DOHA

Exames ginecológicos forçados no aeroporto viram escândalo no Catar

Em 2 de outubro, agentes do aeroporto de Doha retiraram passageiras de um avião de um voo para Sydney, obrigando-as a fazer testes

Agência France-Presse
postado em 27/10/2020 09:11 / atualizado em 27/10/2020 09:12
 (crédito: AFP / KARIM JAAFAR)
(crédito: AFP / KARIM JAAFAR)

Doha, Catar — O escândalo de exames ginecológicos forçados em várias passageiras, após a descoberta de um bebê recém-nascido abandonado no aeroporto internacional de Doha, pode desferir um sério golpe nos esforços do rico país do Golfo para melhorar sua imagem antes da Copa do Mundo de 2022.

Em 2 de outubro, agentes do aeroporto de Doha retiraram passageiras de um avião de um voo para Sydney, obrigando-as a fazer testes para determinar se alguma havia dado à luz recentemente após a descoberta do recém-nascido abandonado nos banheiros.

Pequeno país do Golfo Pérsico muito rico em gás, o Catar ganhou prestígio internacional, devido aos investimentos em mídia, esporte e cultura. Em 2022, o emirado será o primeiro país árabe a sediar uma Copa do Mundo de Futebol.

Com sua frota ultramoderna e serviços de luxo, a companhia aérea nacional Qatar Airways é uma das mais prestigiadas do mundo e sua reputação também pode ser afetada pelo incidente, estima Mark Gell, fundador da Reputation Edge, empresa de consultoria de imagem.

"Foi responsabilidade da companhia aérea? Não sabemos. Mas isso pode ter um impacto sobre os negócios", disse à AFP.

A Austrália é um mercado particularmente importante para a Qatar Airways. Antes da pandemia de covid-19, a empresa operava em seis cidades do país. No pior da crise, até se gabou de repatriar australianos em perigo, quando seus concorrentes suspenderam os voos.

"Evitar a Qatar Airways"

Os australianos - especialmente as mulheres - certamente "evitarão a Qatar Airways como uma peste", disse Alex Oliver, diretor de pesquisa do instituto Lowy, de Sydney. "É uma decisão chocante de um país que gastou bilhões de dólares de dinheiro público para tentar dar a imagem de um Estado mais liberal", avaliou.

O Catar é regido pela lei islâmica, que pune com prisão mulheres que engravidam, ou fazem sexo fora do casamento. Ativistas há muito defendem a descriminalização dos "casos de amor", que envolvem  

mulheres, especialmente imigrantes, que engravidaram fora do casamento.

Elas geralmente dão à luz sem a ajuda de médicos, que são obrigados a notificar esses casos em um país de 2,75 milhões de habitantes, onde 90% da população é estrangeira.

O Catar deveria "examinar a política que levou a este evento (o abandono do bebê, NDLR) em primeiro lugar", afirmou a ONG Human Rights Watch à AFP.

"Traída"

Apesar de seus esforços de comunicação, não é a primeira vez que o Catar vê sua imagem afetada. O país é regularmente criticado pelas condições de trabalho dos migrantes, principalmente daqueles contratados para trabalhar em sites de futebol da Copa.

O país também é frequentemente criticado por financiar o jihadismo, apoiar a Irmandade Muçulmana e criminalizar a homossexualidade.

O governo do Catar não reagiu ao incidente no aeroporto, apesar da reação furiosa da chanceler australiana, Marise Payne, que chamou o incidente de "extremamente perturbador, chocante, preocupante".

A direção do aeroporto não pediu desculpas, mas afirmou que o bebê está vivo e em tratamento.

"As pessoas que tiveram acesso à área específica do aeroporto onde o recém-nascido foi encontrado foram convidadas a auxiliar na investigação", afirmou em nota.

Para Oliver, essa reação "tão dura e intransigente" contrasta com as ambições de um país que se preocupa principalmente com sua imagem internacional.

"Não consigo parar de pensar nas minhas filhas, se elas estivessem naquele avião", disse à AFP uma expatriada que mora em Doha, que pediu anonimato por temer represálias. "Isso me deixa doente, me sinto traída pelo país onde moro", acrescentou.

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