Na reta final da disputa pela Casa Branca, uma denúncia da imprensa norte-americana joga um novo ingrediente no já acalorado duelo entre o presidente Donald Trump e o democrata Joe Biden. Segundo o jornal The New York Times, o magnata pagou apenas US$ 750 em impostos federais no ano em que conquistou o primeiro mandato, 2016. Ainda de acordo com reportagem, que investigou 20 anos de declarações fiscais do republicano, durante ao menos uma década, ele deixou de pagar o que devia. Dono de uma fortuna estimada em US$ 3 bilhões, Trump chamou de “fake news” a denúncia.
O magnata do mercado imobiliário sempre negou-se a publicar suas declarações ao fisco. “Ele não pagou qualquer imposto sobre a renda em 10 dos 15 anos anteriores (a 2016), em grande parte porque declarou mais perdas do que receitas”, escreveu o jornal. “O The New York Times obteve informações fiscais dos últimos 20 anos do senhor Trump e das centenas de empresas que compõe seu grupo, incluindo informações detalhadas sobre seus primeiros dois anos no cargo. Isso não inclui suas declarações de imposto de renda pessoais de 2018 e 2019”, explicou a publicação, que promete mais revelações nos próximos dias.
Desde a década de 1970, todos os antecessores de Trump tornaram públicas suas declarações. Porém, o atual mandatário, cujo conglomerado familiar não tem ações na Bolsa de Valores e que fez da fortuna um argumento de campanha, recusa-se a divulgá-las, travando, há anos, uma batalha judicial para que sejam mantidas em sigilo. A falta de transparência dá margem para especulações sobre o verdadeiro volume de sua riqueza e possíveis conflitos de interesses.
Em uma coletiva de imprensa, ontem, na Casa Branca, Trump desqualificou as denúncias. “São ‘fake news’, totalmente inventadas”, disse. “Eu paguei muito, e também paguei muito imposto de renda a nível estatal, o estado de Nova York cobra muitos impostos”, defendeu-se, sem dar mais detalhes.
“Parece que o presidente tirou proveito do código tributário e usou brigas legais para atrasar ou evitar o pagamento do que deve”, reagiu, em comunicado, o deputado democrata Richard E. Neal, de Massachusetts, presidente do Comitê de Formas e Meios, o principal comitê de redação sobre impostos da Câmara dos Deputados norte-americana. “O relatório de hoje (ontem) ressalta a importância do processo em andamento do Comitê de Modos e Meios para acessar as declarações de impostos do Sr. Trump.” Mesmo alguns conservadores reagiram com alarme à investigação. O Drudge Report, um site de notícias de direita, publicou uma manchete em letras maiúsculas em vermelho: “O FALSO BILIONÁRIO?”.
Debate
As revelações do The New York Times devem dar nova munição ao Joe Biden para o debate de amanhã, o primeiro de uma série de três. Os rivais se enfrentarão durante 90 minutos no canal de TV Fox. O atual ocupante da Casa Branca, que nomeou, no sábado, a juíza conservadora Amy Coney Barrett para Suprema Corte, deve apostar na estratégia de desqualificar o rival, de 77 anos, a quem apelidou de “Joe, o dorminhoco”.
Apenas três anos mais novo, Trump afirma que Biden sofre demência cognitiva pela idade. Com uma pequena vantagem nas pesquisas, o democrata, conhecido pela falta de oratória, poderá explorar as denúncias da imprensa norte-americana e deverá apostar da tese de que a indicação de Barret acabará com a reforma do sistema de saúde instituído pelo ex-presidente Barack Obama, conhecida como Obamacare.
A nomeação da juíza precisa ser confirmada pelo Senado, de maioria conservadora. Com esse trunfo, Trump espera mobilizar o voto da direita religiosa que o ajudou a chegar à Casa Branca há quatro anos, para recuperar espaço nas pesquisas. A magistrada, uma católica praticante e mãe de sete filhos, é conhecida por sua oposição ao aborto, uma das questões-chave na polarização cultural nos Estados Unidos. Ontem, Joe Biden acusou o presidente norte-americano de querer emplacar Barrett apenas para “eliminar”, em plena pandemia, o Obamacare. O político voltou a pedir que os congressistas não se pronunciem sobre a nomeação antes do resultado eleitoral.
No debate de amanhã, que será mediado pelo jornalista Chris Wallace, da rede conservadora Fox News, Biden deve explorar a gestão da crise da covid-19, que deixou mais de 203 mil mortos nos Estados Unidos e disparou o desemprego no país, afetando especialmente as minorias. O democrata tem uma vantagem nas pesquisas em nível nacional, com 49,6% contra 42,9% do rival, segundo a RealClearPolitics. Ele está à frente especialmente entre os latinos, que somam 32 milhões de eleitores (13,3% do total): 65% de apoio, contra 36% de Trump.
Esse percentual cai na Flórida, um estado-chave, devido aos eleitores de origem cubana, que rejeitam Biden, acusado pelo presidente norte-americano de ser socialista. No estado, crucial para se chegar à Casa Branca, pois acumula 29 votos de delegados, a vantagem do democrata é bem mais apertada: 48,7% das intenções de voto contra 47,4%. A estratégia de Trump no reduto hispânico é explorar o sentimento anticomunista.
Biden, por sua vez, tenta aproveitar a rejeição ao presidente por sua gestão do fucarão María, que deixou 3 mil mortos na ilha, para somar votos na comunidade porto-riquenha emigrada após o desastre. “Trump falhou com a comunidade latina em várias oportunidades”, disse o democrata, em um deslocamento de campanha incomum à Flórida em meados deste mês.
Ringue
“É como uma luta no ringue. A mesma coisa, um pouquinho menos físico, apenas”, disse Donald Trump há alguns dias, comparando o debate com uma luta de Artes Marciais Mistas (MMA). Para especialistas, o ponto forte do presidente nos duelos verbais é a capacidade de impor suas próprias regras.
“Ele é único”, afirmou à agência France-Presse Aaron Kall, professor da Universidade de Michigan e coautor do livro Debating The Donald. O midiático republicano, que comandou um popular programa de televisão, tem insistido nas piadas sobre o estado de saúde física e mental do oponente.
Ontem, Trump disse que pedirá um teste toxicológico antes e depois do debate, sugerindo, mais uma vez, que Biden utiliza drogas, sem dar exemplos ou apresentar provas. “Suas atuações nos debates foram DESIGUAIS em níveis recordes, para dizê-lo suavemente. Somente as drogas poderiam causar essa discrepância??”, escreveu nas redes sociais. Por sua vez, o democrata ganhou munição ontem, que poderá ser usada no “ringue”.