Kamala Harris faz história com papel decisivo na campanha pela Casa Branca

Filha de imigrantes tem papel decisivo na vitória democrata e se torna a primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência. Seu nome já é cogitado para as eleições de 2024

Vilhena Soares
postado em 08/11/2020 06:00
 (crédito: Jeff Kowalsky/AFP)
(crédito: Jeff Kowalsky/AFP)

Em 1980, a ativista social e filósofa Angela Davis foi a primeira mulher negra a concorrer ao cargo de vice-presidente dos Estados Unidos, pelo Partido Comunista. Mas sua chapa com Gus Hall foi derrotada, o que se repetiu na disputa de 1984. Depois de quatro décadas, os americanos elegeram uma mulher negra para ocupar o segundo cargo político mais importante do país. Kamala Harris, 56 anos, tem uma história de conquistas notáveis durante sua trajetória política, o que fez com que Joe Biden a escolhesse como parceira na difícil disputa contra Donald Trump e Mike Pence nas urnas. A advogada e senadora americana foi essencial para uma maior participação da população negra na votação, um dos fatores decisivos para a vitória dos democratas.

Com pais imigrantes, uma mãe indiana e um pai jamaicano, Kamala nasceu e viveu o início da infância na cidade Oakland, na Califórnia. Após o divórcio do casal, ela se mudou para Montreal, no Canadá, com a irmã mais nova e a matriarca, Shyamala Gopalan, pesquisadora na área oncológica e ativista de direitos civis. Foi por influência da mãe que Kamala optou pela advocacia e pela área de direitos humanos. “Ela (Gopalan) entendia muito bem que estava criando duas filhas negras. Estava determinada a garantir que nos tornaríamos mulheres negras confiantes e orgulhosas”, afirmou a senadora em sua autobiografia intitulada The trusths we hold, publicada em 2019. Em sua página do Twitter, também escreveu sobre a convivência com a matriarca. “Minha mãe me criou para ver o que poderia ser, sem o peso do que já foi.”

Kamala, que se formou na Universidade Howard, em Washington, um ícone da cultura negra nos Estados Unidos, coleciona outros pioneirismos em sua carreira no direito e na política. Ela foi a primeira procuradora negra na história da Califórnia, onde também ocupou o cargo de procuradora-geral, em 2010. Seu discurso de que foi uma “procuradora progressista” é contestado por críticos, que alegam que ela lutou para manter sentenças injustas e se opôs a reformas na Califórnia, como uma lei que instava o procurador-geral a investigar tiroteios envolvendo a polícia.“Cada vez que os progressistas pediam a ela que apoiasse uma reforma do sistema penal como procuradora do condado e, mais tarde, como procuradora do estado, Harris se opôs ou se calou”, escreveu a acadêmica Lara Bazelon no jornal The New York Times.

O mandato como procuradora-geral permitiu que Kamala se aproximasse do filho falecido de Joe Biden, Beau, que ocupava o mesmo cargo que ela em Delaware. “Sei o quanto Beau respeitava Kamala e seu trabalho e, para ser honesto com você, isso pesou na minha decisão (de escolhê-la)”, disse o presidente eleito durante sua primeira aparição com a companheira de chapa.

Racismo

Em 2016, Kamala foi a primeira mulher com ascendência sul-asiática e a segunda negra a se tornar senadora. Foi lá que começou a chamar a atenção do partido democrata. As bandeiras progressistas defendidas durante seu mandato foram diversas, como redução de impostos para a classe média, elevação do salário-mínimo e combate ao aquecimento global. Em 2019, ela participou das disputas primárias para se tornar candidata à presidência do partido, mas não venceu. Apesar disso, protagonizou o momento mais marcante da pré-campanha democrata, ao fazer críticas a Joe Biden em relação a questões raciais.

Durante um debate, Kamala o criticou por não ter se posicionado contra medidas de segregação durante os anos em que governou os Estados Unidos ao lado de Barack Obama, mas ressaltou que não acreditava que o concorrente era racista.

Depois da derrota, Kamala não demorou a se posicionar como uma aliada à campanha do ex vice-presidente. Em março deste ano, declarou a jornais americano que faria “tudo que estivesse ao seu alcance para ajudar a elegê-lo como próximo presidente dos Estados Unidos”.

Foi em agosto que Biden anunciou Kamala como vice, após uma “disputa” com outras 11 candidatas de carreiras políticas também notáveis, como a senadora Tammy Duckworth, do estado de Illinois, uma veterana da guerra do Iraque, e Susan Rice, ex-conselheira de Segurança Nacional. “Tenho muita honra em anunciar que escolhi Kamala Harris, uma destemida lutadora em prol do cidadão comum e uma das melhores funcionárias públicas, como minha companheira de chapa”, escreveu Biden em seu perfil no Twitter. “Estou honrada por me juntar a ele como indicação do nosso partido a vice-presidente, e vou fazer o que for necessário para que ele seja nosso comandante-chefe”, comentou Kamala na mesma rede social.

Resposta às ruas

A escolha de Kamala para compor a chapa democrata era algo esperado por estudiosos da área política, já que os EUA se tornaram palco de acaloradas discussões raciais após a morte de George Floyd. Em maio, o ex-segurança negro de 40 anos morreu asfixiado após ter sido abordado por policiais em um mercado de Minnesota. O caso levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades americanas. Uma mulher negra em uma chapa presidencial poderia auxiliar a angariar votos nesse nicho de eleitores.

Os resultados obtidos foram positivos: após o anúncio de Harris como parceira de Biden, o partido democrata recebeu elogios de grupos que lutam contra o racismo, o apoio de celebridades americanas, principalmente mulheres, e milhões em doações. Durante a campanha, a carismática candidata visitou estados com grande população negra, como a Geórgia. Em seus discursos, ressaltou que não estava “dizendo a ninguém em quem votar”, mas trabalhando para “conquistar o voto”.

A senadora também prometeu lutar por mudanças severas na polícia americana. “Maus policiais são ruins para bons policiais. Precisamos de reforma no nosso policiamento e no nosso sistema de justiça criminal”, declarou No debate presidencial com Mike Pence, em outubro. Em outro momento do evento, ergueu a mão enquanto Pence tentava interrompê-la. “Senhor vice-presidente, estou falando, sou eu que estou falando”, retrucou Kamala, conseguindo silenciar Pence. Poucas horas depois, a frase já estampava camisetas vendidas on-line.

No meio político americano, já é cogitado que Kamala possa ser uma forte candidata à Presidência na próxima eleição americana, em 2024, já que Biden, de 78 anos, citou várias vezes que se considera velho para se manter por muito tempo no cargo, o que também o motivou a escolher uma vice mais jovem. “Preciso de alguém que trabalhe ao meu lado que seja inteligente, forte e pronto para liderar. Kamala é essa pessoa”, declarou Biden em um de seus comícios.


Primeiro casal inter-racial

Doug Emhoff, marido de Kamala Harris também entra para a história. Ele será o primeiro judeu a fazer parte da primeira e segunda famílias do país e, com a mulher, formará o primeiro casal inter-racial a ocupar suas funções. Emhoff, 56 anos, é um advogado veterano especializado em direito de mídia, esportes e entretenimento. O escopo do novo papel do primeiro “segundo cavalheiro” dos EUA ainda não foi determinado — até agora, Emhoff foi vago sobre isso.

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