Os sinais controversos emitidos pela Casa Branca em torno da saúde do presidente Donald Trump, infectado pelo coronavírus, elevaram a tensão em Washington e lançaram ainda mais dúvidas sobre o futuro da campanha republicana. A um mês das eleições, o chefe de gabinete da Presidência dos EUA, Mike Meadows, afirmou a jornalistas que Trump não está fora de perigo. “Os sinais vitais do presidente, ao longo das últimas 24 horas, eram muito preocupantes. As próximas 48 horas serão críticas em termos dos cuidados”, declarou. “Ainda não estamos em um caminho claro para a recuperação total.” Segundo o jornal The New York Times, as declarações tinham sido atribuídas a uma fonte familiarizada com a saúde do republicano. No entanto, um vídeo publicado na internet mostra Meadows se aproximando de repórteres e pedindo para falar em off (jargão jornalístico usado quando não se cita a fonte). O NY Times e a rede de TV ABC News, ao citarem fontes próximas a Trump, divulgaram que o magnata — de 74 anos, com 110kg e hipertenso — recebeu oxigênio suplementar desde o diagnóstico da covid-19.
Apesar do tom alarmista de Meadows, Sean Conley, médico da Casa Branca, garantiu que Trump “está indo muito bem”. “Nesse momento, a equipe e eu estamos extremamente felizes com o progresso feito pelo presidente. Na quinta-feira, Trump teve uma tosse extremamente leve, alguma congestão nasal e fadiga; todos esses sintomas diminuem e melhoram”, afirmou, do lado de fora do Centro Médico Walter Reed, hospital militar em Bethesda (Maryland), onde o mandatário encontra-se internado.
Conley contou que, nas últimas 24 horas, o presidente não teve febre e o nível de saturação de oxigênio no sangue permaneceu em 96%, considerado normal. O médico recusou-se a comentar se Trump chegou ou não a precisar de oxigênio extra. Ele também citou que se passaram “72 horas do diagnóstico”, o que sugeriria que Trump teria descoberto a doença na quarta-feira, não no início da madrugada de sexta-feira. Até agora, ele recebeu dois tratamentos experimentais: na sexta-feira, uma dose do coquetel de anticorpos Renegeron, e também o antiviral remdesivir, por via intravenosa. A terapia, de cinco dias, visa evitar a reprodução do Sars-CoV-2.
Por volta das 19h de ontem (20h em Brasília), Trump apareceu em vídeo de quatro minutos gravado no hospital para acalmar a população. Sentado a uma mesa, diante da bandeira dos EUA, ele agradeceu aos médicos e enfermeiros. “Eu vim até aqui, não me sentia tão bem. Eu me sinto muito melhor agora. Trabalho duro para retornar, eu preciso retornar, pois precisamos fazer a América grande novamente, temos passos a dar, temos que finalizar o trabalho. Acho que voltarei logo. Vamos terminar a campanha do modo que começamos”, declarou. “Isso é algo que acontece e que aconteceu a milhões de pessoas do mundo. Luto por elas. Vamos bater esse coronavírus, ou como queiram chamá-lo. Só quero dizer a vocês que começo a me sentir bem. Os próximos dias serão o teste verdadeiro, vamos ver o que acontecerá.” Ele disse que não teve “outra opção” além de se expor ao vírus.
Além de Trump, estão com covid-19 a primeira-dama, Melania; e autoridades da Casa Branca e do Congresso (veja quadro). Chris Christie, ex-governador de Nova Jersey, foi hospitalizado, ontem, após testar positivo. A campanha à reeleição de Trump lançou a “Operação MAGA (‘Torne a América grande novamente’, em inglês)”, a qual envolve a “completa organização de substitutos de alto nível, coalizões de campanha e simpatizantes de Trump, para apoiarem o presidente até que retorne às atividades”. O democrata Joe Biden conclamou a nação à solidariedade. “É hora de virmos juntos. É hora de vermos uns aos outros como colegas americanos, que não vivem apenas em estados azuis (democratas) ou vermelhos (republicanos). Mas que vivem, e amam, os Estados Unidos.”
Analistas
Para Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), a doença deverá encerrar a campanha de Trump. “Ele não mais será capaz de fazer grandes comícios ou de atacar Biden com credibilidade nas atuais circunstâncias. A hospitalização sugere que sua condição de saúde é grave, especialmente para alguém obeso e com 74 anos”, disse ao Correio. O estudioso aponta que Biden tem tomado o rumo certo. “O democrata desejou saúde ao presidente, enquanto destacou a importância de seguir as diretrizes científicas que Trump ignorou sobre as máscaras e o distanciamento social. Ao desprezar salvaguardas simples e básicas sobre o coronavírus por motivos políticos, o presidente colocou em risco a própria saúde, e a saúde e a vida de milhões de norte-americanos.” Lichtman entende que o diagnóstico positivo de Trump para a covid-19 mostra o quão perigoso tem sido a sua abordagem em relação ao coronavírus, tanto em palavras, quanto em ações. “Para os democratas, a campanha será positiva, e Biden evitará ataques ao presidente”, observa.
Professor de governo da Universidade de Harvard e especialista em eleições, Stephen Ansolabehere explicou ao Correio que Trump pode obter incremento no número de eleitores, movidos pela simpatia. “No entanto, provavelmente, a covid-19 prejudicará a campanha pela reeleição. Trump terá de suspender os compromissos agendados, incluindo vários comícios. Além disso, é provável que um ou ambos debates sejam cancelados. A doença do presidente também põe todo o foco de atenção sobre a covid-19”, avaliou. Ansolabehere acredita que Biden esteja bem posicionado para tirar vantagem da desastrosa abordagem de Trump sobre a pandemia. “Os anúncios televisivos do democrata enfatizam que ele escutará e trabalhará com cientistas para limitar a propagação da covid-19.”