ESTADOS UNIDOS

Prisão de Bannon acirra a campanha nos Estados Unidos pela Casa Branca

Ex-estrategista-chefe de Donald Trump e três pessoas são acusados de desviar doações para a construção de muro na fronteira com o México. Presidente se distancia do escândalo. Joe Biden aceita, oficialmente, a indicação como candidato democrata à Casa Branca

Depois da prisão e do indiciamento de Steve Bannon, 66 anos, ex-estrategista-chefe da campanha republicana em 2016 e um dos principais responsáveis pela vitória de Donald Trump, o presidente norte-americano mostrou distanciamento, enquanto o Partido Democrata tentou capitalizar politicamente sobre o fato. Bannon, guru da extrema-direita nos Estados Unidos e do clã Bolsonaro, responderá pelos crimes de conspiração para cometer fraude eletrônica e conspiração para lavagem de dinheiro. O ex-conselheiro de Trump é acusado de desviar até US$ 1 milhão de uma campanha virtual de arrecadação de fundos para a construção do muro na fronteira entre os EUA e o México. Parte do dinheiro teria sido usado para pagar “secretamente” Brian Kolfage, 38, fundador da campanha “We Build The Wall” (“Nós construimos o muro”), e para despesas pessoais.


Bannon foi preso dentro do iate do dissidente chinês Guo Wengui, em Connecticut, 16 horas antes de Joe Biden aceitar oficialmente a indicação como candidato à Presidência dos EUA e colocar-se como um nome de união contra Trump, durante o encerramento da Convenção Nacional Democrata, em Milwaukee. Em sua primeira audiência na Justiça, Bannon declarou-se inocente. O juiz estabeleceu uma fiança de US$ 5 milhões (cerca de R$ 27 milhões). Também fundador do site de extrema-direita Breitbart News, Bannon foi libertado mediante o pagamento de parte do valor (US$ 1,75 milhão ou R$ 9,7 milhões em dinheiro ou propriedades) e terá de cumprir uma série de condições, como a proibição de uso de jatos executivos e de embarcações privadas. A próxima audiência foi agendada para 3 de setembro. “Todo este fiasco é para deter as pessoas que querem construir o muro”, declarou, ao deixar a Corte Federal de Manhattan. A campanha de Biden classificou o próprio Bannon como uma “fraude”.
“Eu me sinto muito mal. Não tenho lidado com ele (Bannon) há um bom tempo. (…) Não sei nada sobre o projeto (de arrecadação para financiar o muro), exceto o fato de que não gostei disso. Isso é para o governo, não para pessoas privadas”, declarou Trump, ao ser questionado sobre a prisão, na manhã de ontem, ao receber o primeiro-ministro do Iraque, Mustafa Al-Kadhimi. O magnata republicano disse que a prisão do ex-assessor é “uma coisa muito triste para o senhor Bannon”. “É surpreendente. Eu não gostei desse projeto. Achei que fosse algo feito motivado por exibição”, acrescentou.


Um dos repórteres lembrou-lhe de que outros assessores da campanha eleitoral de 2016 (Rick Gates, Paul Manafort, Roger Stone, Michael Flynn e Michael Cohen) também tiveram problemas com a Justiça. Trump desconversou: “Havia grande ilegalidade no governo de (Barack) Obama. Eles espionaram nossa campanha ilegalmente.” No Brasil, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, preferiu o silêncio e foi cobrado por um posicionamento, em suas redes sociais.

Convenção

Às 23h50 de ontem (hora de Brasília), Biden fez o discurso mais importante em cinco décadas de carreira política. Desde sua casa, em Wilmington (Delaware), ele prometeu “colocar fim à era de escuridão” nos EUA. “O atual presidente ocultou a escuridão americana por muito tempo”, declarou. “Tanta raiva, tanto medo, tanta divisão. Aqui e agora, dou a vocês minha palavra: se me confiarem a Presidência, (...) serei um aliado da luz, não das trevas.”
Em entrevista ao Correio, Paul Musgrave — cientista político da Universidade de Massachusetts Amherst — explicou que os democratas usarão a prisão de Bannon a serviço de sua mensagem de que Trump é impróprio para o cargo. “É realmente surpreendente que um ex-conselheiro presidencial tenha sido preso pelo que parece ser um comportamento claramente criminoso. Não acho que surtirá muito impacto sobre a situação de Trump. Depois de um impeachment, da pandemia do novo coronavírus e de anos de escândalos, parece-me claro que entre 38% e 42% dos americanos aprovarão Trump, não importa o que ocorra”, disse.


Musgrave lembra que a atitude do magnata republicano em relação ao muro fronteiriço tem sido consistente. “Provavelmente, veremos o tema do muro retornar aos holofotes, especialmente na próxima semana, durante a Convenção Nacional Republicana. O fato de Bannon estar envolvido supostamente num esquema fraudulento de construção da barreira provavelmente não afetará o assunto.”


James Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), aposta que Trump buscará se distanciar de Bannon. “O presidente falará mal dele e insistirá que o caso nada tem a ver com o governo. Será seu modo de criar uma separação entre a prisão de Bannon e sua tentativa de reeleição”, afirmou à reportagem. Green adverte que o escândalo envolvendo o ex-assessor será um estímulo a mais para Trump fazer o possível para ganhar em 3 de novembro, inclusive fraude. “Ele sabe que, se perder, enfrentará uma série de acusações de fraude bancária e fiscal.” Ontem, um juiz federal ordenou que o presidente entregue as declarações de impostos dos últimos oito anos ao promotor de Manhattan, Cyrus Vance.