Novo confinamento

Israel é o primeiro país a decretar o segundo lockdown como tentativa de conter a pandemia. Decisão anunciada às vésperas de feriado judaico acirra as críticas ao primeiro-ministro, acusado de falhar no combate à crise sanitária. Em protesto, forte aliado pede demissão

Israel é o primeiro país a decretar um segundo lockdown para conter a pandemia da covid-19. Benjamin Netanyahu anunciou, ontem, um novo confinamento de três semanas, em meio ao acirramento das críticas quanto à forma como tem combatido a crise sanitária. As medidas de isolamento serão adotadas a partir de sexta-feira, véspera dos feriados judaicos, período em que os israelenses realizam confraternizações e viagens. O cronograma intensificou o clima de insatisfação e levou à renúncia de um forte aliado do governo.

O premier admitiu que as medidas “cobrarão um preço alto” e que há a possibilidade de elas durarem mais tempo. “O governo decidiu, hoje, aplicar um confinamento estrito de três semanas, com a opção de prorrogar a medida”, declarou. A medida ocorre após autoridades terem decretado toque de recolher em cerca de 40 cidades — principalmente nas localidades árabes e ultraortodoxas —, mas não registrarem sucesso na contenção da pandemia. Segundo a Agência France-Presse (AFP), Israel foi o segundo país com maior número de casos per capita nas últimas semanas, atrás apenas do Barein. Foram registrados 4.038 novos casos de covid-19 na quinta-feira, um número recorde.

O novo bloqueio exige que os israelenses fiquem a 500 metros de casa, com viagens permitidas apenas para os locais de trabalho. O setor público vai operar com menos funcionários, e escritórios e empresas não poderão aceitar clientes. Escolas e shoppings serão fechados, mas supermercados e farmácias poderão funcionar. “Eu sei que essas medidas vão cobrar um preço alto para todos nós”, disse Netanyahu, em um discurso exibido pela televisão. “Esse não é o tipo de feriado a que estamos acostumados. E, certamente, não poderemos comemorar com nossos parentes”, ressaltou.

Líder de um partido ultraortodoxo israelense e um dos principais aliados do primeiro-ministro, Yaacov Litzman não gostou da decisão e, em protesto, renunciou ao cargo de ministro. Litzman era ministro da Saúde no início da pandemia e foi transferido para o ministério da Habitação. Ontem, ele acusou o governo de tentar impor um novo confinamento a partir das festas de ano-novo judeu quando as medidas “necessárias” poderiam ter sido adotada antes.

“Centenas de milhares de judeus de todas as localidades e áreas não poderão orar em suas sinagogas durante as festas do ano-novo judeu”, lamentou Litzman em sua carta de renúncia. “Essa decisão de impor um fechamento total não permitirá às sinagogas funcionarem nos dias festivos (…), contrariando expressamente o que havia sido acordado”, completou. Netanyahu disse que “realmente lamentava” a decisão do aliado de abandonar o governo para voltar a ocupar seu assento de deputado, mas enfatizou que seu governo deve “tomar as decisões necessárias”.

“Fecha o país e foge”
A população também tem reagido às decisões do primeiro-ministro. Ocorreram protestos no país contra Netanyahu durante o fim de semana. Nos de ontem, a ida do premier aos Estados Unidos também foi criticada. Reunidos no aeroporto, os manifestantes alegavam que Netanyahu abandonava o país em meio a uma crise.

Na viagem, ele assinará o acordo de relações diplomáticas com os Emirados Árabe Unidos. “As pessoas estão desmoronando e o Netanyahu, que não consegue administrar a crise, fecha o país e foge”, declarou ao jornal The Jerusalém Post um dos líderes do protesto. “Um momento antes de entrar no bloqueio, em vez de lidar com o desastre que causou, Netanyahu foge por quatro dias de campanha nos Estados Unidos”, disse a organização do Black Flags, um dos grupos que foi ao aeroporto. Israelenses que vivem em várias cidades dos Estados Unidos também planejam reunir-se em Washington para protestar contra Netanyahu.

Com uma população de 9 milhões de pessoas, Israel registrou quase 10 mil casos de infecção e mais de mil mortes. Além da pandemia, o país enfrenta uma recessão e taxa de desemprego superior a 20%.

Europa tenta conter a segunda onda

O novo aumento de casos de covid-19 em países da Europa e a adoção de medidas, por alguns deles, para conter uma segunda onda de infecções sinalizam que outros governos poderão tomar a mesma decisão que Israel. Após registrar 7.036 novos casos no fim de semana — no anterior, foram 3.753 —, o governo britânico planeja discutir, hoje, a extensão da proibição de reuniões sociais. Na sexta-feira, a cidade de Birmingham, a segunda maior do Reino Unido, aprovou o fim de reuniões com amigos. A partir de amanhã, os moradores “não poderão mais se reunir em outras casas, nem em interiores, nem em jardins privados”, avisa o comunicado.

A França ultrapassou 10 mil novos casos de covid-19 no sábado (10.561), um recorde desde o lançamento dos testes em larga escala no país. Ontem, o número caiu para 9.641. Autoridades francesas descartaram impor mais restrições, apesar do que chamaram de “clara piora”. Na semana passada, o governo classificou sete áreas do norte como “zonas em que o vírus circula ativamente”. Cidades importantes, incluindo Lille, Estrasburgo e Dijon, estão dentro das zonas vermelhas, o que permite que autoridades locais endurecem as medidas de isolamento. Em Lille, por exemplo, o horário de funcionamento de restaurantes e bares foi reduzido.

Na Itália, uma das maiores preocupações é com a volta dos estudantes às escolas, que ocorre hoje. Aulas ao ar livre e “salas de isolamento” são algumas das medidas adotadas para evitar o contágio. O país foi um dos primeiros da Europa a serem afetados pela pandemia — ontem a taxa de casos confirmados foi de 1.501, contra 1.616 no dia anterior. Com as crianças em sala de aula há uma semana, a Espanha também está em alerta. A marca de 10 mil registros diários de infectados pelo coronavírus foi atingida na última quinta-feira e se manteve no fim de semana. Nas semanas anteriores, as taxas variam entre 7 e 8 mil casos por dia.

Recorde de casos em 24 horas

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo registrou um recorde de novos casos do coronavírus contabilizados em apenas um dia. Foram 307.930 casos confirmados, sendo três países responsáveis por mais da metade deles: Índia (94.372), Estados Unidos (45.523) e Brasil (43.718). O recorde anterior era de 6 de setembro, com 306.857 novos casos em 24 horas.