ESTADOS UNIDOS

Estados Unidos têm novo levante racial às vésperas da eleição

Morte de homem negro de 27 anos, executado com vários tiros por policiais brancos da Filadélfia, reforça o tema do racismo na corrida pela Casa Branca. Biden culpa Trump por "atiçar as chamas da divisão". Guarda Nacional é mobilizada

A morte de mais um cidadão negro pelas mãos de policiais brancos, na tarde de segunda-feira, lançou tensão às ruas da Filadélfia. Ontem, a maior cidade da Pensilvânia — estado-chave na disputa pela Casa Branca — aguardava a chegada de centenas de homens da Guarda Nacional, em meio a protestos e saques. Assim como o trágico fim de George Floyd, em 25 de maio passado, o assassinato de Walter Wallace Jr., 27 anos, foi registrado por uma testemunha. Não demorou para que o vídeo viralizasse nas redes sociais. “Por que não usaram uma Taser (pistola de choque elétrico)? Sua mãe tentava acalmar a situação”, lamentou o pai, Walter Wallace, ao jornal Philadelphia Inquirer. Ele garantiu que o filho tinha problemas psicológicos e estava em tratamento.

O homem foi executado com cerca de dez tiros por dois policiais, por não soltar uma faca que carregaria. Entre a noite de segunda-feira e a tarde de ontem, 91 pessoas tinham sido detidas durante as manifestações e 30 policiais haviam ficado feridos. Uma viatura chegou a ser incendiada. O prefeito da Filadélfia, Jim Kenney; a chefe de polícia, Danielle Outlaw; e outras autoridades se reuniram com familiares de Wallace Jr. e com membros da sociedade civil, em uma igreja da cidade, na tentativa de apaziguarem os ânimos.

A apenas seis dias das eleições, o republicano Donald Trump evitou comentar diretamente o incidente, enquanto o candidato democrata à Presidência dos EUA, Joe Biden, e a vice em sua chapa, a senadora Kamala Harris, culparam o chefe de governo. “Nossos corações estão partidos pela família de Walter Wallace Jr. e por todos aqueles que sofrem o peso emocional de aprender sobre outra vida negra perdida na América. Não podemos aceitar que, neste país, uma crise de saúde mental acabe em morte”, afirmaram, por meio de nota conjunta. “A vida de Wallace, como a de tantos outros, era uma vida negra que importava — para sua mãe, para sua família, para sua comunidade e para todos nós. (…) Como uma nação, somos fortes o suficiente para enfrentar os desafios de uma reforma real da polícia, incluindo a implementação de um padrão nacional de uso da força, e para manter a paz e a segurança em nossas comunidades.”

De acordo com Biden e Harris, “tudo o que Donald Trump faz é atiçar as chamas da divisão em nossa sociedade”. “Ele é incapaz de fazer o verdadeiro trabalho de reunir as pessoas. Nós iremos. Estamos todos orando por toda a família de Wallace, e por nossa nação, para que possamos avançar em direção à cura”, acrescentou o comunicado. Ontem, Biden fez campanha na Geórgia, há décadas um bastião republicano, e prometeu unidade nacional. Kamala Harris também escolheu os estados de Arizona e Texas, onde Trump tem favoritismo.

Por sua vez, o magnata republicano visitou Michigan, Wisconsin, Nebraska e Nevada. Antes, divulgou um vídeo, no Twitter, em que acusa Biden de não ser adequado ao cargo de presidente. “Nós vivemos tempos muito duros. Como exemplo, temos o Antifa. Eles (democratas) não querem condená-lo, não querem mencioná-lo. Eles dizem que é uma ideologia ou uma ideia. Não, não é. Quando uma pessoa bate na outra com um taco de beisebol, atira ou esfaqueia outra, isso não é ideologia”, declarou o magnata, em alusão ao movimento contrário à extrema-direita, cujos integrantes saíram às ruas em protesto contra a morte de George Floyd, em Minneapolis (Minnesota), e a tentativa de assassinato contra Jacob Blake, em Kenosha (Wisconsin).

Investigação

O Caucus Congressista Negro defendeu uma imediata investigação independente sobre o tiroteio e exortou Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, a levar a Lei de Justiça em Policiamento George Floyd a votação imediata. “Por que o uso de força letal pelos policias continua a ser a primeira resposta instintiva, apesar de inúmeros pedidos para a utilização de meios menos letais durante policiamento de nossas comunidades? Os EUA precisam de uma reforma da polícia agora”, afirma o comunicado à imprensa. “Não podemos garantir um país igualitário e justo sem reconfigurar a polícia e sem aprovar uma legislação que mude a cultura do policiamento em comunidades negras.

Em entrevista ao Correio, Emmitt Riley III — cientista político e diretor do Programa de Estudos Africanos da Universidade DePauw (em Greencastle, Indiana) — afirmou que Trump estruturou toda a eleição com base na ideia de que ele é o candidato da lei e da ordem. “Trata-se de um apelo racial implícito aos eleitores brancos nos EUA. Sua estratégia é apelar à base política, formada em sua maioria por homens brancos, que mantêm atitudes negativas em relação às minorias raciais e étnicas nos EUA”, explicou. O especialista acredita que os levantes raciais recentes possam surtir impacto polarizador em 3 de novembro. “Por um lado, as minorias raciais e étnicas estão fartas de seu comportamento racista, o que pode aumentar a participação eleitoral entre os negros. Por outro lado, sua base é atraída por ele por causa de sua retórica racista. Então, a morte de Walter Wallace Jr. pode motivar os partidários a comparecerem na votação”, disse Riley.

Promessa de igualdade no país

“A vida dos negros importa. Nenhum presidente deveria ter medo de dizer isto.” A declaração foi publicada por Joe Biden, candidato à democrata Presidência dos Estados Unidos, em seu perfil no Twitter, acompanhada de um vídeo de campanha. “Aqui é Joe Biden. A vida dos negros importa. Ponto final. Eu não temo afirmar isto. As desigualdades têm de ser enfrentadas. Os afroamericanos precisam de um tratamento justo no que diz respeito a oportunidades econômicas, cuidado à saúde, justiça criminal, educação e moradia. (…) Vou erradicar o racismo sistêmico. Por isso, peço o seu voto”, disse.

Juíza toma posse na Suprema Corte

A magistrada Amy Coney Barrett, indicada pelo presidente Donald Trump, foi empossada oficialmente, ontem, ao prestar o juramento judicial, administrado pelo juiz John G. Roberts Jr., chefe da Suprema Corte. A cerimônia, em caráter privado, ocorreu na Sala de Conferências Leste da sede da mais alta instância do Judiciário norte-americano. Amy esteve acompanhada do marido, Jesse M. Barrett, a quem coube a tarefa de segurar a Bíblia, na qual ela colocou a mão esquerda para o juramento. Com a efetivação de Amy Coney no cargo, a Suprema Corte passa a contar com seis juízes conservadores e três progressistas.

Eu acho...

“Não creio que a morte de Walter Wallace Jr. vá prejudicar Trump mais do que ele já se encontra politicamente danificado por sua resposta à pandemia da covid-19. Os brancos nos Estados Unidos são tão racistas e tão antinegros, que sempre que raça faz parte de nossas conversas políticas, isso geralmente afasta uma proporção significativa de brancos. Espero uma participação em massa de negros em 3 de novembro. Com 44% de negros, a Filadélfia é uma área em que Biden deve conquistar uma parcela significativa de eleitores afro-americanos, se quiser ganhar a presidência.” Emmitt Riley III, cientista político e diretor do Programa de Estudos Africanos da Universidade DePauw (em Greencastle, Indiana).

Twitter/Reprodução - FLAGRANTE DE UM ASSASSINATO — A mãe do cidadão negro Walter Wallace Jr., 27 anos, tentou protegê-lo, enquanto dois policiais apareceram de arma em punho e em posição para atirar, na região oeste da Filadélfia. Nas imagens gravadas por vídeo, Walter se desvencilha da mãe e corre em direção aos agentes. Segundos depois, os policiais atiram várias vezes, de forma sucessiva. Walter cai no chão, morto, enquanto a mãe se desespera, diante do corpo do filho e grita. "Oh, m... Oh, meu Deus!", reage um vizinho, enquanto outros se aproximam. "Por que vocês tiveram de dar tantos tiros f...?", pergunta outro morador. O crime ocorreu em plena luz do dia, às 16h (17h em Brasília) da última segunda-feira.
Mark Makela/Getty Images/AFP - Cidadãos da Filadélfia fazem fila do lado de fora de seção eleitoral para votarem com antecedência: afro-americanos podem ter papel decisivo