A apenas três dias das eleições, o candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente Barack Obama subiram ao palco pela primeira vez na campanha, juntos, e não pouparam ataques ao republicano Donald Trump. Na cidade de Flint, no estado de Michigan, eles exortaram a população a sair em peso para votar e “resgatar” o país. “Nós queremos um lugar onde sejamos tratados com dignidade e com respeito. Isso é possível. Quero que vocês se lembrem do que esta nação pode ser. Nós elegeremos um homem que ama este país e que se importa com vocês”, declarou Obama, que criticou a fixação de Trump por multidões. “Ele não tem nada melhor com o que se preocupar? Ninguém foi à sua festa de aniversário quando ele era um garoto?”, ironizou, ainda sozinho no púlpito.
“Três dias até a eleição mais importante de nossas vidas. Na terça-feira, tudo estará em jogo. Nossos empregos estarão em jogo, nossa atenção à saúde estará em jogo, o controle ou não desta pandemia estará em jogo. A boa notícia é que, na terça-feira, vocês podem escolher a mudança”, acrescentou o antecessor de Trump na Casa Branca. Às 14h30 (15h30 em Brasília), Obama “apresentou” Biden aos eleitores de Michigan. “Meu amigo, o próximo presidente dos EUA, Joe Biden”, gritou. Até o fechamento desta edição, 90,4 milhões de norte-americanos haviam votado por antecipação — 57,5 milhões deles pelos correios. A marca histórica representa 65% de todos os votos contabilizados em 2016.
Um clima de suspense em todo o mundo antecede as eleições de terça-feira. Na Pensilvânia, Trump voltou a sinalizar com a possibilidade de a votação ser decidida pelos tribunais, em caso de vitória apertada de Biden. Um triunfo do democrata representaria incerteza ao Brasil — além de Jair Bolsonaro e Trump serem ideologicamente alinhados, Biden condenou a política ambiental de Brasília.
À frente nas pesquisas nacionais, Biden elogiou Obama e alfinetou o republicano, ao afirmar que um presidente deve ser lembrado por seu caráter. “Obrigado, senhor presidente! Em oito anos, não houve nem um traço sequer de escândalo”, comentou o candidato democrata, dirigindo-se ao ex-presidente. Ele sublinhou que os norte-americanos têm o poder de mudar o país. “É hora de Donald Trump empacotar suas coisas e voltar para casa”, disse.
Biden tornou a acusar o magnata republicano pelos 9 milhões de casos da covid-19 e 230 mil mortes. “O presidente deste país sabia, desde janeiro, que o vírus era letal. As pessoas desta nação sofreram por nove meses. Isso é mais do que uma ofensa, é uma vergonha”, acrescentou. O rival disse que Trump estendeu uma “bandeira branca” para o novo coronavírus. “Ele desistiu de combatê-lo”, disparou.
Mais tarde, em outro comício no estilo drive-in, em Detroit, Obama voltou a atacar a gestão da pandemia por parte de Trump. Do lado esquerdo do palco, uma mensagem em um painel: “Não vaie, vote!”. Uma pesquisa da emissora CNN mostrou que Biden tem 53% dos votos em Michigan contra 41% para Trump — em 2016, o republicano levou os 16 delegados do estado. “Votem!”, pediu Obama. “Quem acredita em ciência? Quem acredita em igualdade racial? (…) Nós temos uma luta, temos de sair para mostrar quem somos e pelo que nos levantamos. Nós elegeremos um homem que ama esse país, que se importa com vocês, meu amigo, o próximo presidente, Joe Biden”.
Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), explicou ao Correio que, com a presença de Obama nos comícios, o Partido Democrata espera impulsionar o comparecimento às urnas de seus eleitores, especialmente os afro-americanos.
Trump prevê indefinição
O presidente Donald Trump escolheu a Pensilvânia (nordeste), onde obteve uma vitória apertada sobre Hillary Clinton em 2016. Na cidade de Newtown, ele admitiu que a eleição poderá não ser decidida na terça-feira. “Vocês esperarão por semanas”, afirmou, ao advertir sobre a possibilidade de “coisas muito ruins” acontecerem, enquanto os votos são apurados. “Muitos, muitos dias. Vocês assistirão a isso em 3 de novembro. Acho que é muito provável que vocês não terão uma decisão, porque a Pensilvânia é muito grande”, declarou. Ele chegou a falar em “caos” se não houver um claro vencedor rapidamente. Ao mesmo tempo, o magnata republicano comemorou o que chamou de “uma grande onda vermelha”. Nas últimas semanas, Trump tem colocado em xeque o sistema de votação pelos correios, o qual atinge índices sem precedentes de participação.
“Em três dias, vamos levar a Pensilvânia! Com seu apoio, continuaremos a devolver seus empregos e cortar seus impostos e regulações! Biden varreria nossas fábricas, mandaria seus empregos para a China, aumentaria seus impostos e eliminaria o atendimento privado à saúde”, afirmou Trump, por meio do Twitter. Ele também usou a rede social para responder aos ataques de Barack Obama e de Joe Biden. “Biden e Obama devem imensas desculpas à cidade de Flint. A água foi envenenada sob seus olhares. Não apenas eles falharam com a população, como Biden orgulhosamente aceitou o endosso desastroso do governador Rick Snyder. Ao contrário de Biden, sempre estarei ao lado do povo do grande estado de Michigan”, escreveu.
Alan Dershowitz, professor de direito da Universidade de Harvard e ex-advogado de Trump no julgamento de impeachment, disse ao Correio que o presidente aceitará a decisão dos tribunais, caso as eleições tenham de ser decididas pela toga. “Se ele não fizer isso, os líderes do Partido Republicano não mais o apoiarão”, advertiu. Apesar das ameaças de Trump, o historiador político Allan Lichtman, da American University (em Washington), não acredita na judicialização dos votos. “Acho que o veredicto será claro o bastante para que os tribunais se abstenham de intervir”, opinou à reportagem.
Durante comício no condado de Bucks, na Pensilvânia, Trump alertou que Biden quer desativar a indústria de combustíveis fósseis do estado. E gabou-se de sua performance na área das finanças norte-americanas, ao sustentar que criou “a maior economia da história deste país, da história do mundo”, enquanto “as nações estrangeiras estão em queda”.
Paul Milgrom, professor da Universidade de Stanford e Prêmio Nobel de Economia em 2020, confirmou ao Correio que os empregos e o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA mantiveram uma recuperação iniciada na era Obama, mas disse que Trump foi incapaz de avançar nas conquistas.
Para vencer as eleições de terça-feira, o candidato à Casa Branca terá de conquistar 270 delegados do Colégio Eleitoral. Às vésperas do dia decisivo, Trump e Biden focam-se nos estados-chave. Hoje, será a vez de o democrata visitar a Pensilvânia. Nos próximos dois dias, o presidente republicano fará campanha em Michigan. Tentativas de apagar o rastro deixado pelos rivais.
Três perguntas para
Paul Milgrom, professor da Faculdade de Negócios da Universidade de Stanford e Prêmio Nobel de Economia em 2020
Antes da pandemia, o governo Trump teve êxito em recuperar a economia e em mostrá-la em melhores condições do que durante a gestão Obama?
Está bem claro que, em termos de empregos e do Produto Interno Bruto (PIB), a economia continuava a se recuperar na era Trump, como ocorreu durante o governo Obama. Mas, Trump não fez progresso nos desafios de longo prazo que um presidente dos Estados Unidos deve enfrentar: infraestrutura, mudanças climáticas, desigualdade de renda e educação para empregos futuros. Sua negação da política baseada na ciência piorou o impacto da covid-19. Então, o registro geral para Trump é bastante negativo!
Qual foi o impacto da pandemia na economia dos EUA?
Ele tem sido horrível para os grupos mais afetados. Os trabalhadores do setor de entretenimento, de transportes e de hotelaria foram os que mais sofreram, e isso pesará sobre o resto da economia, a menos que o governo encontre maneiras de estender a ajuda expirada no verão passado.
E como essa situação poderá se refletir na próxima terça-feira?
Em relação às eleições, ninguém sabe, mas estou cautelosamente otimista de que possamos conseguir um novo presidente, para quem a honra, a verdade e a ciência sejam importantes. Alguém que evitará a retórica divisiva que temos escutado nos últimos quatro anos.
Eu acho...
“Os Estados Unidos são um país profundamente dividido, no qual um grande número de eleitores votará pelo candidato de seu partido, não importam as circunstâncias. As eleições serão decididas por um número relativamente pequeno de eleitores independentes em um punhado de estados em disputa que votam baseados nos feitos e nas promessas dos candidatos.” Alan Dershowitz, professor de direito da Universidade de Harvard e ex-advogado de Trump no processo de impeachment.
“O apoio a Trump reflete a profunda polarização da política americana. Trump mantém uma base apaixonada que o apoiará, não importa quão ultrajantes sejam suas ações e sua retórica, assim como não importa como ele ameaça a saúde e o bem-estar da população.”
Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington)