O impacto das vacinas contra a covid-19 vai crescer rapidamente no meio de 2021, e a vida deve voltar ao normal até o próximo inverno no hemisfério norte, no fim do ano que vem. A projeção é feita por um dos criadores de uma das candidatas a vacina mais promissoras contra o novo coronavírus.
Ugur Sahin, co-fundador da companhia alemã BioNTech, também disse que o imunizante criado por sua empresa em parceria com a Pfizer pode também evitar infecções, resultando em uma "redução dramática dos casos".
Na semana passada, a BioNTech e a Pfizer anunciaram que os resultados preliminares da vacina poderia prevenir que mais de 90% das pessoas sejam infectadas por covid-19.
Cerca de 43 mil pessoas fazem parte dos estudos da vacina das duas empresas, que ainda estão em andamento. O imunizante ainda não recebeu autorização para ser distribuído em nenhum país.
Em entrevista ao programa Andrew Marr Show, da BBC, Sahin afirmou esperar que novas análises dos resultados dessa vacina BioNTech/Pfizer apresentem tanto uma redução da transmissão do vírus entre as pessoas quanto um bloqueio ao desenvolvimento dos sintomas por quem for infectado.
"Estou muito confiante de que a transmissão entre as pessoas será reduzida por uma vacina tão eficaz. Talvez não 90%, mas talvez 50%. Não devemos, entretanto, esquecer que mesmo isso pode resultar em uma redução dramática da propagação da pandemia", disse.
O Reino Unido deverá receber 10 milhões de doses da vacina BioNTech/Pfizer até o final de 2020, com mais 30 milhões de doses já encomendadas. O imunizante, que foi testado em seis países, é dado em duas doses, com três semanas de intervalo entre eles.
Após o anúncio da primeira vacina eficaz do mundo na semana passada, John Bell, professor de medicina da Universidade de Oxford, sugeriu que a vida poderia voltar ao normal na primavera.
"Provavelmente sou o primeiro a dizer isso, mas direi com alguma confiança", disse Bell.
Para Sahin, que é professor na Universidade de Mainz, isso deve demorar mais.
Se tudo correr bem, disse, a vacina começaria a ser entregue no "final deste ano, início do próximo ano".
Sahin afirmou que a meta atual é entregar mais de 300 milhões de doses em todo o mundo até abril de 2021, o que "poderia nos permitir apenas começar a causar impacto".
Ele disse que o maior impacto aconteceria depois. "O verão nos ajudará porque a taxa de infecção diminuirá, e o que é absolutamente essencial é que tenhamos uma alta taxa de vacinação antes do outono / inverno de 2021."
Sahin disse que é essencial que todos os programas de imunização sejam concluídos antes do próximo outono, que começa em setembro de 2021 no hemisfério norte.
Também há dúvidas sobre uma eventual distribuição dela no Brasil.
Em julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a realização do estudo clínico de fase 3 da vacina da Pfizer/BioNTech no país. Mas até o momento não existem conversas formais entre as duas empresas e o governo federal.
As farmacêuticas passaram também a negociar diretamente com governos estaduais. Se essas negociações forem bem-sucedidas (e, claro, a vacina for aprovada), as primeiras doses só chegariam eventualmente ao Brasil a partir dos primeiros meses de 2021. As entregas de 2020 já estão destinadas para outras partes do mundo.
Eficácia em idosos ainda é incerta
Questionado se a vacina era tão eficaz em pessoas mais velhas quanto nas mais jovens, ele disse que poderia dar uma resposta mais precisa com informações que surgirão nas próximas três semanas.
Sahin disse que ainda não se sabe quanto tempo dura a imunidade após a segunda dose da vacina ser aplicada. No entanto, disse ele, uma imunização de reforço "não deve ser muito complicada" se for constatado que a imunidade caiu significativamente após um ano.
Segundo ele, os "principais efeitos colaterais" da vacina registrados até agora foram uma dor leve ou moderada no local da injeção por alguns dias, enquanto alguns participantes tiveram uma febre leve a moderada també por alguns dias.
"Não vimos quaisquer outros efeitos colaterais graves que resultariam na pausa ou interrupção do estudo."
A vacina BioNTech/Pfizer é uma das 11 atualmente em fase final de testes.
E seu uso não será liberado até que passe nas análises de segurança e receba aprovação de órgãos como a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA), do Reino Unido, e a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil.
O governo britânico pretende, caso essa vacina seja aprovada, começar a distribuição a partir de dezembro. Mas o primeiro-ministro, Boris Johnson, exortou as pessoas a não relaxarem as medidas de distanciamento social. Segundo ele, o desenvolvimento da vacina "superou um obstáculo enorme, mas há vários outros a serem eliminados".
Outra preocupação é a eficácia das vacinas contra eventuais mutações do coronavírus. Esse temor ganhou força depois que 12 pessoas foram identificadas com uma cepa do vírus relacionada ao vison após um surto na Dinamarca.
Para a professora de virologia Wendy Barclay, consultora científica do governo britânico, há uma "preocupação" de que as vacinas atualmente em desenvolvimento "não funcionem tão bem porque o vírus continua a evoluir".
Esperança sem exagero: Análise, por Michelle Roberts, editora de saúde da BBC News
A vacina da BioNTech/Pfizer deu um grande impulso de confiança de que o fim da pandemia está próximo, o que levou o cientista que liderou seu desenvolvimento a estimar que a vida pode voltar ao normal no próximo inverno.
Mas ainda há grandes dúvidas.
A vacina precisa de aprovação de órgãos regulatórios, e isso só ocorrerá se eles estiverem satisfeitos com os dados de segurança e eficácia. Os dados preliminares parecem muito bons, mas é necessário aguardar os resultados finais nas próximas semanas.
Ainda não há dados suficientes para concluir quão bem essa vacina funciona naqueles que mais precisam: os idosos. Nem se elas impedem as pessoas de contraírem o vírus.
Se houver essa aprovação, ainda levará tempo para imunizar e proteger um número suficiente de pessoas.
Outras vacinas contra a covid-19 podem surgir e funcionar, numa atuação em conjunto, tão bem ou até melhor do que esse imunizante da BioNTech/Pfizer.
A história de amor que levou à BioNTech
Os resultados positivos da vacina contra a covid-19 se tornaram um sucesso inesperado para o casal de filhos de imigrantes turcos por trás da empresa de biotecnologia fundada na Alemanha que dedicou a vida a proteger o sistema imunológico contra o câncer.
De raízes humildes, o filho de um imigrante turco que trabalhava em uma fábrica da Ford em Colônia se tornaria, anos depois, o presidente-executivo da BioNTech. Hoje com 55 anos, Ugur Sahin figura entre os 100 alemães mais ricos, junto com sua mulher e colega Öezlem Türeci, 53, filha de um médico turco.
Para o jornal berlinense Tagesspiegel, o sucesso do casal foi um "bálsamo para a alma" dos alemães de raízes turcas após décadas sendo estereotipados na Alemanha como "verdureiros sem formação".
A Alemanha tem uma grande comunidade de origem turca, mas esses imigrantes ou descendentes muitas vezes são alvo de preconceito.
Sahin e Türeci são filhos de trabalhadores que migraram para a Alemanha como parte da primeira geração de imigrantes turcos convidados pelo país, num programa conhecido como Gastarbeiter.
Perseguindo obstinadamente seu sonho de infância de estudar medicina e se tornar médico, Ugur Sahin (ou U?ur ?ahin, no alfabeto turco) se formou em 1990 e trabalhou em hospitais-escola em Colônia e na cidade-universitária de Homburg, no sudoeste alemão, onde conheceu Türeci durante o início de sua carreira acadêmica.
A pesquisa médica e a oncologia tornaram-se uma paixão comum.
Türeci, filha de um médico turco que havia migrado para a Alemanha antes do nascimento dela, disse em uma entrevista à mídia local que, mesmo no dia do casamento, ambos ainda arranjaram tempo para trabalharem no laboratório.
Juntos, eles se especializaram nos estudos do sistema imunológico como um aliado potencial na luta contra o câncer e tentaram lidar com a composição genética única de cada tumor.
A vida como empreendedores começou em 2001, e a BioNTech foi fundada em 2008.
A história da BioNTech sofreu uma reviravolta quando Sahin encontrou em janeiro de 2020 um artigo científico sobre um novo surto de coronavírus na cidade chinesa de Wuhan. Naquele momento, ele se deu conta de como era pequena a distância entre medicamentos anti-câncer de mRNA e vacinas virais baseadas em mRNA.
A BioNTech rapidamente designou cerca de 500 funcionários para projetar na "velocidade da luz" vários compostos possíveis. A iniciativa atraiu a gigante farmacêutica americana Pfizer e a farmacêutica chinesa Fosun como parceiras pouco depois, em março.
"Nossa nova tarefa é derrotar este vírus. Esse é um dever humanitário", disse Sahin a sua equipe, segundo o jornal britânico The Telegraph.
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