França

Padre ortodoxo baleado em Lyon

Dois dias após atentado em Nice que matou brasileira, sacerdote grego foi ferido gravemente quando fechava a igreja, na tarde de ontem. Polícia investiga incidente como tentativa de assassinato. Macron conversa com o papa Francisco

Cerca de 48 horas depois do triplo assassinato de católicos na Basílica de Notre-Dame, em Nice, a França voltou a ser alvo de um atentado, ontem. A cerca de 470km, em Lyon, o padre ortodoxo Nikolas Kakavelakis, 52 anos, foi ferido gravemente com dois tiros no abdome, quando fechava as portas da Igreja Ortodoxa Grega, na Rua Père Chevier. O crime ocorreu por volta das 16h de ontem (meio-dia em Brasília), e o agressor, que usou um rifle de caça, fugiu após o crime. À noite, o promotor público de Lyon anunciou a prisão de um suspeito, mas não ficou claro se o mesmo portava arma no momento da prisão.

Até o fechamento desta edição, o religioso lutava pela vida no hospital. O prefeito de Lyon, Grégory Doucet, visitou o local do ataque e afirmou que não descarta a hipótese de terrorismo. As autoridades abriram inquérito por “tentativa de assassinato”. O ministro do Interior, Gérard Darmanin, organizou uma célula de crise em seu ministério, em Paris. A França celebra, hoje, o feriado religioso do Dia de Todos os Santos. A polícia também trabalha com a tese de um conflito dentro da pequena comunidade religiosa grega de Lyon.

Em comunicado à imprensa, a Assembleia dos Bispos Ortodoxos da França afirmou que as circunstâncias do incidente ainda não estavam claras e que confia plenamente nasautoridades. Uma fonte da polícia informou à agência France-Presse (AFP) que não havia cerimônia na igreja e Nikolas não vestia trajes sacerdotais quando foi atingido. A polícia fez um apelo para que testemunhas prestem depoimento.

A estudante franco-brasileira Aïna Bovet, 23 anos, vive no bairro de Jean Macé, no 7º Distrito, e contou ao Correio nada ter percebido na tarde de ontem. “Só depois que teve policiais espalhados por todo o bairro. Minha região é muito tranquila, no centro”, comentou. “Eu me sinto mais segura porque estamos confinados por conta da pandemia. Mas, cada vez mais temos medo, especialmente quando viajamos para fora da França.”

Presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli declarou-se “chocado e triste por mais um ataque brutal em Lyon”. “A Europa jamais se curvará à violência e ao terrorismo. Sempre defenderemos a liberdade”, disse.

Convergência

Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, conversou por telefone com o papa Francisco e disse ao líder católico que “seguirá lutando sem descanso contra o extremismo, para que todos os franceses possam viver sua fé em paz e sem medo”. De acordo com um comunicado do Palácio do Eliseu, sede do governo, Macron e Francisco compartilham de “uma convergência de ponto de vista total em relação ao repúdio absoluto ao terrorismo e à ideologia do ódio, que divide, mata e coloca em risco a paz”.

Macron disse que compreende que os muçulmanos possam estar “chocados” com as caricaturas de Maomé, mas destacou que isso não justifica a violência. “Entendo que as pessoas podem ficar chocadas com as charges, mas nunca aceitarei que justifique a violência. Nossas liberdades, nossos direitos, considero que é nossa vocação protegê-los”, declarou o chefe do Estado, em entrevista à emissora árabe Al-Jazeera, do Catar.

O líder francês publicou várias mensagens no Twitter. “Ao contrário do que tenho escutado e visto nas redes sociais, nosso país não tem problemas com nenhuma religião. Todas são praticadas livremente! Sem estigmatização: a França está apegada à paz e à convivência”, assegurou Macron. “Tenho visto muitas pessoas dizerem coisas inaceitáveis sobre a França, corroborando as mentiras que falam sobre nós e sendo cúmplices do pior.”

 

Passeata em memória de brasileira

Indignação, dor e tristeza. Foram os sentimentos de familiares e amigos de Simone Barreto Silva, 45 anos, morta a facadas, na quinta-feira, pelo tunisiano Brahim Aouissaoui dentro da Basílica de Notre-Dame, em Nice. Aos gritos de “Allahu Akbar” (“Alá é grande”), o extremista também decapitou uma idosa de 60 anos, perto da pia de água benta, e degolou o sacristão Vincent Loquès, 54, antes de ser baleado pela polícia. Por volta das 14h (10h em Brasília), os manifestantes se reuniram diante da Igreja Saint Pierre e caminharam, em silêncio, por pouco mais de um quilômetro, até a Basílica de Notre-Dame. Em silêncio, vestidos de branco e carregando rosas da mesma cor e velas, foram acompanhados o tempo todo pela polícia. Aouissaoui teria sido motivado por caricaturas do profeta Maomé publicadas pelo jornal satírico Charlie Hebdo.

“Estou indignado ante a covardia da qual Simone foi vítima. É muito doloroso perder uma amiga desse jeito”, desabafou ao Correio o músico e ajudante de pedreiro Kennedy Santos Silva, 32, que conhecia Simone desde 2011. Ao fim da passeata, os participantes fizeram um ato em frente a Notre-Dame — eles cantaram o Hino Nacional Brasileiro e seguraram bandeiras do Brasil. Alguns dos presentes não conseguiram controlar o choro. Pouco depois, gritaram “Queremos paz!”. As escadarias da Notre-Dame ficaram tomadas de rosas, coroas de flores e velas. Na fachada, foi afixada uma bandeira do Brasil, onde amigos escreveram mensagens para a baiana.

A mineira Martha Helena Almeida Caldeira, 44, mora em Nice há 19 anos e era amiga de Simone desde 2003. “Conheço Simone antes de ela ter os três filhos (dois meninos, de 8 e de 13 anos, e uma menina, de 7). É uma perda enorme. Simone era uma pessoa muito sorridente e cheia de vida. Esse bárbaro privou os filhos dela de terem essa mãe maravilhosa por perto. Só quem conheceu para saber. Aquele sorriso lindo todos os dias. Ela irradiava vida em qualquer lugar que passava. Era assim que ela gostaria de ser lembrada: cheia de festa, cheia de amor, cheia de vida”, disse a amiga ao Correio.

Ao fim do protesto, as três irmãs de Simone e outros familiares se reuniram no interior da Igreja Saint Pierre, onde receberam o conforto de amigos. Também do lado de fora da cafeteria e restaurante L’Unique, onde Simone tentou buscar ajuda e morreu, moradores de Nice depositaram flores. Antes de falecer, a brasileira fez um pedido às pessoas que buscavam socorrê-la: “Digam aos meus filhos que eu os amo”. Além de Aouissaoui, a França deteve dois supostos cúmplices. Na quinta-feira, um primeiro suspeito, de 47 anos, foi preso depois de ter sido flagrado ao lado do criminoso em imagens de câmeras de segurança, na véspera do atentado. Outro homem, de 33 anos, foi detido ontem.