O trânsito nas avenidas Niezaleûnasci (“Independência”, em bielorrusso) e Peramozcau (“Vencedores”) — as principais artérias do centro de Minsk, capital da Bielorrússia — entrou em colapso, pouco antes das 11h (5h em Brasília) de ontem. No Palácio da Independência, uma das residências oficiais, o presidente Alexander Lukashenko, 66 anos, surpreendeu a ex-república soviética e o mundo ao ser empossado em uma cerimônia sigilosa. “Na terça-feira, tínhamos escutado rumores, mas as autoridades não repassaram nenhuma informação. A assessoria de imprensa de Lukashenko chegou a negar o evento na manhã de hoje (ontem)”, afirmou ao Correio o psicólogo Vasilly Pron, 39 anos.
Assim que os cidadãos souberam da posse, tomaram as ruas da cidade. As forças de segurança reagiram com jatos d'água, bombas de efeito moral e violência. Cerca de 200 manifestantes foram detidos e levados por vans descaracterizadas. O vídeo de um ativista bielorrusso perseguido pela polícia e salvo por um taxista, que partiu em alta velocidade, viralizou na internet. Os Estados Unidos avisaram que não reconhecem Lukashenko como presidente legítimo.
“As eleições de 9 de agosto não foram livres nem justas. Os resultados anunciados foram fraudulentos e carentes de legitimidade”, declarou um porta-voz do Departamento de Estado. “Os Estados Unidos não podem considerar Alexander Lukashenko como o presidente legítimo da Bielorrússia”, acrescentou. A Alemanha também denunciou a falta de “legitimidade democrática”. “Esta posse alegada é claramente uma farsa”, reagiu Svetlana Tikhanovskaya, principal rival de Lukashenko, por meio de um comunicado no aplicativo Telegram, a partir da Lituânia, onde se refugiou. Linas Linkevicius, ministro das Relações Exteriores lituano, também respondeu com sarcasmo, em seu perfil no Twitter: “Que farsa! Eleições fraudulentas, posse fraudulenta”.
“Ao assumir o cargo de presidente da República da Bielorrússia, juro solenemente servir fielmente ao povo da República da Bielorrússia, a fim de respeitar e proteger os direitos e as liberdades do homem e do cidadão; observar e proteger a Constituição da República da Bielorrússia; e cumprir, estrita e conscienciosamente, os elevados deveres conferidos a mim”, declarou Lukashenko, ao prestar juramento para o novo mandato — o autocrata está no poder desde 1994. De acordo com a Presidência da Bielorrússia, “várias centenas de pessoas foram convidadas para a cerimônia”, incluindo autoridades, deputados e membros do Conselho da República, chefes de governo, jornalistas, cientistas, artistas e atletas.
Abandono
Em seu discurso de posse, Lukashenko afirmou que a “Bielorrússia pode ser um jovem Estado independente em escala mundial, mas os bielorrussos não são mais crianças, são uma nação”. Ele disse que “não tem o direito de abandonar o povo, cujas preferências políticas, destino e o futuro dos filhos estão ligados à política do governo”. “Não posso abandonar aqueles que permanecem fiéis ao país e à nação, em um período tão complicado para a Bielorrússia”, acrescentou, ao elogiar a “tenacidade, a coragem e a solidez” das forças de segurança. Ele citou uma “revolução de cor” — apelido dado na ex-União Soviética aos movimentos populares que expulsaram os regimes autoritários do poder desde o início de 2000 na Ucrânia, Geórgia e Quirguistão. A agência estatal de notícias Belta divulgou que Lukashenko prestou o juramento no idioma bielorrusso, assinou o termo de posse, e recebeu, das mãos do chefe da Comissão Eleitoral, o certificado de presidente da República.
Para o ativista Miron Vituskha, 16 anos, a cerimônia de posse de Lukashenko deixou os bielorrusos mais furiosos e complicou a situação do presidente. “Os protestos de hoje (ontem) foram espontâneos e consistentes. A posse foi um evento tão patético, pois a maioria dos chefes de Estado e de governo da União Europeia recusou-se a reconhecer Lukashenko. Ele reuniu apenas um punhado de policiais, agentes do serviço secreto e integrantes do Exército”, relatou ao Correio.
O advogado e ex-preso político Andrej Vitushka, pai de Miron, admitiu que as forças de segurança adotaram a mesma repressão brutal das últimas semanas. “Os agentes usaram bombas de efeito moral e canhões d'água. A posse de Lukashenko evidencia o minúsculo apoio da sociedade ao presidente — formado por policiais e um punhado de burocratas, além do líder russo, Vladimir Putin.”
» Navalny recebe alta em Berlim
Trinta e dois dias depois de ter sido internado em Berlim em coma induzido e em estado grave por um possível envenenamento, o líder opositor russo Alexei Navalny recebeu alta do hospital, ontem, e pode começar a planejar o retorno a Moscou. “O estado de saúde do paciente melhorou tanto, que a terapia intensiva foi interrompida”, afirma nota divulgada pelo Hospital Charité de Berlim. “Ao observar a evolução do tratamento até agora e do estado atual do paciente, os médicos consideram que é possível um restabelecimento completo”, completa o texto. O Kremlin afirmou que o opositor era “livre” para retornar à Rússia.
Os súditos chegaram ao poder...
Poucas horas depois da cerimônia de posse de Alexander Lukashenko, internautas bielorrussos começaram um divertido flashmob nas redes sociais. “Nós decidimos que cada um pode ser empossado a qualquer posição. Eu escolhi ser o Imperador da Galáxia”, disse ao Correio o poeta e intérprete Andrey Khadanovich, morador de Minsk. “É uma reação irônica ao comportamento de nosso ex, e agora ilegítimo, presidente. Lukash falsificou as eleições, implantou o terror no país e lutou contra seu próprio povo. Agora, pela primeira vez em 26 anos de governo, ele arrumou uma posse secreta. É o comportamento de um psicopata”, acrescentou. Também em Minsk, a atriz Zelia Zeliankouskaia e o filho colocaram uma coroa de feltro e posaram para foto dentro de uma banheira.