágio “seguro” para o “não seguro”, porque o vírus tem maior atividade em tempos frios e secos.

A Suécia enfrenta uma segunda onda da pandemia atualmente?

Sim, estamos enfrentando a segunda onda. Nós sabemos muito mais do que antes sobre como evitar a transmissão desse vírus. Estamos encorajando as pessoas a permanecerem em suas casas. As escolas ainda estão abertas, mas algumas decidiram manter o método híbrido de ensino. Os estabelecimentos comerciais estão abertos. Temos recebido críticas por não adotarmos o lockdown formal. Os suecos seguem recomendações das autoridades e tratam o assunto de modo muito sério. Nós respeitamos (o vírus). Não temos a possibilidade de trancar as pessoas em suas casas. Isso vai contra a nossa Constituição.

O que representa a parceria com o Brasil em relação à venda dos caças Gripen?

Esta é a parte mais importante da nossa parceria estratégica com o Brasil. É o maior acordo comercial médio com outra nação. Nós podemos ver muitas coisas fluindo disso. Não apenas com a Embraer ou com as Forças Armadas brasileiras, mas temos trabalhado em conjunto de engenheiros. Veremos muitos subprodutos a caminho. As empresas brasileiras estão integrando partes da aeronave, como a AEL Sistemas, de Porto Alegre, que produz telas de radar em todos os caças Gripen.

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