Entrevista / Raysean White


“A polícia tem de parar de nos matar”

Raysean White, 22 anos, funcionário de um armazém, é testemunha-chave da tentativa de assassinato sofrida por seu vizinho Jacob Blake. Da janela de seu apartamento, na 40th Street, na região norte de Kenosha (Wisconsin), ele filmou toda a ação da polícia. Desde aquela tarde de domingo, Raysean não consegue dormir. A imagem de um dos três filhos de Blake, de 4 anos, diante do pai ensanguentado no chão não sai da mente dele. “Eu precisarei buscar ajuda psicológica, pois estou traumatizado”, desabafou. Raysean contou ao Correio o que viu. Ele desmentiu que Blake estivesse armado, criticou a força excessiva da polícia e denunciou o racismo policial nos Estados Unidos.


O que o senhor se lembra daquela tarde de domingo?
Eu estava em meu apartamento, assistindo à televisão, quando escutei uma discussão entre mulheres. Fui até a janela e vi Jacob sair do carro e dizer aos filhos para que entrassem no carro. Então, ele caminhou em direção à sua casa. Eu me afastei da janela e fui até o quarto. Talvez uns cinco minutos depois, voltei até a janela e os policiais estavam lá fora, lutando com Jacob. Eles o imobilizaram com uma chave de braço e socaram suas costelas. Outro agente puxava o braço de Jacob, que estava entre os dois policiais. Uma terceira policial disparou uma pistola Taser (choque elétrico), o que o levou a cair sobre o carro. Eles começaram nova luta na parte de trás do veículo.


Jacob tentou interferir na briga das mulheres, antes de ser abordado pela polícia?
As mulheres discutiram entre 30 minutos e uma hora quando Jacob chegou. Os tiros da polícia duraram de 30 segundos a 2 minutos, em rápida sequência. Foi tudo muito rápido.


Qual foi sua reação ao testemunhar a ação dos policiais?
Eu fiquei apavorado ao ver a polícia atirar neste homem por sete vezes quando ele tentava entrar no carro. Eles dispararam depois que Jacob abriu a porta do veículo. Foi algo aterrorizante de se ver. Eu estava sozinho em casa, mas havia bastante gente do lado de fora. Os filhos dele estavam dentro do carro. Tinha mais crianças na rua. Fiquei com medo de as balas ricochetearam e atingirem as crianças.


Por que decidiu filmar a cena?
Eu presenciei a discussão entre as mulheres e fui até a janela. A polícia estava lá fora, lutando com este homem. Filmei o que ocorria com a intenção de enviar o vídeo para a minha namorada, a fim de mostrar-lhe que havia algum drama em minha rua. Então, ocorreu de a polícia disparar contra esse homem.


Como o senhor analisa a forma com que a polícia agiu na operação?
Quando Jacob chegou ao local, ele puxou as mulheres que discutiam. Ele não disse nada a elas. Tudo o que ele fez foi procurar pelos filhos e pedir que entrassem no carro. A polícia não deveria ter reagido daquela forma. Como eu disse, os policiais e Jacob lutavam antes mesmo de eu começar a gravar. Acho que os agentes poderiam tê-lo dominado. Se quisessem disparar, poderiam tê-lo feito contra as pernas dele. Foram sete tiros nas costas. Isso é força excessiva. Eles atiraram três vezes, muito rapidamente; depois, mais quatro vezes.


Algumas pessoas afirmam que Jacob teria tentado pegar uma faca... Isso é uma mentira, ele não tinha uma faca.O que poderia dizer sobre Jacob Blake como ser humano?
Não o conheço pessoalmente. Somos vizinhos; então, eu o vejo o tempo todo. Ele costumava fazer churrasco e escutar música com os filhos, em frente à sua casa, durante o verão. Também vejo os filhos dele todos os dias. Jacob não causava danos a ninguém, não o via discutir com ninguém.


O senhor esperava que sua filmagem viralizasse e deflagrasse um levante popular?
Depois de George Floyd, mais negros morreram nas mãos da polícia. Há anos esse tipo de coisa acontece. Eu esperava por esse tipo de reação. Isso é uma reação em cadeia, não vai parar. A polícia tem de parar de nos matar. Na condição de homem negro, vejo isso como racismo. Esses policias brancos acham que, porque têm distintivo e uma arma, podem atirar. Esses tiras brancos disparam contra nós como se praticassem tiro ao alvo.