Artistas e intelectuais árabes vêm se desligando há semanas de eventos culturais e prêmios literários financiados pelos Emirados Árabes Unidos, uma forma de protestar contra o acordo para normalizar as relações com Israel e apoiar a causa palestina.
"Considerando que a arte não tem valor se não estiver intimamente relacionada a questões humanitárias e de justiça, estou cancelando minha participação em sua exposição", escreveu o fotógrafo palestino Mohamed Badarne à fundação artística de Sharjah, um dos sete emirados da federação.
No dia 13 de agosto, os Emirados Árabes Unidos anunciaram a normalização de suas relações com Israel no âmbito de um acordo negociado com os Estados Unidos para se tornar o primeiro país do Golfo e o terceiro árabe a estabelecer relações oficiais com o Estado hebreu, depois do Egito e da Jordânia.
Os palestinos denunciaram o pacto e reiteraram que a paz entre palestinos e israelenses deve ser uma etapa anterior a qualquer normalização, e não o contrário.
O ministro da Cultura palestino, Atef Abu Seif, exortou os intelectuais árabes a se posicionarem contra a decisão que "fortalece o inimigo" Israel.
Radicado em Berlim, Mohamed Badarne rapidamente decidiu se retirar da exposição em Sharjah. "Como um povo sob ocupação, temos que nos posicionar contra qualquer coisa que tenha a ver com a reconciliação do ocupante israelense", disse à AFP.
"Pecar"
Nas redes sociais, personalidades do mundo cultural de vários países árabes, como Argélia, Iraque, Omã ou Tunísia, criticaram a posição de Abu Dhabi. Até mesmo artistas dos Emirados levantaram suas vozes contra o acordo.
"Um dia triste e catastrófico", disse a escritora Dhabiya Khamis quando o pacto foi anunciado. "Não à normalização entre Israel e os Emirados e os países árabes do Golfo! Israel é o inimigo de toda a nação árabe", enfatizou no Facebook.
Nos últimos anos, os Emirados têm investido somas colossais no setor cultural, principalmente com a inauguração, no final de 2017, de uma antena do museu parisiense do Louvre em Abu Dhabi.
Vários prêmios literários são financiados pelo país, como o Prêmio Chefe Zayed, em homenagem ao ex-presidente dos Emirados.
A romancista marroquina Zohra Ramij, concorrendo a este prêmio, anunciou que se retirava "em solidariedade ao povo palestino". O poeta marroquino Mohammed Bennis disse, por sua vez, que estava deixando o comitê organizador do prêmio.
"Seria um pecado ganhar um prêmio" dos Emirados, considerou o escritor palestino Ahmed Abu Salim, que desistiu de concorrer ao Prêmio Internacional de Ficção Árabe (IPAF).
"Sou um intelectual a favor da causa palestina, seja qual for o preço a pagar", disse ele à AFP.
Apoiado pela fundação London Booker Prize, este prêmio é financiado pela Autoridade de Turismo e Cultura de Abu Dhabi.
Em uma carta, laureados e membros do júri pediram aos responsáveis do IPAF que rejeitassem o financiamento dos Emirados. Um dos signatários do texto, o intelectual palestino Khaled Hroub, disse à AFP que havia se retirado do júri.
Contactado pela AFP, o IPAF recusou-se a comentar o assunto.
Esses boicotes são "uma resposta natural e patriótica dos intelectuais árabes", estima Omar Barghouti, um dos líderes palestinos do movimento BDS (boicote, desinvestimento, sanções).
E quem quiser se beneficiar do acordo entre Israel e os Emirados, "verá suas empresas (...) boicotadas", alertou.
Este movimento, acusado de antissemitismo por Israel, clama por um boicote econômico, cultural e científico ao Estado hebreu, com vistas a acabar com a ocupação e colonização dos Territórios Palestinos.
O poeta palestino Ali Mawassi afirma que, quando os Estados decidem normalizar suas relações, a população nem sempre concorda.
A maioria dos artistas egípcios e jordanianos "continua a se recusar a se associar a qualquer coisa que esteja ligada a Israel".
Mas, segundo o poeta, "há muitos artistas que se calam para aproveitar as oportunidades que o dinheiro dos Emirados traz".