A Bolívia elegerá um novo presidente no domingo em meio à sua mais profunda crise econômica em quase 40 anos, com uma previsão de contração do PIB de 6,2% em 2020, a pior queda desde os anos 1980, quando experimentou hiperinflação.
A pandemia do novo coronavírus, que deixa 137 mil infectados e 8.100 mortos neste país de 11 milhões de habitantes, acentuou os problemas da economia boliviana, que caiu 7,93% até julho em comparação ao mesmo período de 2019.
A taxa de desemprego urbano disparou de 6,6% para 10,5% entre janeiro e agosto, segundo dados oficiais. "Estamos muito próximos de uma grave crise econômica", resumiu o economista Roberto Laserna, presidente do centro de estudos da Fundação Milênio, em conversa com a AFP.
Isso é consequência "de uma má política aplicada nos últimos 14 anos, que não se preocupou com a capacidade produtiva e se limitou a inflar e engordar o Estado com investimentos que não foram produtivos", acrescentou, referindo-se ao governo de Evo Morales (2006-2019).
A crise da saúde expôs as fragilidades estruturais da economia boliviana, após seis anos de desaceleração com redução gradual do crescimento e aumento do déficit fiscal, cinco de desequilíbrio comercial, perda constante de reservas internacionais e endividamento crescente.
Essa deterioração, juntamente com a incerteza política persistente, recentemente levou a Moody's a rebaixar o rating de crédito da Bolívia de 'B1' para 'B2'. Nesse contexto, os bolivianos elegerão seu novo presidente em uma disputa que será definida entre o esquerdista Luis Arce e o centrista Carlos Mesa, segundo as pesquisas.
Crise do modelo
Durante a gestão de Morales (2006-2019), a Bolívia promoveu um modelo econômico que priorizou a exploração dos recursos naturais do país, sem diversificar seu aparato produtivo e aumentando sua dependência do setor primário, destacaram os especialistas.
"Foi promovido um modelo voltado para a promoção do consumo. Um modelo compatível com um 'superciclo' de matérias-primas, onde o governo recebe mais receita, aumenta o gasto fiscal, as pessoas consomem e a economia cresce", disse Javier Aliaga à AFP, pesquisador do Centro de Estudos Econômicos Inesad.
Isso gerou um sentimento de prosperidade entre os bolivianos, que se expressou, por exemplo, na transferências de dinheiro entregues a diferentes segmentos da sociedade, na compra de um satélite e na instalação de um serviço de teleférico em La Paz, que deu à cidade um perfil de modernidade.
O crescimento do PIB atingiu o pico em 2013, com 6,8%. A bonança reduziu a pobreza de 60% para 37,2% e a pobreza extrema de 38,2% para 12,9%, segundo dados oficiais.
Quando o "superciclo" desacelerou, para manter o modelo, o governo Morales continuou injetando recursos na economia usando reservas internacionais e aumentando o endividamento. Também congelou a taxa de câmbio para ancorar as expectativas de inflação. E os bolivianos começaram a vender, comprar e economizar na moeda local.
"O congelamento do dólar manteve o câmbio valorizado, o que reduz a possibilidade de os exportadores competirem, afetando a balança comercial e com custo nas reservas internacionais" para manter a paridade, explica Aliaga.
Assim, a Bolívia chega às eleições no domingo com um crescimento em queda gradual desde 2014. Em 2019, a expansão do PIB foi de 2,2%. Antes da pandemia, o Banco Central projetava para este ano um crescimento de 3,5%, prognóstico recém revisto para uma queda de 6,2%, coincidindo com o do FMI.
Desafios
O próximo executivo, que tomará posse em 1º de janeiro, terá que enfrentar os desafios imediatos da pandemia, além de fortalecer a capacidade produtiva e melhorar as oportunidades de investimento privado, afirma Laserna.
"As tarefas do próximo governo são titânicas", avalia Aliaga, que aponta melhora das contas públicas e da qualidade do endividamento, injeção de liquidez para impulsionar a cadeia de pagamentos, melhoria do marco legal para investimentos, reformas trabalhistas e o retorno a uma taxa de câmbio flutuante.
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