Os norte-americanos têm, nesta terça-feira (3/11), a última chance de declararem um lado em uma das disputas pela Casa Branca mais acirradas da história. A votação para escolher o próximo presidente dos Estados Unidos, que já dura ao menos dois meses em alguns estados do país, chega ao fim hoje. O que não quer dizer, porém, que o vencedor já será conhecido nesta noite. Após o fechamento das urnas, ainda há um longo caminho a ser percorrido. É necessário entender como funciona o complexo sistema para a eleição à Presidência da superpotência mundial, para, então, acompanhar mais essa decisão que mudará o rumo do país e, quiçá, do mundo.
Os eleitores dos Estados Unidos, assim como no Brasil, escolhem o presidente a cada quatro anos e o voto é depositado de forma secreta. Contudo, o ano de 2020, marcado pela pandemia de covid-19 reforçou uma peculiaridade: os votos antecipados. Na véspera da eleição, mais de 95 milhões já haviam registrado sua preferência, tanto presencialmente quanto pelo correio (entenda mais abaixo). O número recorde é reflexo do especial interesse na eleição entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump, como também uma forma de evitar aglomerações nesta terça.
Há ainda outras duas diferenças fundamentais entre a eleição norte-americana e a brasileira. A primeira trata-se da modalidade do voto. Nos Estados Unidos os eleitores não são obrigados a “exercer a cidadania”. Ou seja, o voto é facultativo. Nesta terça, o cidadão pode escolher entre ir ou não às urnas. Em caso negativo, não terá nenhum prejuízo. Por causa disso, uma campanha “diferente” precisa ser feita pelos candidatos, na qual eles precisam convencer as pessoas menos mobilizadas politicamente a participarem da eleição.
A segunda distinção, e a que gera mais dúvidas, está no caráter indireto da eleição. Nos EUA, apesar de os eleitores marcarem o nome do candidato nas cédulas, os votos são encaminhados para os chamados delegados no Colégio Eleitoral. Estes delegados, por sua vez, irão representar os eleitores do seu estado, confirmando a maioria dos votos populares em determinado candidato.
Por causa dessa “representação”, há uma série de dificuldades para que as pesquisas possam prever o real cenário eleitoral. O pleito de 2016, que deu vitória a Trump, a despeito de todos os levantamentos, é um dos maiores exemplos disso.
Quem pode votar?
- Cidadãos norte-americanos;
- Cidadãos que atendem aos requisitos de residência de determinado estado (pessoas em situação de rua podem vir a votar);
- Cidadãos com mais de 18 anos.
Democratas x Republicanos
Nos Estados Unidos, a Presidência é sempre concentrada em dois partidos: o Democrata e o Republicano. Apesar dos dois serem os maiores e mais importantes no país, eles não são os únicos. Nas eleições deste ano, por exemplo, outros nove partidos concorrem à Casa Branca, entre Libertário, Verde, independentes e até o recém-criado Birthday, do rapper Kanye West.
Contudo, esses partidos menores e os candidatos independentes não têm condições reais de disputar as eleições, e, por vezes, nem mesmo figuram nas cédulas eleitorais de todos os estados, não alcançando representação para ter votos. Essa diferença em destaque é sentida até nos debates, em que apenas os candidatos democrata e republicano costumam participar.
Votos por correspondência
Neste ano, as regras de votação via correspondência foram flexibilizadas por causa da covid-19. O país possui a infeliz marca de ser o mais afetado pelo vírus, com mais de 9 milhões de casos confirmados e cerca de 230,9 mil mortes.
Os moradores do Distrito de Columbia — onde fica a capital, Washington D.C. — e de nove estados – Washington, Nevada, Utah, Colorado, Oregon, Califórnia, Havaí, Vermont e Nova Jersey — receberam as cédulas "automaticamente". Nos outros 41 estados, os eleitores precisam requisitá-las. A depender do local onde vivem, os eleitores têm, ainda, que apresentar uma justificativa para votar via correspondência, como é o caso de Texas, Tennessee, Louisiana, Mississipi e Indiana.
No país, todo o processo eleitoral é organizado pelos estados, e isso inclui o voto por correspondência. Cada um decide como vai organizar a votação por correio, e não há lei federal sobre a modalidade.
Na eleição presidencial de 2016, foram recebidos 33 milhões de votos pelo correio, o que corresponde a 24% do total de votantes. Neste ano, por causa da emergência sanitária, de acordo com o Projeto Eleições, da Universidade da Flórida, mais de 60,4 milhões de pessoas já enviaram as cédulas sem sair de casa. A expectativa é de que haja um recorde de participação eleitoral este ano.
Antecipação dos votos
As regras variam consideravelmente de estado para estado. Na Pensilvânia, por exemplo, eleitores podem registrar as cédulas 50 dias antes das eleições. Já em Oklahoma, a antecipação do voto pode ocorrer apenas cinco dias antes da abertura oficial do pleito.
Ainda segundo o levantamento da Universidade da Flórida, até segunda-feira (2/11), cerca de 35 milhões de pessoas haviam antecipado o voto presencialmente em todo o país.
As mais de 97 milhões de cédulas, ao somar com as enviadas via correspondência, representam cerca de 71% do total de eleitores que compareceram às urnas na eleição de 2016.
Colégio Eleitoral e delegados
Nos Estados Unidos, não basta vencer nas urnas, é preciso ganhar no Colégio Eleitoral, obtendo a maioria dos 538 votos dos delegados.
Cada região tem uma quantidade diferente de delegados, proporcional à população local. A Califórnia, por exemplo, detém 55 delegados para seus 39,5 milhões de habitantes — 12% da população dos EUA. Portanto, o candidato com mais votos populares no estado conquista 55 delegados para o páreo, de acordo com o sistema do "winner-take-all" (ou, o vencedor leva tudo) — em que o candidato que sobressaiu naquele estado fica com todos os delegados, não importa qual seja a margem de votos entre os competidores. As exceções são Nebraska e Maine — com quatro e cinco delegados, respectivamente —, que dividem os votos de maneira mais proporcional.
Por causa desse complexo sistema, alguns estados são "mais importantes" que outros durante a corrida à Casa Branca, transformando-se no foco das campanhas dos candidatos. São os chamados "battleground states" — estados campos de batalha.
Para ser declarado vencedor, o candidato tem que recolher pelo menos 270 votos dos delegados. Em 2020, doze estados estão no centro das atenções dos democratas e republicanos, e prometem ser decisivos. São eles: Texas (38 delegados), Flórida (29), Pensilvânia (20), Ohio (18), Michigan (16), Geórgia (16), Carolina do Norte (15), Arizona (11), Wisconsin (10), Minnesota (10), Iowa (6) e Nevada (6).
Cada um desses estados, que estão no meio dessa "guerra" por votos, tem suas peculiaridades. Em alguns casos é por causa do alto número de delegados; em outros, por serem estados que alternam entre elegerem republicanos ou democratas a cada eleição — os “swing states” ou “estados-pêndulo”; ou ainda pelas características demográficas e econômicas, que podem definir as eleições em determinados cenários de acordo com nichos.
Apuração e certificação dos votos
A apuração ocorre em duas etapas. Primeiro, a cédula é autenticada. Um órgão estadual verifica se a assinatura é compatível com a do documento do eleitor e, em caso afirmativo, a libera para contagem.
Essa etapa pode ocorrer imediatamente após o recebimento da cédula, nos casos dos votos antecipados ou via correspondência, ou a partir de uma data específica. Alguns estados só permitem que a cédula seja preparada no dia da eleição ou após o fechamento das urnas, o que pode atrasar a divulgação do resultado.
Em todos os estados, os resultados da votação postal só são anunciados junto com a apuração dos votos presenciais. E, em alguns casos, eles demoram a sair. Na Califórnia, em 2016, a contagem completa só terminou um mês depois da eleição.
Assim com as demais regras eleitorais nos EUA, os prazos para a certificação dos resultados são definidos por cada estado. Em 2020, estes são os prazos para a certificação do resultado da eleição:
- Em Delaware, Virgínia, Vermont, Dakota do Sul, Oklahoma e Louisiana, o prazo é de até uma semana após a votação, portanto, terça-feira (10/11);
- Em Wyoming, Carolina do Sul, Pensilvânia, Mississippi, Flórida, Massachusetts, Idaho, Arkansas, Dakota do Norte, Geórgia, Utah, Michigan, Maine, Kentucky, Ohio, Carolina do Norte, Novo México, Minnesota, Indiana, Alasca, Alabama, Nebraska, Montana, Iowa, Colorado, Arizona e no Distrito de Columbia, o prazo de certificação é entre 11 e 30 de novembro;
- Em Wisconsin, Nevada, Kansas, Virgínia Ocidental, Washington, Texas, Oregon, Connecticut, Illinois, Nova York, Nova Jersey, Missouri, Maryland e Califórnia o prazo de certificação vai até dezembro;
- No Havaí, New Hampshire, Rhode Island e Tennessee não há um prazo oficial para a certificação dos resultados.
Além disso, todos os 50 estados norte-americanos preveem a recontagem dos votos. Em pelo menos 20 deles há na legislação a determinação de que a recontagem seja feita automaticamente, caso a vitória de um candidato fique dentro de uma determinada margem.
Mais: em 43 estados, candidatos, partidos políticos e eleitores podem solicitar uma nova apuração. Nestes casos, os resultados da eleição são suspensos até a conclusão do processo.
É possível decretar um vencedor na madrugada desta quarta?
Apesar dos atrasos nos correios, segundo especialistas, ainda é numericamente possível que um candidato saia vitorioso na noite da eleição. Mas, para isso, será preciso uma vitória “esmagadora” de Trump ou Biden.
Em 2016, Donald Trump comemorou a vitória por volta das 02h30 da madrugada — 4h30 no horário de Brasília —, depois que Wisconsin o colocou na linha de chegada, tendo atingido 270 votos no colégio eleitoral.
No entanto, dado o aumento no número de votos por correspondência, muitos dos estados “campos de batalha” provavelmente não declararão um vencedor durante a noite.
Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, por exemplo, são regiões decisivas que só começam a processar e contar os votos por correspondência no dia da eleição. Eles também são vulneráveis a todas as importantes recontagens e ações judiciais possíveis, caso o resultado acabe apertado demais.
A Flórida, contudo, pode apontar mais cedo o rumo da eleição. Dos “estados-pêndulo”, ela é o que indica o maior número de delegados ao colégio eleitoral (29) e o resultado será decisivo para indicar as chances de cada candidato vencer na noite, mas especialmente crucial para a reeleição de Trump.
O estado famoso pelas praias e pelos parques de Orlando começa a processar e verificar as cédulas postais até 40 dias antes da eleição. Com mais de 2,4 milhões de votos postais recebidos, eles ainda têm uma pequena montanha de envelopes para analisar, mas a chance de declarar o vencedor na noite da votação oficial é maior do que na maioria dos outros estados que se mostram indecisos nas projeções.
Trump planeja declarar vitória
Mesmo que o resultado ainda dependa de milhões de votos não contabilizados em vários estados do país, Donald Trump planeja declarar vitória ainda na noite desta terça (3/11).
O presidente tem conversando com pessoas próximas sobre o plano de anunciar publicamente que venceu as eleições para, depois, contestar na Justiça a contagem de votos enviados antecipadamente por correspondência. É o que diz o site americano Axios.
Desde agosto, com o aumento exponencial dos votos, especialistas apostavam na suposta estratégia do atual presidente em tentar usar o voto a distância como argumento sobre possível fraude. Richard Lau, cientista político da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, acredita que o presidente está “terrificado” ante a possibilidade de derrota. “Não ficou claro, para mim, qual partido terá mais danos, caso o voto postal seja desencorajado. Acho que uma motivação maior é o fato de que as ações do presidente, de desestimular o voto a distância, permitirão a ele legitimar o resultado das eleições, mesmo em caso de derrota”, analisou ao Correio.
De acordo com um estudo da Heritage Foundation, desde 1988 cerca de 250 milhões de cédulas de votos foram enviadas pelo correio. Destas, apenas 208 eram fraudulentas e resultaram em condenações.
Curiosidades
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Votação popular acontece sempre às terças-feiras
A primeira terça-feira de novembro é a data oficial das eleições americanas desde 1845. À época, este era o dia ideal, pois, para muitos que moravam em área rural, era necessário ao menos um dia — a primeira segunda-feira — para chegar aos locais de votação, além de ter tempo adequado para o retorno. Assim, as votações não interferiam bruscamente na rotina dos eleitores.
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Votação do espaço
Desde 1997, previsto em lei, astronautas que estão fora da Terra no período de eleição podem votar do espaço. Segundo a NASA, eles votam por meio de um e-mail seguro com credenciais específicas, que são mais tarde transcritas para a cédula de votação.
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Votos em papel
Cada estado americano escolhe o sistema e o tipo de máquina que serão usados nas eleições. Por causa disso, por medo de fraude em urnas eletrônicas, várias regiões ainda optam pela cédula de papel e usam máquinas de contagem.