Na terça-feira mais importante dos últimos quatro anos para o cenário político norte-americano, os rivais Donald Trump e Joe Biden não baixam a guarda e continuam buscando votos. O republicano encerra a campanha às13h30 (15h30, horário de Brasília) em Grand Rapids, Michigan, depois de passar, na véspera, por Fayetteville (Carolina do Norte) e Avoca (Pensilvânia). A cidade que escolheu para o último discurso é a segunda mais populosa do estado, onde o rival democrata lidera, segundo as pesquisas, com 49,9% das intenções de votos, contra 44,4%.
Joe Biden, à frente de 10 dos 13 estados-chave na corrida presidencial, vai se encontrar com eleitores de duas cidades da Pensilvânia, em que também é favorito, com três pontos percentuais à frente do atual presidente dos Estados Unidos (49% contra 46%).
Ao fim de uma campanha fortemente afetada pela covid-19 — Biden abriu mão dos comícios no início da pandemia, Trump foi infectado já na reta final e se espera um número recorde de votos pelos correios —, as últimas pesquisas antes do pleito apontam a vitória do democrata. Em 30 enquetes divulgadas ontem pelo jornal The New York Times, o rival do atual governante vencia em 27.
Segundo a média das pesquisas do portal RealClearPolitics, Biden tem a dianteira, com 50,7% das preferências e vantagem de 6,8 pontos sobre Trump (43,9%). É mais que o dobro da frente que tinha a candidata Hillary Clinton em 2016, na véspera da votação.
“Cada dia é uma nova lembrança de tantas coisas que estão em jogo, do quão longe o outro lado irá para tentar fazer com que as pessoas não votem”, disse Biden no domingo, em um de seus atos de campanha. “Especialmente na Filadélfia. O presidente Trump está apavorado com o que pode acontecer na Pensilvânia”, discursou. Depois do Texas (com 38 votos) e da Flórida (29), a Pensilvânia é o terceiro que dá mais votos ao Colégio Eleitoral: 20. Para chegar à Casa Branca é preciso obter pelo menos 270 delegados no Colégio Eleitoral de 538 membros.
Fraude
Alguns estados já começaram a contar esses votos, mas a lei impede a apuração na Pensilvânia até o dia de hoje. Excepcionalmente, a Suprema Corte americana permitiu ao estado contabilizar votos pelo correio que chegarem até três dias depois da eleição, contra a vontade dos republicanos. Mas o tema poderá voltar à máxima corte depois do pleito.
Trump garante que o atraso na contagem pode levar a uma fraude, e anunciou que contestará o resultado na Pensilvânia antes de terminada a contagem dos votos. “À noite, assim que terminar a eleição, iremos com nossos advogados” brigar pelo resultado na Pensilvânia, disse Trump no domingo a jornalistas, segundo o jornal The New York Times. Biden respondeu: “O presidente não vai roubar esta eleição”.
O atual mandatário, que enfrenta uma verdadeira maratona de eventos hoje, desqualificou os resultados das pesquisas durante ato em Faytteville, na Carolina do Norte. “Essas pesquisas são falsas”, disse para a multidão. “Nós vamos ganhar de qualquer maneira”, completou. Trump se vangloriou de ser um presidente que não faz parte da classe política e, portanto, “coloca os Estados Unidos em primeiro lugar”. “Saiam e votem, é tudo o que lhes peço”, disse o magnata imobiliário, que depois repetiu para a plateia uma série de lapsos e erros que Biden cometeu ao longo da campanha.
Por sua vez, Biden criticou fortemente a gestão da pandemia durante comício em outro estado importante ontem, em Ohio. A covid, que deixou mais de 231 mil mortos no país, aumentou o desemprego e colocou em evidência as profundas diferenças da sociedade americana. Trump, 74 anos, que foi hospitalizado após contrair a covid-19, foi acusado por Biden, 77, de espalhar o vírus com seu ritmo frenético de comícios, que reunia muitas pessoas, às vezes, sem máscara. “Tivemos caos suficiente! Tivemos o bastante com os tuítes, a raiva, o ódio, o fracasso, a irresponsabilidade”, disse o democrata, que prometeu manter a pandemia sob controle, se eleito.
O clima de polarização e as afirmações recentes de Trump de que não aceitará a derrota leva um clima de nervosismo em várias cidades, incluindo as metrópoles Nova York e Washington, onde muitos instalaram tapumes para proteger lojas e escritórios em caso de manifestações.
Apesar de o entorno do presidente acusar a esquerda radical de causar instabilidade, o FBI investiga um incidente no Texas, depois que um grupo de apoiadores de Trump cercou um ônibus de campanha do democrata em uma rodovia e o perseguiu.
Barroso atua como observador
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, está nos Estados Unidos para acompanhar as eleições presidenciais. Convidado para atuar como observador, Barroso vai hoje ao contado de Anne Arundel, em Annapolis. Na capital do estado de Maryland, ele deverá conversar com autoridades eleitorais e com mesários. Na agenda, consta ainda um encontro com Jared DeMarinis, diretor estadual da Divisão de Candidaturas e Financiamento de Campanhas do Conselho Eleitoral. Ontem, ele participou, em Washington, de um seminário sobre as eleições brasileiras.
Aposta no confronto
Nos quase quatro anos em que comanda a Casa Branca, Donald Trump vem escrevendo um capítulo singular na história dos Estados Unidos, recheado de provocações, insultos e ironias nas redes sociais. “Algumas pessoas pensam que sou um verdadeiro gênio”, já disse o republicano sobre si mesmo. Aos 74 anos, em busca de mais um mandato, recusou-se a assumir o papel de conciliador, em uma ruptura assumida com os antecessores. As eleições de hoje, dizem os analistas, são, na verdade, um referendo sobre a pessoa Trump e o seu estilo de governo.
Em 2016, mostrando talento político, Trump capturou as ansiedades de uma América predominantemente branca e envelhecida, que se sentia desprezada pelas “elites” da Costa Leste e pelas estrelas de Hollywood . Dotado de boa oratória, capaz de incendiar multidões nas arquibancadas de campanha, e de grande presença cênica, da época em que se tornou popular graças ao reality show O Aprendiz, derrotou a rival democrata, a ex-primeira-dama Hillary Clinton, e tornou-se o 45º presidente dos Estados Unidos.
A guinada autoritária ou colapso econômico anunciado por alguns em 8 de novembro de 2016 não ocorreu. As instituições frequentemente desafiadas provaram sua força e uma série de indicadores — começando com os números do emprego — foram bons por muito tempo antes do impacto devastador do coronavírus, negado várias vezes por Trump.
Mesmo no auge da pandemia da covid-19, que ceifou mais de 231 mil vidas nos EUA, o presidente desafiou a doença, que acabou contraindo há poucas semanas. Não foram raras as vezes em que demonstrou desprezo pela ciência e que criticou o adversário democrata, Joe Biden, por ficar em quarentena.
Na política externa, intimidou os aliados dos Estados Unidos, exibiu fascínio por líderes autoritários de Vladimir Putin a Kim Jong Un e desferiu um golpe brutal na mobilização contra a mudança climática. Na questão do programa nuclear iraniano, rompeu o difícil acordo negociado por seu antecessor, aumentou a pressão sobre Teerã até a remoção do poderoso general iraniano Qasem Soleimani, sem apresentar uma estratégia real, segundo analistas.
O grande plano de paz para o Oriente Médio não chegou a se concretizar. Mas ele pode se orgulhar de patrocinar a normalização das relações do Estado hebreu com três países árabes: Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão.
A morte em 2019 do líder do Estado Islâmico (EI) Abu Bakr al-Baghdadi durante uma operação dos EUA na Síria permanecerá um marco positivo em sua Presidência. Em contrapartida, terá como mancha em seu mandato o processo de impeachment, do qual se safou em fevereiro.
Desde o anúncio da primeira candidatura, em 2015, ele usa o fantasma dos imigrantes ilegais “estupradores” e “criminosos”. Este ano, apresentou-se como o único fiador da “ordem pública” contra a ameaça da “esquerda radical”. Em um ponto todos concordam: de fato, Trump cumpriu algumas de suas promessas de campanha de 2016.
Promessa de unificação
Veterano na política, o democrata Joe Biden iniciou sua trajetória aos 29 anos, quando conseguiu uma surpreendente eleição como senador por Delaware em 1972. Nesses 48 anos de vida pública, sofreu profundas perdas pessoais e viu suas primeiras ambições de tentar chegar ao comando da Casa Branca obstruídas, mas espera, agora, às vésperas de completar 78 anos, que sua promessa de unificar os Estados Unidos o leve ao Salão Oval, após quase meio século em Washington.
A personalidade amigável de Biden, com sua origem modesta, opõe-se à personalidade exultante do adversário, o republicano Donald Trump, um empresário que nasceu em um círculo de privilégios, mas que insiste em ser o candidato outsider. Otimista com sua base eleitoral, o democrata lidera as pesquisas nacionais e confia que pode mudar o estado de espírito dos Estados Unidos, passando da “raiva e suspeita à dignidade e respeito”, como costuma repetir.
Se vencer, Biden vai se tornar a pessoa mais velha a assumir a Presidência dos Estados Unidos. Em caso de derrota para Trump, significará que foi um “péssimo” candidato, em suas próprias palavras. Além disso, perder as eleições encerrará sua carreira política marcada pelo esforço e por dramas na vida privada.
A primeira tragédia abalou sua vida aos 30 anos, quando sua primeira esposa, Neilia Hunter, e sua filha de 1 ano morreram em um acidente de carro ao saírem para comprar uma árvore de Natal. Os dois filhos ficaram gravemente feridos, mas sobreviveram ao acidente.
O mais velho, Beau, morreu vítima de câncer em 2015. O outro filho Hunter, um advogado que se dedica ao lobby, tem outra trajetória. Ele recebeu um salário elevado como parte da diretoria de uma empresa de gás ucraniana quando o pai era vice-presidente, o que rendeu acusações de corrupção. Hunter não recebeu nenhuma acusação, mas Trump cita a questão sempre que possível.
As adversidades ajudaram a cimentar a empatia com a opinião pública americana. Suas habilidades são polivalentes. Da mesma forma que sorri em um auditório lotado de estudantes universitários, Biden é capaz de conectar-se com operários de áreas em crise econômica ou expressar duras críticas aos rivais. Essa habilidade foi cerceada este ano pela pandemia do coronavírus, que freou a campanha presencial e o deixou confinado em casa, local do qual saiu poucas vezes nas últimas semanas.
Biden não tem mais a mesma força dos oito anos em que foi vice-presidente de Barack Obama. Os críticos e os próprios democratas questionaram se a sua propensão a gafes seria um destaque durante a campanha contra Donald Trump. O presidente, apenas três anos mais novo, explora o tema e o chama de “Joe, o dorminhoco”.
No ano passado, uma polêmica sobre a tendência de Joe Biden de tocar as mulheres também abalou a imagem do democrata. O presidenciável pediu desculpas e prometeu rever o comportamento.