O Vale do Silício elogiou a vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos, mas espera enfrentar o desafio de políticos de todas as lojas diante das preocupações com a onipotência dos gigantes da tecnologia.
"A grande tecnologia sabe que tanto republicanos quanto democratas têm reclamações contra a forma como a indústria está operando e se preparam para mais supervisão e regulamentação", disse Darrell West, pesquisador sênior do Centro de Inovação Tecnológica da Brookings Institution.
Antimonopólio, moderação de conteúdo, política de imigração - há vários problemas que empresas como Google, Apple, Facebook e outros grupos do Vale do Silício se preparam para enfrentar sob a administração Biden.
Luta antimonópolio
As ações das autoridades americanas contra o Gafa (sigla para Google, Amazon, Facebook e Apple) por abuso de posição dominante continuarão depois que Joe Biden assumir a presidência em 20 de janeiro.
O processo para o governo federal e vários estados da União reclamaram em outubro contra a Google por tentativa de monopolizar ilegalmente buscas online e publicidade pode levar anos.
Apple, Facebook e Amazon, que já estão sujeitos a vários processos judiciais, também podem ser alvos legais.
A ala mais à esquerda do Partido Democrata gostaria de desmantelar esses grupos. Mas, para Daniel Ives, da Wedbush Securities, "como os republicanos provavelmente manterão o controle do Senado, os investidores descartam a possibilidade de aprovar grandes mudanças nas leis antimonopólio".
No entanto, espera-se que as relações entre a Casa Branca e os gigantes da Internet sejam menos tumultuadas do que sob o republicano Donald Trump, como evidenciado pelo entusiasmo de muitos líderes dos gigantes da tecnologia (Bill Gates, Jeff Bezos, Sheryl Sandberg etc.) para parabenizar Joe Biden após sua vitória na semana passada.
A vice-presidente eleita Kamala Harris, senadora da Califórnia, tem laços estreitos com a indústria. Seu cunhado e ex-chefe de gabinete, Tony West, é o diretor jurídico do Uber.
Moderação
A moderação das publicações nas redes sociais e nas principais plataformas da internet deverá continuar a alimentar o debate político, com destaque para o artigo 230.º da "Lei da Decência nas Comunicações".
Esta lei, difamada pelos setores mais à esquerda e à direita do espectro político, impede processos judiciais relacionados com conteúdos publicados por terceiros. Os democratas acreditam que exonera os sites de suas responsabilidades, enquanto os republicanos reclamam de ataques à liberdade de expressão.
Joe Biden disse que quer "revogar" a Seção 230, mas não deu mais detalhes.
Para Robert Atkinson, presidente do think tank da Information Technology and Innovation Foundation, os comentários "são mais declarações de campanha do que qualquer outra coisa" e é improvável que a lei seja imediatamente revogada.
O governo Biden também deveria votar a favor do princípio da igualdade de tratamento e acesso ao conteúdo online, conhecido como "neutralidade da rede", ao qual Trump se opõe.
Outro assunto em pauta é a proteção da privacidade na Internet, um dos principais pontos de discórdia entre Washington e o Vale do Silício.
Atkinson considera a possibilidade de uma legislação mais rígida contra o Gafa, inspirando-se na legislação atual na União Europeia, embora provavelmente possam ser bloqueados no Senado se os republicanos mantivessem a maioria depois que as cadeiras do estado da Geórgia fossem resolvidas em 5 de janeiro.
China
Joe Biden poderá continuar com a política de "desacoplamento" das economias dos Estados Unidos e da China, iniciada por Donald Trump no contexto do conflito comercial sino-americano.
Também poderá dar um novo rumo à guerra tecnológica que se trava entre os dois países e que tem levado à restrição das atividades em solo norte-americano por empresas chinesas como o grupo de telecomunicações Huawei ou a plataforma ByteDance, empresa-mãe da TikTok.
Os defensores da tecnologia nos EUA, cuja cadeia de suprimentos depende muito da China, esperam uma mudança de direção.
"Wall Street parece pensar que uma presidência de Biden adotará um tom um pouco mais amigável com a China nas disputas tecnológicas e políticas", disse Daniel Ives, que, no entanto, acredita que questões cruciais como roubo de dados, proteção da privacidade e da propriedade intelectual continuarão a ser o foco das atenções.
Vistos
A nova administração também pretende revogar os decretos de Trump que restringem vistos para trabalhadores estrangeiros graduados, cujas habilidades são valorizadas por grandes grupos de tecnologia dos EUA.
"As empresas de tecnologia apreciarão as medidas de imigração mais justas de Biden, que permitiriam que trabalhadores altamente qualificados entrassem nos Estados Unidos porque é essencial para seus negócios", disse West, cunhado de Kamala Harris.
No entanto, Biden deve ter cuidado "para não dar a impressão de que essas medidas estão prejudicando o emprego nos Estados Unidos", alertou Patrick Moorhead da Moor Insights & Strategy.