Aconteceu na Boulevard Mostafa Khomeini, perto da entrada da cidade de Absard, 90km a leste de Teerã. Por volta das 14h30 desta sexta-feira (27/11) (8h em Brasília), atiradores a bordo de uma SUV dispararam contra o carro que levava Mohsen Fakhrizadeh, considerado o pai do programa nuclear iraniano. Cerca de 15 segundos depois, uma picape Nissan explodiu a 20m de distância. Entre os dois incidentes, houve uma troca de tiros entre os agressores e seguranças. De acordo com a agência de notícias estatal iraniana Isna, Fakhizadeh foi ferido gravemente e transferido por helicóptero até o hospital, onde morreu. A mídia estatal divulgou fotos do carro com o parabrisa estilhaçado, ao lado de poças de sangue e em meio a destroços. Farizadeh era o chefe da Organização de Inovação e Pesquisa do Ministério da Defesa. Segundo os serviços de inteligência ocidentais, ele foi o principal responsável pelos esforços de Teerã de produzir ogivas nucleares adaptadas a mísseis balísticos.
As reações do alto escalão do regime iraniano foram imediatas. O chanceler Javad Zarif acusou diretamente Israel. “Terroristas assassinaram um eminente cientista iraniano hoje. Esta covardia — com sérias indicações do papel israelense — mostra um belicismo desesperado dos perpetradores”, escreveu no Twitter. “O assassinato deste hábil e digno dirigente foi um duro golpe para o complexo de defesa do país. No entanto, os inimigos sabem que o caminho iniciado pelo mártir Fakhrizadeh jamais será interrompido. Os grupos terroristas e os autores dessa ação covarde devem saber que uma terrível vingança os espera”, avisou o general Mohammad Bagheri, chefe do Estado-Maior do Irã.
Citado pela agência estatal de notícias Isna, Hossein Salami — chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica — também prometeu uma retaliação severa. “Os cegos inimigos do Irã, particularmente os planejadores e coordenadores deste covarde ato de terrorismo, devem entender que tal selvageria não causará uma única ruga em nossa vontade coletiva de conquistar horizontes científicos brilhantes e estar cientes de que a difícil vingança os aguarda”, comentou.
Silêncio
Por sua vez, Ali Akbar Velayati, conselheiro para Assuntos Internacionais do aiatolá Ali Khamenei, declarou que “a nação iraniana vingará o sangue deste grande mártir”. O comandante Hossein Deghan, assessor militar do líder supremo do Irã, usou uma retórica belicista. “Nós atacaremos, como um trovão, os assassinos deste mártir oprimido e os faremos lamentar sua ação”, afirmou, ao pontuar que, “nos últimos dias da vida política de seu aliado (o presidente dos EUA, Donald Trump), os sionistas (Israel) buscam intensificar a pressão sobre o Irã e criar uma guerra total.” Até o fechamento desta edição, o gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não tinha se pronunciado sobre as acusações.
O governo Trump também mantém silêncio em relação ao atentado. O magnata republicano apenas limitou-se a retuitrar uma reportagem do The New York Times sobre o assassinato de Fakrizadeh e um tuíte em que o jornalista israelense Yossi Melman sublinhava que o cientista nuclear era “chefe do programa militar secreto do Irã e procurado há muitos anos pelo Mossad (serviço secreto de Israel)”. Melman disse que a morte de Fakrizadeh é um golpe psicológico e profissional para o Irã. John Brennan, ex-chefe da Agência Central de Inteligência (CIA), alertou que o crime em Absard é “um ato criminoso e extremamente perigoso”, com potencial de causar “represálias letais e nova fase do conflito regional”. “Tal ato de terrorismo de Estado constituiria uma violação flagrante do direito internacional e animaria mais governos a realizar ataques mortais contra funcionários estrangeiros”, acrescentou, sem citar Israel.
Golpes
“Este é o segundo grande golpe contra o regime iraniano, depois que os EUA assassinaram o general Qassem Soleimani (comandante da Força Quds), em 3 de janeiro de 2020. No intervalo de um ano, Teerã perdeu duas importantes personalidades nos campos nuclear e militar”, explicou ao Correio Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e especialista em Oriente Médio pela Universidade de Harvard. De acordo com o estudioso, Fakrizadeh era uma figura-chave do establishment teocrático. “Ele estava no comando da dimensão armamentista do programa nuclear desde 1998, em substituição a Shahmoradi-Zavareh, cujas mensagens indicando que Irã desenvolvia armas nucleares foram interceptadas pelos serviços de inteligência do Ocidente”, observou. Rafizadeh ressaltou que Fakrizadeh tinha conexões próximas com cientistas nucleares da Coreia do Norte e fez várias viagens a Pyongyang.
O jornalista iraniano Reza Kaasteh, editor do site Iran Front Page, disse à reportagem que autoridades do país reconheciam “a intensa contribuição da promoção do ‘poder de defesa’ do Irã”. “Hoje (ontem), estudantes linha-dura protestaram do lado de fora do prédio do Conselho de Segurança Nacional Supremo, advertindo o governo contra qualquer negociação com a administração de Joe Biden (Estados Unidos). Então, aparentemente a missão foi cumprida. O assassinato tinha a intenção de influenciar o diálogo entre Irã e EUA.”
Personagem da notícia
Um “Oppenheimer” de Teerã
Em 2015, o jornal The New York Times comparou Mohsen Fakhrizadeh a “um Robert Oppenheimer do Irã” — uma alusão ao físico norte-americano responsável pelo Projeto Manhattan, o qual culminou desenvolvimento da bomba atômica dos EUA, na Segunda Guerra Mundial. Figura obtusa e extremamente discreta, Fakhrizadeh era acusado pelos serviços de inteligência do Ocidente de ter um papel fundamental na criação dos meios para montar uma ogiva nuclear, utilizando, como fachada, o programa de enriquecimento de urânio.
De acordo com o jornal The New York Times, Fakhrizadeh tinha 59 anos e atuou como força motriz do programa de armas nucleares do Irã por duas décadas. Segundo dossiês de inteligência dos Estados Unidos e de Israel, o programa continuou a funcionar depois que grande parte foi silenciosamente dissolvida nos anos 2000. Em 2008, o nome de Fakhrizadeh foi adicionado a uma lista de autoridades iranianas cujos bens foram congelados nos EUA.
Depoimento
“Ato de terror visava a paz”
"Está claro que, como em casos anteriores, terroristas assassinaram um eminente cientista iraniano hoje (ontem). ‘Nada pode justificar o terrorismo’ — é o principal princípio mencionado em todos os documentos legais, inclusive aqueles do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Este ato de terror também visava a paz e a diplomacia em um mundo altamente golpeado pela pandemia do coronavírus e que necessista, desesperadamente, de bem-estar econômico.
Os belicistas somente podem sobreviver com mais derramamento de sangue e com atos selvagens. Não há como as realizações científicas serem mortas e eliminadas. Aqueles que possuem e ameaçam outros com armas nucleares ilegítimas não podem prejudicar a nossa indústria nuclear pacífica."
Hossein Gharibi, embaixador da República Islâmica do Irã em Brasília
Eu acho...
"Sem dúvida, o Irã tentará retaliar contra Israel e os EUA. É mais provável que o Mossad esteja envolvido neste caso, porque foi Israel quem revelou quem era Fakhrizadeh e divulgou sua foto em 2018. Fakhrizadeh era muito reservado e ninguém sabia de sua aparência física até a revelação de Israel. O regime iraniano o substituirá por outro cientista nuclear e continuará a desenvolver o seu programa nuclear."
Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano, professor da Universidade de Harvard e especialista em Oriente Médio
Tuitada
"Terroristas assassinaram um eminente cientista iraniano hoje. Esta covardia — com sérias indicações do papel israelense — mostra um belicismo desesperado dos perpetradores. O Irã apela à comunidade internacional, e em especial à União Europeia, para pôr fim aos vergonhosos padrões duplos e condenar este ato de terror de Estado."
Javad Zarif, ministro das Relações Exteriores do Irã
"Lembrem-se desse nome"
A frase proferida pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em 30 de abril de 2018, durante um briefing à imprensa sobre o programa nuclear do Irã, na sede do Ministério da Defesa de Israel, em Tel Aviv. “Lembrem-se desse nome: Fakhrizadeh”, sugeriu, ao explicar o papel do cientista nuclear no Projeto Amad, que começou em 1989 e foi interrompido em 20033. O Projeto Amad era voltado ao desenvolvimento de ogivas nucleares para os mísseis balísticos da República Islâmica. Durante a palestra, Netanyahu divulgou que Israel obteve 100 mil arquivos sobre as atividades nucleares iraninas e os exibiu em uma estante levada ao palco.