"A morte da Simone abalou toda a França. Estamos muito tristes e em choque. Ela era uma pessoa muito querida por todos, feliz e batalhadora. Muito batalhadora", resume o professor de dança Marcos Souza*, sobre a amiga brasileira que morreu num atentado na cidade francesa de Nice, nesta quinta-feira (29).
"Tô abalado até agora, muito emocionado, arrasado. Uma brasileira tão querida por todos, que fez uma grande história na Europa."
Baiana de Salvador, Simone Barreto Silva tinha 44 anos e aguardava a primeira missa do dia na basílica de Notre-Dame de Nice quando um homem identificado pela polícia como Brahim Aioussaoi começou a esfaquear os presentes.
Segundo testemunhas, Simone foi atacada diversas vezes, mas conseguiu fugir e chegar a um restaurante nas redondezas, onde avisou do ataque e pediu para transmitirem aos seus filhos que ela os amava.
"Ela atravessou a rua, cheia de sangue (…) Ela ainda falava, dizia que ainda havia alguém lá (dentro da igreja)", disse Brahim Jelloule, proprietário da pizzaria L'Unik, em frente à basílica, em entrevista ao canal televisivo France Info.
Ela morreu quase uma hora depois de ser atacada. Souza conta que ficou sabendo que Simone havia morrido no ataque por meio de amigos, que foram avisando uns aos outros. "Toda a comunidade brasileira na França está em choque."
A identidade dela seria confirmada oficialmente horas depois pelo Itamaraty, na noite de quinta-feira (29/10).
"O governo brasileiro informa, com grande pesar, que uma das vítimas fatais era uma brasileira de 40 anos, mãe de três filhos, residente na França. O presidente Jair Bolsonaro, em nome de toda a nação brasileira, apresenta suas profundas condolências aos familiares e amigos da cidadã assassinada em Nice, bem como aos das demais vítimas, e estende sua solidariedade ao povo e governo franceses", escreveu o órgão em nota.
"O Itamaraty, por meio do consulado-geral em Paris, presta assistência consular à família da cidadã brasileira vítima do ataque terrorista."
Além dos três filhos, a vítima tinha diversos familiares no país, segundo o amigo. Souza conta que Simone migrou para a França ainda adolescente por meio de uma companhia de dança, a Oba Brasil, grupo criado há 20 anos que promove apresentações na Europa de samba, capoeira, batucada, entre outros.
"Simone, Barreto, Brasileira, Baiana, Artista, vítima do atentado de Nice esta manhã. Linda, alegre. Revoltante. Triste demais", escreveu o perfil oficial da companhia no Facebook.
Ao lado da irmã, Bárbara, também dançarina, Simone passou a atuar na companhia Pau Brasil, em Paris. "Vários familiares dela vieram pra cá depois que ela e a irmã chegaram. Uma foi trazendo a outra. Agora elas têm primas, irmãs aqui na França", conta Souza, que conheceu a amiga uma década atrás em Nice.
Segundo relatos de parentes a veículos de imprensa brasileiros, ela nasceu na região da Cidade Baixa em Salvador. Ao longo de sua trajetória na França, iniciada em meados dos anos 1990, obteve a cidadania francesa e se formou em gastronomia. "Tinha o sonho de viajar o mundo com um food truck", disse a amiga Ivana Gomes Amorim ao site G1.
Além de trabalhar como cuidadora de idosos, sua profissão mais recente, Simone também promovia e participava de eventos na França ligados à cultura brasileira.
"Foi a última vez que eu a vi, no começo deste ano, quando ela e a irmã fizeram um evento brasileiro aqui, que tinha comidas brasileiras, muito acarajé e muita dança", lembra Souza.
O perfil de Simone no Facebook é repleto de fotos de seus três filhos e outros familiares, de comidas que ela preparou, de eventos dos quais participou e de autorretratos seus.
O que se sabe sobre o homem responsável pelo ataque?
Logo depois do atentado, o presidente francês Emmanuel Macron disse ser um "ataque terrorista islâmico".
O prefeito de Nice, Christian Estrosi, falou sobre "islamo-fascismo" e disse que o acusado do ataque "repetiu incessantemente 'Allahu Akbar' (Alá é o maior, em português)".
Segundo fontes da polícia francesa, o homem identificado como Brahim Aioussaoi é um tunisiano de 21 anos que chegou de barco à ilha italiana de Lampedusa em setembro. Ele foi colocado em quarentena por causa da pandemia de coronavírus antes de ser liberado e aconselhado a deixar a Itália.
Aioussaoi chegou à França no início deste mês . No ataque em Nice, ele matou também Vicent Loques, 45, que era responsável pela manutenção da basílica e tinha dois filhos, e uma mulher de 60 anos, que foi praticamente degolada.
Ele foi alvejado pela polícia e está em estado grave.
O Conselho Francês da Fé Muçulmana condenou o ataque e expressou sua solidariedade com as vítimas e suas famílias.
Outros dois ataques ocorreram no mesmo dia (29/10), um em Montfavet (França) e outro em Jeddah (Arábia Saudita), onde um guarda do consulado francês foi ferido.
Os ataques ocorrem dias depois de protestos em alguns países de maioria muçulmana, desencadeados pela defesa do presidente Macron da publicação de caricaturas que retratavam o profeta Maomé e quase duas semanas após a morte do professor Samuel Paty em uma escola nos arredores de Paris.
Segundo a polícia francesa, Paty foi decapitado por Abullakh Azorov, de 18 anos, por ter mostrado a seus alunos charges do profeta Maomé, figura sagrada no islamismo, como parte de uma aula sobre liberdade de expressão. Azorov foi morto a tiros pela polícia.
As representações do profeta Maomé são consideradas tabu no Islã e são ofensivas para muitos muçulmanos. Mas para o Estado francês, restringir a liberdade de expressão para proteger os sentimentos de uma comunidade em particular prejudica a unidade nacional, e o secularismo do Estado é fundamental para a identidade nacional da França.
"Se formos atacados mais uma vez, é pelos valores que são nossos: a liberdade, pela possibilidade em nosso solo de acreditar livremente e não ceder a nenhum espírito de terror", afirmou Macron.
O presidente disse que o número de soldados destacados para proteger locais públicos em todo o país aumentaria de 3 mil para 7 mil.
Com o aumento das tensões, as autoridades francesas pediram a seus cidadãos em vários países islâmicos que tomem cuidado e permaneçam vigilantes.
*Nome falso; entrevistado pediu para não ser identificado
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