PARCIAIS

Voto a favor de nova Constituição no Chile lidera com folga em plebiscito

Mais de 14,7 milhões de chilenos foram convocados a votar

O voto favorável à mudança da Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet lidera com cerca de 77% dos votos no plebiscito organizado neste domingo (25) no Chile, segundo resultados oficiais parciais, após a apuração de mais de 11% votos.

A contagem foi iniciada imediatamente após o fechamento das mesas, às 20h00 locais, e, após uma hora, foi confirmada a vantagem da opção “Aprovo” sobre a “Rejeito”.

Na Praza Italia, no centro de Santiago, epicentro dos protestos do ano passado, Sebastián Llanta, um engenheiro de 32 anos, disse à AFP que "o que está acontecendo hoje era algo impossível de imaginar".

"Está sendo conquistado por tudo o que aconteceu há pouco mais de um ano. Não será como mágica, da noite para o dia, mas o que acontecer agora tem a ver com a contribuição de todos nós”, acrescentou.

Mais de 14,7 milhões de chilenos foram convocados a votar. Com a população usando máscaras e com a esperança de uma mudança, longas filas foram observadas nos centros de votação, onde o processo transcorreu sem incidentes, respeitando as medidas sanitárias para evitar a propagação da covid-19.

A taxa de participação é um dado-chave em uma votação realizada em meio a uma pandemia, em um país onde desde 2012 o voto é voluntário. A referência imediata é a eleição presidencial de 2017, quando foi eleito o presidente Sebastián Piñera em escrutínio que contou com a participação de 49,2% do eleitorado.

"Há muitas pessoas para votar de todos os lados. Nunca vi tanta gente e tantos jovens", disse à AFP José Gallardo, um motorista de táxi de 73 anos que percorreu a cidade pela manhã.

O plebiscito é marcado pela possibilidade de mudanças que este inédito processo eleitoral abre, definido após um amplo acordo político alcançado em novembro do ano passado, quase um mês após o início, em 18 de outubro de 2019, de protestos e confrontos sociais violentos com a polícia, em resposta ao aumento da passagem do transporte público em Santiago

Uma semana depois, em 25 de outubro, ocorreu o maior protesto já feito na era democrática no país. Mais de 1,2 milhão de pessoas se reuniram em torno da Plaza Italia de Santiago, uma demonstração da profundidade e amplitude do descontentamento social acumulado em décadas em um país considerado um modelo de crescimento econômico e de estabilidade na América Latina.

“Um ano depois da explosão social, é a primeira oportunidade real que temos de fazer as mudanças necessárias para melhorar a saúde, a educação, para ter uma sociedade mais igualitária”, disse Pilar Matus, uma professora de 47 anos que participou dos protestos.

O presidente Sebastián Piñera, que permanece neutro até o momento e não revelou se votaria a favor ou contra uma nova Constituição, foi às urnas cedo e pediu aos seus compatriotas que fizessem o mesmo "porque todas as vozes importam".

“Esperamos por muito mais de um ano [por isso], é um acontecimento histórico em nosso país”, disse à AFP Elías Pérez, psicólogo de 39 anos, que votou no Estádio Nacional de Santiago, lugar emblemático da história que se tornou o maior centro de votação do país para o plebiscito deste domingo.

 

A mãe da injustiça 

Um ano após o início dos protestos, o Chile aposta nas urnas para mudar a Constituição elaborada em 1980 e enterrar definitivamente a sombra da ditadura de Pinochet, resolvendo pacificamente os problemas de desigualdade e exclusão que resultaram no "estalo social" de outubro.

Para grande parte da população, a Constituição de 1980 é a mãe das desigualdades no Chile. Embora a Carta Magna não estabeleça a privatização de setores básicos, como saúde ou educação, ela incentiva a participação do setor privado e reduz o tamanho do Estado.

Mas, para os críticos do processo, uma mudança na Constituição pode prejudicar a saúde da economia e o desenvolvimento social.

“O objetivo principal deste processo constituinte é deixar para trás a sombra da ditadura de Pinochet (...) criada com o uso da força”, disse à AFP Marcelo Mella, cientista político da Universidade de Santiago.

O segundo objetivo, acrescentou Mella, é "ser capaz de resolver por meios políticos e pacíficos os problemas que se tornaram estruturais", como a desigualdade e a exclusão.

Além de escolher entre "Aprovo" e "Rejeito", os eleitores também definirão o órgão que redigirá a eventual nova Constituição: uma "Convenção Mista", composta por 172 membros, distribuída em partes iguais entre cidadãos eleitos e parlamentes em exercício, ou uma "Convenção Constitucional" de 155 membros, na qual todos os integrantes devem ser eleitos popularmente.

Caso o "Aprovo" vença, o Chile iniciará um processo que se estenderá por cerca de dois anos para redigir uma nova Constituição. O primeiro passo ocorrerá em 11 de abril com a eleição de constituintes, que terão entre nove meses e um ano para redigir uma nova Constituição.

O novo texto deverá ser ratificado em um segundo referendo.