Da escadaria do Lincoln Memorial, de frente para o Monumento Washington e no mesmo local em que seu pai falou à multidão, em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King III bradou: “Há um joelho sobre o pescoço da democracia, e nossa nação não pode viver muito tempo sem o oxigênio da liberdade”. Diante de milhares de pessoas reunidas no National Mall, um dos principais cartões-postais de Washington D.C., o filho de Martin Luther King Jr. fez alusão ao assassinato de George Floyd, um homem negro morto asfixiado por um policial branco em Minneapolis (Minnesota), e exortou a comunidade afro-americana a votar, em 3 de novembro. Pediu que os americanos continuem a luta contra a desigualdade entre negros e bancos. Sem citar o presidente Donald Trump, ele defendeu “a mudança desesperadamente necessária nos EUA”. O evento marcou o 57º aniversário do famoso discurso I have a dream (“Eu tenho um sonho”) e ocorreu a pouco mais de 2km da Casa Branca, onde Trump fez um pronunciamento de 70 minutos, ao fim da Convenção Nacional Republicana.
Além do filho de King, o reverendo Al Sharpton foi outra estrela da marcha, que mobilizou familiares de cidadãos negros vítimas da violência policial. “É hora de termos uma conversa com a América. Nós precisamos ter um diálogo sobre o seu racismo, sobre sua intolerância, sobre seu ódio, sobre como vocês colocarão seus joelhos sobre nossos pescoços enquanto choramos por nossas vidas”, disse Sharpton. Ele cobrou a aprovação, por parte do Senado, da Lei de Justiça e Policiamento George Floyd. O texto propõe o fim das abordagens com motivação racial e da brutalidade polícial, além da proibição do estrangulamento.
Jacob Blake Sr., pai do homem negro de 29 anos baleado sete vezes por um policial branco de Kenosha (Wisconsin), pediu aos afro-americanos que reajam. “Nós vamos nos levantar. Cada pessoa negra dos Estados Unidos vai se levantar. Nós estamos cansados!”, declarou, ao pedir punição pelo “racismo sistêmico”.
Mudança
Parentes de George Floyd e de Breonna Taylor, uma mulher negra de 26 anos morta pela polícia dentro do próprio apartamento, emocionaram-se ao escutarem a multidão repetir os nomes das vítimas. “O que precisamos é de mudança e estamos em um ponto em que podemos conseguir essa mudança. Mas, devemos ficar juntos”, desabafou Tamika Palmer, mãe de Breonna, citada pela agência France-Presse.
Por meio do Twitter, o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, lembrou o aniversário do discurso de Martin Luther King Jr. e sublinhou o dever do país de prosseguir com “o árduo trabalho de aperfeiçoar nossa união”. “Cabe a todos nós continuar com a marcha rumo à igualdade, à liberdade e à justiça para todos”, escreveu. Até o fechamento desta edição, Donald Trump não tinha feito qualquer comentário sobre o tema. Os dois candidatos retomaram, ontem, a campanha política, a 67 dias das eleições de 3 de novembro (leia nesta página).
Em entrevista ao Correio, Samuel Myers Jr. — professor de relações humanas e justiça social da Universidade de Minnesota — admitiu que grande parte das palavras de Martin Luther King sobre a desigualdade econômica foi esquecida. “O discurso ‘Eu tenho um sonho’ foi popularizado pela pequena parte relacionada ao ‘conteúdo do caráter dos negros versus a cor da pele’. O resto do pronunciamento enfocou a injustiça econômica e a necessidade de admitir o racismo. Sim, o sonho de King permanece distante”, lamentou.
Samuel demonstra ceticismo em relação à influência da marcha de ontem sobre o eleitorado afro-americano. “Os negros não votarão a favor ou contra uma candidato por causa do que ocorreu no National Mall, hoje (ontem). Em vez disso, eles votarão por causa dos esforços em suas comunidades para fazer com que as pessoas compareçam às urnas, para fazer perceberem o quão histórica é esta eleição”, explicou. “Os negros conhecem e entendem o que está em jogo nesta eleição.”
“Há um joelho sobre o pescoço da democracia, e nossa nação não pode viver muito tempo sem o oxigênio da liberdade”
Martin Luther King III, ativista dos direitos civis e filho de Martin Luther King Jr.